[š“āā ļø Medo e DelĆrio #2] Imagina nas OlimpĆadas
As gurias da FranƧa levaram um sacode dos Estados Unidos em uma divertida (e violenta) partida de polo aquĆ”tico na inauguraĆ§Ć£o do Centro AquĆ”tico OlĆmpico, mas isso pouco importa.
FICHA TĆCNICA:
š“āā ļø Medo e DelĆrio nas OlimpĆadas de Paris, por Matheus de Souza
š§ 41 Mosquitoes Flying In Formation, por Tame Impala
š¤½ FranƧa 6x12 Estados Unidos
šļø 06 de maio de 2024
š Centro AquĆ”tico OlĆmpico, Seine-Saint-Denis, FranƧa
šļø 3.000 pessoas
1.
O e-mail com o comunicado de imprensa sobre a inauguraĆ§Ć£o do Centro AquĆ”tico de Saint-Denis aconselhava o uso da linha 13 do metrĆ“, o que achei Ć³timo, de modo que tudo o que eu precisaria fazer seria caminhar dez minutos atĆ© a estaĆ§Ć£o Place de Clichy, pegar o trem sentido Saint-Denis UniversitĆ©, descer treze minutos depois na sĆ©tima parada e caminhar outros treze atĆ© o lugar onde as estadunidenses tricampeĆ£s olĆmpicas do polo aquĆ”tico enfrentariam as francesas em um jogo amistoso preparatĆ³rio para os Jogos OlĆmpicos; as donas da casa, inclusive, sĆ³ participarĆ£o de Paris 2024 porque existe uma regra que diz que o paĆs anfitriĆ£o deve ter participantes em todas as modalidades; Ć© a primeira vez delas nas OlimpĆadas, assim como a Ćŗnica participaĆ§Ć£o da seleĆ§Ć£o brasileira feminina de polo aquĆ”tico foi justamente no Rio em 2016; as brasileiras nĆ£o estarĆ£o em Paris.
Relendo o e-mail agora, onze dias depois, percebo que logo abaixo do conselho sobre qual linha pegar havia um outro: āa passarela entre o Stade de France e o Centro AquĆ”tico estarĆ” fechadaā. Mas falamos disso mais adiante.
Uma outra recomendaĆ§Ć£o, essa visĆvel no topo do e-mail, dizia para chegarmos com 1h30 de antecedĆŖncia. A partida estava marcada para Ć s 20h e como eu queria aproveitar a oportunidade para dar uma espiada no Stade de France āĀ foi lĆ” que um jovem Zinedine Zidane acabou com o Brasil na Copa de 1998 ā, saĆ de casa em direĆ§Ć£o a estaĆ§Ć£o Place de Clichy por volta das 17h00 āĀ seria, supostamente, uma viagem de apenas 36 minutos atĆ© o Centro AquĆ”tico de Saint-Denis.
2.
āImagina nas OlimpĆadasā, o parisiense mais pessimista deve ter pensado quando o sistema de som avisou sobre os atrasos na linha 13 no sentido Saint-Denis UniversitĆ© āĀ ādeve ter pensadoā porque nĆ£o falo francĆŖs (escutei o aviso em inglĆŖs), de modo que nĆ£o tive a chance de perguntar para os outros passageiros espremidos no vagĆ£o.
Pegar o metrĆ“ em Paris Ć© sempre uma emoĆ§Ć£o. Na maioria das vezes as viagens sĆ£o tranquilas, mas, alĆ©m das muitas obras que nos Ćŗltimos tempos tĆŖm gerado atrasos considerĆ”veis, eventualmente as coisas escalam muito rapidamente.
Os avisos sobre pickpockets sĆ£o frequentes e quem mora na cidade e utiliza o transporte pĆŗblico diariamente meio que sabe identificar os meliantes, mas como falei, eventualmente as coisas escalam muito rapidamente.
Dia desses, voltando para casa na linha 2 apĆ³s fazer boas compras na Ikea, percebo uma movimentaĆ§Ć£o estranha a cerca de trinta centĆmetros de distĆ¢ncia do meu assento. Um rapaz se abaixa e gruda na perna de um turista estadunidense, o pessoal em volta fica naquela de āque diabos tĆ” acontecendo?ā, logo penso em terrorismo ou algo do tipo, mas aĆ todos ficamos meio que tranquilos quando percebemos que o rapaz aparentemente deixou cair o seu fone de ouvido e estĆ” tentando mover desesperadamente a perna do turista para recuperĆ”-lo. Assim que o trem para, o rapaz do fone de ouvido desce e joga uma carteira para trĆ”s. Era a carteira do turista, apenas com os seus documentos. O dinheiro se foi. Tudo aconteceu em segundos.
