[Passageiro #20] A Khao San Road e os fiscais de viagem
Estou hospedado na rua mais hypada – e estereotipada – de Bangkok. Fiscais de viagem certamente cancelarão o meu título de nômade digital.
Para ler ouvindo: Planet Caravan, por Black Sabbath.
1.
“(…) A rua Khao San era território de mochileiro. Quase todos os prédios haviam sido transformados em pousadas, havia cabines telefônicas com ar-condicionado para chamadas a longa distância, os bares exibiam os filmes mais recentes de Hollywood em vídeo e você não conseguia andar três metros sem ver uma banca de fitas-piratas. A função principal daquela rua era servir de câmara de descompressão para quem estava partindo ou chegando à Tailândia; era uma parada intermediária entre o Oriente e o Ocidente”. Primeiro parágrafo de A praia, o livro cult de Alex Garland que serviu de inspiração para o filme homônimo com Leonardo DiCaprio.
Às vezes quando chego em um destino e durmo em um novo lugar, principalmente após uma longa viagem, acordo sem saber direito onde estou. Dessa vez, no entanto, basta sair do quarto do hotel barato para me lembrar exatamente de onde estou.
Os insistentes motoristas de tuk-tuk, os preços inflacionados nos restaurantes lotados de estrangeiros, os ambulantes e golpistas tentando me vender os mais diferentes tipos de produtos e serviços – espetinhos de insetos; tatuagens; baldinhos com bebidas destiladas; shows de pompoarismo; massagens; gás do riso; maconha; documentos falsos –, o cheiro da comida das barraquinhas de rua – peço um pad thai de camarão que custa cerca de R$ 9 –, o calor fumegante, os painéis de neon que sempre escondem algo. A combinação dessas ofertas e sensações é um lembrete de que estou de volta em Bangkok; de que estou na Khao San Road.
2.
O viajante em 2023 está em uma busca incessante por autenticidade. “R$ 9 em um pad thai de camarão na Khao San Road? Você consegue uma experiência mais autêntica e ainda mais barata a umas três quadras dali, em uma barraquinha que sequer tem menu em inglês. É onde os locais comem. Fuja também do Chatuchak Market. É um mercado para turistas”.
Essa é a minha quarta vez na Tailândia. Em todas elas estive em Bangkok. Nas viagens anteriores, busquei me hospedar em bairros hipsters; Thonglor, Ari ou Ekkamai. Queria uma experiência autêntica, não queria ser acusado de ser um turista tradicional.
Lembro que em 2020, pouco antes do início da pandemia, passei um final de semana na capital tailandesa com um amigo brasileiro. Comemos espetinho de escorpião, compramos calças com estampas de elefante, bebemos drinks em baldinhos coloridos. Nos divertimos. Fomos felizes na Khao San Road. Em um grupo de WhatsApp com outros nômades, fomos julgados pela nossa falta de autenticidade. “Puro suco de turista na Tailândia”, um deles escreveu.
3.
Poucas coisas me irritam tanto na internet quanto os fiscais de viagem.
“Pad thai é a sua comida tailandesa favorita? Isso é tão coisa de turista”.
“Koh Phangan? Nossa, Koh Tao é bem melhor”.
“Chiang Mai está lotada de nômades digitais, o lance agora é ir para Chiang Rai”.
Pois eu estou contando os dias para comer pad thai em Koh Phangan após passar uma semana em Chiang Mai e provavelmente ser julgado pelo tribunal dos fiscais de viagem por fazer uma sak yant, a tatuagem sagrada tailandesa feita por monges em templos budistas.
4.
Em 1977, o autor Joe Cummings hospedou-se em uma pousada barata na Khao San Road e colocou a hoje rua mais famosa da Tailândia no mapa ao escrever a primeira edição tailandesa do Lonely Planet. Até o fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000, a Khao San Road era a meca dos mochileiros. Sua fama ficou ainda maior após o filme A praia com o DiCaprio. Os preços subiram, a oferta de produtos e serviços para turistas aumentou e, para muitos viajantes, os dias de autenticidade ficaram para trás – acabei de passar na frente de um McDonald’s 24h.
Escrevo essas linhas enquanto escuto o som alto dos bares lá fora. Neste exato momento, 21h33 em Bangkok, centenas de turistas estão na Khao San Road em uma jornada hedonista, uns com garrafas de Chang na mão, outros com drinks em baldinhos de plástico, vestindo calças com estampas de elefante ou não, levando golpes de motoristas de tuk-tuk, fumando maconha – que agora é legal por aqui –, comendo espetinhos de insetos, sendo felizes.
A Khao San Road pode não ser mais o que era, pode ser considerada decadente por muitos, pode não ser uma experiência autêntica tailandesa, mas ela está cheia de histórias; e eu estou aqui para escrevê-las.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento:
Qual o seu lugar super turístico favorito? Aquele que o viajante autêntico detesta, mas que você adora.
Eu começo: Roma.
✍️ Notas de rodapé:
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Aqui no Ceará tem uma cidade serrana linda, chama Viçosa. Mesmo com milhares de cachoeiras e trilhas escondidas pra explorar, minha parada favorita sempre é a Igreja do Céu, o ponto turístico mais conhecido da cidade, uma espécie de mirante que fica no alto da cidade com uma capelinha e uma escadaria gigante onde os católicos pagam promessas.
Agora, se me permite, um comentário que é exatamente o contrário do que a call to action quer: meu lugar super turístico mais odiado é Jericoacoara. Sou natural de Camocim, uma cidade que faz fronteira com Jeri pela praia e posso afirmar que todos os passeios legais que os guias vendem pra turista em Jeri são, na verdade, pelas praias de Camocim (Sim, talvez eu só esteja sendo clubista). Mas enfim, sempre que alguém fala que quer ir pra Jeri eu faço questão de deixar claro que Camocim é muito melhor (e barato rs).
Estive em Bangkok em 2013, passei pela famosa rua, mas não tive coragem de comer o escorpião. Achei que era fake. A melhor comida foi num beco em frente ao hotel. Um fried rice com Singha gelada por € 2,50, na época.
E Paris é meu destino tradicional, mas lá tem programa e lugar pra todas as tribos.
Abraço, Pedro