[Passageiro #16] A nostalgia como estímulo criativo
Jazz japonês dos anos 1970, uísque de arroz em Chiang Mai e a linha Garopaba-Porto Alegre da Santo Anjo.
Para ler ouvindo: Tezeta (Nostalgia), por Mulatu Astatke.
1.
Nostalgia
substantivo feminino
Melancolia ou tristeza profunda causada em pessoa exilada ou longe de sua terra natal.
2.
O livro que estou escrevendo é, de certa forma, um livro de memórias de uma pessoa longe de sua terra natal.
Não tenho o hábito de escrever sobre uma viagem enquanto ela ainda está acontecendo – exceto por uma ou outra nota, de modo que o processo até aqui tem sido alimentado pela nostalgia.
Não a alimento, no entanto, com tristeza profunda; mas com memórias agridoces, algumas reais, outras de épocas que não vivi, como no famoso clichê da autoficção em que realidade e ficção se misturam.
3.
Esses tempos o
me mostrou o My Analog Journal, um canal no YouTube onde DJs de diversas partes do mundo tocam o que os países de língua inglesa chamam de “world music”, ou seja, músicas feitas por artistas fora da bolhinha dos júris de Grammy e Brit Awards.Dou play nesse set de jazz japonês dos anos 1970. Lembro de Lost in Translation. Lembro do episódio de Parts Unknown em que Anthony Bourdain bebe uma cerveja no mesmo bar do hotel em que Bill Murray bebe uma dose de uísque em Lost in Translation. Começo minha sessão diária de escrita. Estou escrevendo uma cena que se passa em Chiang Mai, na Tailândia. Lembro de um outro episódio de Parts Unknown em que Anthony Bourdain toma uísque de arroz em Chiang Mai. Eu também tomei uísque de arroz em Chiang Mai. Tudo se conecta. Escrevo sobre isso.
4.
Esses tempos o Tiago do
me mostrou um vídeo de um escritor que se gravou escrevendo por duas horas. O vídeo tem quase 300 mil visualizações. Tiago disse que devo fazer o mesmo. "Dá mó sensação de companhia", diz ele.Tiago também me apresentou um canal focado em nostalgia. São gravações antigas de lugares como Tailândia, Indonésia e Japão. Ele disse ter o hábito de trabalhar com a tela dividida, um olho em algum vídeo nostálgico, outro no trabalho. Comento que vez ou outra também faço isso. Lembro do Diário audiovisual de uma quarentena, do
.5.
Estou lendo Barba ensopada de sangue, do Daniel Galera. Recentemente, o livro ganhou uma edição especial de 10 anos com apresentação da
.Nos últimos meses li quase que exclusivamente narrativas de viagens. Precisava de referências, precisava mergulhar nesse universo. Mas cansei. Não aguento mais ler sobre quem foi pra onde, de modo que busquei no Kindle um livro pura e simplesmente para passar o tempo. Comprei Barba há anos e ele tinha tudo para ser esse escape, não tivesse eu me ensopado em nostalgia.
A história se passa em Garopaba, cidade vizinha da minha Imbituba, no litoral sul catarinense. A cada página, uma nova memória. Bairros, costumes, expressões locais. A personagem que faz bate-volta até Imbituba para trabalhar. A sorveteria Gelomel. Os pescadores (meu avô era pescador). A época da tainha. A época das baleias. A linha Garopaba-Porto Alegre da Santo Anjo. As paradas em restaurantes de estrada. Os meus 15 anos, os 18, os 23. A melancolia de um personagem longe de sua terra natal.
Divido minha tela em duas, coloco um vídeo da Indonésia dos anos 1980-1990 para rodar, dou play em um set de jazz da Eritreia e volto a escrever.
✍️ Notas:
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Caramba a internet é gigante mesmo, deve ser quase infinita, não sabia que tinha canais no youtube voltados somente para isso, videos antigos, que trazem esse sentimento de nostalgia, para mim eles trazem uma sensação ao mesmo tempo melancólica e de saudade de viver em um mundo mas analógico sem tanta internet por aí rsrs e os canal de música pô primeira linha estou escutando direto agora muito bom, valeu demais por esse texto e essas dicas Matheus, um abraço.
Bom, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose que se usa. Então, até certo ponto a nostalgia é boa.