Os bĆŖbados tambĆ©m sĆ£o um problema, principalmente durante a noite. Voltando para casa apĆ³s um outro dia de boas compras na Ikea fico feliz (e um pouco confuso) ao perceber que, ainda que os demais vagƵes estejam completamente lotados, nĆ£o hĆ” ninguĆ©m no vagĆ£o cuja porta se abre Ć minha frente. JĆ” no interior do trem entendo o motivo: o cheiro de mil cloacas podres; um bĆŖbado vomitado, mijado e cagado āĀ e provavelmente mais alguma coisa āĀ descansa solitĆ”rio em um dos assentos (que espero ter sido incinerado; o assento, no caso).
Os ratos nas estaƧƵes sĆ£o comuns e meio que jĆ” me acostumei, mas no verĆ£o passado rolou uma infestaĆ§Ć£o de percevejos (os bed bugs) nos vagƵes. Isso foi punk. E falando em verĆ£o, sol, calor, suor e aquela coisa toda, as OlimpĆadas serĆ£o disputadas justamente durante a estaĆ§Ć£o mais esperada do ano e garanto que tem coisa pior que os percevejos: a suvaqueira da turma.
3.
DesƧo na estaĆ§Ć£o Saint-Denis Porte de Paris com alguns minutos de atraso, mas ainda dentro da janela de 1h30 de antecedĆŖncia, pego a saĆda La Plaine e sigo o caminho indicado pelo Google Maps. Enxergo o Stade de France no horizonte e acelero o passo para produzir o famigerado conteĆŗdo. Envio fotos pelo WhatsApp para os meus pais, āfoi aqui que o Zidane acabou com o Brasil na Copa de 1998 šā, eles respondem, āšā, āšš»ā, vejo um rapaz de mochila que estava no metrĆ“ dirigindo-se atĆ© a plataforma que liga o estĆ”dio ao Centro AquĆ”tico OlĆmpico e decido segui-lo. O rapaz olha para o celular, provavelmente com o Google Maps aberto, olha para a passarela, coƧa a cabeƧa, olha de novo para o celular, fala com um seguranƧa em um dos portƵes do Stade de France e, aparentemente contrariado, inicia uma caminhada em sentido contrĆ”rio. Quando finalmente chego na entrada da passarela entendo: ela estĆ” fechada (o e-mail!!!).
O Google Maps me mostra uma rota alternativa cujo tempo de caminhada Ć© 28 minutos. O Ćŗnico jeito de chegar ao Centro AquĆ”tico OlĆmpico Ć© cruzando uma rodovia ā o equivalente a nossa BR101 ā, por isso hĆ” uma passarela (!!!), de modo que nĆ£o existe a menor possibilidade de simplesmente cruzar de um lado para o outro caso nĆ£o esteja vindo nada. ApĆ³s sete minutos de caminhada finalmente consigo achar um retorno. O Google Maps recalcula a rota e diz que devo fazer o caminho de volta e cruzar a passarela fechada (!!!), mas de onde estou consigo ver o Centro AquĆ”tico OlĆmpico ā e o rapaz de mochila ā no horizonte. Fico preso em um sinal vermelho e perco o rapaz de vista, mas percebo que ao meu lado hĆ” um casal de idosos devidamente fardados com camisetas do merchandising oficial das OlimpĆadas e decido segui-los āĀ na dĆŗvida, siga os locais.
O Apple Watch informa que jĆ” caminhei 1km. āContinue assimā, ele me encoraja. O casal de idosos para em um dos portƵes para pedir informaƧƵes e um seguranƧa faz um sinal com as mĆ£os de que a entrada Ć© no sentido contrĆ”rio. Enquanto espero que o casal de idosos escute atenciosamente as instruƧƵes para que eu possa segui-los atĆ© a entrada correta, o rapaz da mochila passa por nĆ³s ā ele tambĆ©m deve ter descoberto que estava andando no sentido contrĆ”rio.
Sigo os idosos Ć espreita e, como a velocidade do nosso grupo Ć© limitada, perco mais uma vez o rapaz da mochila de vista. Sei que os queridos leitores jĆ” devem estar cansados com tantos detalhes sobre a epopeia atĆ© o Centro AquĆ”tico OlĆmpico, mas certamente nĆ£o mais que eu ao ver a notificaĆ§Ć£o do Apple Watch sobre os 2km completados āĀ āCĆrculo de atividade completoā ā momentos antes de finalmente acharmos a entrada correta.
4.
A lei Evin, promulgada em janeiro de 1991, restringe a venda de bebidas alcoĆ³licas nos estĆ”dios franceses.
Existem, no entanto, exceƧƵes. Na Copa do Mundo de rugby, em 2023, os organizadores conseguiram uma autorizaĆ§Ć£o especial para vender Ć”lcool Ć margem dos jogos. Essa exceĆ§Ć£o, porĆ©m, tem um limite de competiƧƵes por ano e, por essa razĆ£o, o ComitĆŖ OlĆmpico Internacional abandonou a ideia de solicitar uma flexibilizaĆ§Ć£o.
āParis 2024 organizarĆ” mais de 700 competiƧƵes em 15 diasā, lembrou o porta-voz do COI. āE a lei sĆ³ concede isenĆ§Ć£o para dez eventos por organizador e por ano na mesma cidadeā, explicou.
E aĆ tem a exceĆ§Ć£o da exceĆ§Ć£o. Os camarotes VIPs sĆ£o considerados espaƧos privados e se beneficiam de uma legislaĆ§Ć£o diferente ā vocĆŖ acha mesmo que o pessoal cheio de grana ficaria de bico seco? Os ricos sempre tĆŖm os seus privilĆ©gios.
De posse de uma Coca-Cola e de um cachorro-quente, sigo atĆ© a entrada 25, subo os degraus atĆ© a fileira 9 e me acomodo no assento 602. Um animador de torcida distribui brindes acompanhado dos mascotes olĆmpicos. MĆŗsicas pops genĆ©ricas tocam em um volume ensurdecedor.
5.
O que vocĆŖ precisa saber sobre o polo aquĆ”tico feminino:
Dois times com doze jogadoras ā sete titulares e cinco reservas āĀ batalham em uma piscina com 25mx20m e 2m de profundidade. As partidas sĆ£o divididas em quatro perĆodos de oito minutos cada. Exceto pelas goleiras, as jogadoras sĆ³ podem tocar a bola com uma mĆ£o de cada vez e o contato supostamente sĆ³ Ć© permitido entre quem estĆ” em posse da bola e sua marcadora. A posse de bola dura 30 segundos e, caso o time nĆ£o ataque ao fim dos 30 segundos, a bola passa para o time adversĆ”rio.
Ainda que o polo aquĆ”tico faƧa parte do programa dos Jogos OlĆmpicos modernos desde a sua segunda ediĆ§Ć£o, realizada no ano de 1900 em Paris, o torneio feminino foi introduzido apenas um sĆ©culo depois, nos Jogos de 2000, em Sydney.
6.
NĆ£o dĆ” para piscar. O jogo Ć© uma pauleira ferrenha. E de cara percebo que deve cansar muito nadar de um lado para o outro ā seja para atacar ou defender ā e ainda se preocupar com a bola. As estadunidenses, atuais tricampeĆ£s olĆmpicas (Londres 2012, Rio 2016 e TĆ³quio 2020), abrem 3x0 rapidamente e mostram porque sĆ£o favoritas ao tetra. Maggie Steffens, a capitĆ£, esteve nas trĆŖs conquistas e Ć© a recordista de gols em Jogos OlĆmpicos. Do lado francĆŖs, destaque para a goleira Mia Rycraw, californiana de nascimento que, vivendo em Lille desde 2018, optou por defender as Bleues.
"Eu sou da CalifĆ³rnia, por isso as pessoas me perguntam porque gosto de Lille. Mas o que eu gosto especialmente na FranƧa Ć© que as pessoas nĆ£o vivem para trabalhar, elas trabalham para viver, para aproveitar a vida. TambĆ©m me sinto mais segura na FranƧa do que nos Estados Unidos por conta da legislaĆ§Ć£o sobre o porte de armas. E tem tambĆ©m a qualidade da comida."
Empurradas pela torcida que nĆ£o para de cantar um minuto, as francesas chegam ao 3x3 apĆ³s incrĆveis trĆŖs bolas na trave. Desisto de acompanhar a bola e foco na disputa corporal entre duas jogadoras que estĆ£o longe de uma jogada de ataque estadunidense. Elas se empurram, se enforcam e uma delas dĆ” um tapa no rosto da outra. A agressĆ£o passa batida pelos juĆzes āĀ cadĆŖ o VAR?
A cada arremesso por cima do gol, gandulas se atiram na Ć”gua para recuperar a bola. Salva-vidas ficam a postos nos dois lados da piscina āĀ esses felizmente nĆ£o precisaram trabalhar.
Os Estados Unidos enfim demonstram sua superioridade e vĆ£o empilhando gol atrĆ”s de gol apesar dos esforƧos da boa goleira Mia Rycraw āĀ teria sido muito pior sem ela. Coube a Maggie Steffens fechar a goleada: 12x6 ā fora os apavoro. Mas para a torcida isso pouco importa: as francesas saem da piscina ovacionadas.
Se āĀ e aqui me coloco no papel de torcedor ā nos divertimos tanto em um jogo que nĆ£o valia absolutamente nada, imagina nas OlimpĆadas. Os franceses, de fato, sabem aproveitar a vida.
š Rio Grande do Sul
InformaƧƵes centralizadas para ajuda e alĆvio da enchente organizadas por @victor.arnt.
āA casa alagadaā, por
em ."Temos que comeƧar a dizer: todos nĆ³s somos ambientalistas", por
em .āNossa terra devastadaā, por
em .āMemĆ³rias de um Rio Grande do Sul, Grandeā, por
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em .
Matheus, amando a id visual do Medo e DelĆrio, boa semana <3
Obrigada pela menĆ§Ć£o š«¶š». Amei o texto dessa saga olĆmpica que promete muito, ansiosa para as olimpĆadas.