[Passageiro #22] Alimentando elefantes vítimas de maus-tratos em Chiang Mai
Uma visita a um santuário que resgata elefantes explorados pela indústria do turismo no norte da Tailândia.
Para ler ouvindo: Elephant, por Tame Impala.
1.
Eles parecem cachorros gigantes.
São dóceis, carinhosos, gostam de brincar. O problema é que eles não são cachorros; são elefantes, animais supostamente selvagens que deveriam viver livres do contato com humanos.
No início de março a CNN contou a história de Pai Lin, elefante que foi forçada a carregar até seis turistas por dia durante 25 dos seus 71 anos. Para que um turista bobalhão tire fotos sorridentes montado em um elefante, o animal é treinado, ainda bebê, através de maus-tratos, para se tornar submisso.
O Elephant Jungle Sanctuary foi fundado em 2014 através de uma inciativa conjunta entre a tribo Karen (ou Padaung, as “mulheres-girafa”, aquelas com argolas nos pescoços e extremidades, tribo de origem nômade que fugiu do Myanmar no final dos anos 1980 devido a conflitos étnicos) e a população local das montanhas nos arredores de Chiang Mai.
Preocupados com o bem-estar dos elefantes explorados pela indústria do turismo na Tailândia, os administradores do santuário resgatam os animais, que passam a viver em uma área demarcada de uma propriedade privada. Como os bichos comem entre 100 e 200 quilos de comida e ingerem mais de 100 litros de água por dia, o espaço é mantido através de um projeto de turismo ético e sustentável – hoje, além de Chiang Mai, o Elephant Jungle Sanctuary também atua em Phuket, Pattaya e Koh Samui.
2.
É um pouco contraditório.
Esses animais que alimento com bananas, que dou banho de lama, que erguem suas trombas em minha direção para brincar, foram salvos do turismo exploratório através do… turismo; ainda que supostamente ético e sustentável, estamos falando de turismo com animais.
Nossa guia insiste a todo momento que, por terem sido domesticados quando jovens – através de maus-tratos –, os animais resgatados não conseguiriam se adaptar à vida selvagem. Faz sentido. O turismo ético e sustentável, ainda que contraditório, é o que mantém esses bichos vivos – e, aparentemente, felizes, assim como o fofinho e atrapalhado bebê elefante que segue o seu cuidador para cima e para baixo.
3.
Talvez tudo seja muito contraditório.
O fato de haver um bebê elefante nascido no santuário também pode ser visto como contradição. Seus pais foram vítimas de maus-tratos e, por isso, foram resgatados, mas e ele? Não seria possível uma reintegração à vida selvagem?
Fofinho e atrapalhado, o bebê elefante é o favorito dos turistas. Isso, talvez, explique o porquê de seguir no santuário: ele é um ótimo elefante-propaganda.
“Talvez” porque não passa de uma suposição da minha parte. Não sou especialista em elefantes, mas também suponho que separar um bebê elefante dos pais não seja bom para o rebento. Eu poderia ter feito este e outros questionamentos à nossa guia, mas, como o jornalismo literário está morrendo, não tive este cuidado – na verdade, só pensei nessas questões no caminho de volta.
4.
“Não toque nas orelhas, nos olhos, na barriga, no rabo e nas partes íntimas. Todo o resto pode”.
Há quem também ache tudo isso muito contraditório e defenda que, em um suposto turismo ético e sustentável, humanos não devem tocar, alimentar ou dar banho de lama em elefantes.
Saengduean "Lek" Chailert, pioneira no turismo ético e sustentável de elefantes, abriu o Elephant Nature Park, ao norte de Chiang Mai, na década de 1990 — tanto como um refúgio para animais vítimas de maus-tratos quanto para explorar maneiras melhores de permitir que turistas e elefantes interajam.
"Queríamos ser totalmente éticos, focar na conservação. Então decidimos interromper os programas de banhos e alimentação de elefantes para turistas", diz ela em entrevista à BBC.
Lek tem um terreno grande, com cerca de 100 hectares, ao longo do Rio Mae Taeng. O espaço é suficiente para que os seus 122 elefantes — 45 deles resgatados de outros santuários que faliram durante a pandemia — possam vagar livremente, sem correntes.
Outros acampamentos, segundo Lek, não têm essa opção. Um deles, também em Chiang Mai, que anuncia "passeios éticos e sustentáveis com elefantes" e permite que os turistas deem banho nos elefantes, diz não ter meios para construir um cercado suficientemente grande e precisa acorrentá-los à noite para a segurança dos próprios elefantes e dos humanos.
Estaria Lek falando do Elephant Jungle Sanctuary?
5.
Preciso dizer que em nenhum momento vi algum indício de que os elefantes do Elephant Jungle Sanctuary sofram maus-tratos; pelo contrário, os animais demonstram ter muito carinho pelos seus cuidadores. Tudo é muito organizado e é perceptível o cuidado dos funcionários do santuário com os elefantes.
Inclusive, como a guia do passeio nos alertou, quem define a programação e o tempo de cada atividade são os próprios elefantes. O banho, por exemplo, durou cerca de cinco minutos. Um dos elefantes, o maior deles, saiu subitamente do rio e foi seguido pela manada.
A experiência, como um todo, é inesquecível. Em diversos momentos você se pega pensando “puta que pariu, estou no meio do nada, na Tailândia, alimentando elefantes”, porém, se tratando de turismo, em que realidades podem ser criadas, devemos sempre nos questionar.
🗣 Call to action pertinente para gerar engajamento:
O que você pensa sobre o turismo com animais?
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Fui indicado na categoria Influenciador LinkedIn do Prêmio iBest pelo segundo ano consecutivo. Desta vez, no entanto, não farei campanha. Porém, caso você ache que sou merecedor, pode votar em mim neste link (sim, assim como o rolê dos elefantes, parece contraditório eu dizer que não farei campanha e logo em seguida pedir seu voto, mas essa será a única vez que enviarei esse link aqui haha).
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Recentemente, no Marrocos, fiz um passeio de camelo no deserto, coisa de 1 hora. Mas um dos animais empacou e o guia usou muita força pra fazer ele andar. Foi de doer o coração. No dia seguinte era possível repetir o passeio de camelo, e eu e minha esposa recusamos a oferta, ainda com aquela lembrança na cabeça.
Quando envolve a natureza, entramos em um assunto muito sensível para nós. Irrita mesmo. Ao mesmo tempo em que adoramos conhecer pessoas e aprender sobre as maravilhas que somos capazes de realizar, ficamos indignados com a nossa idiotice.
Por exemplo, aqui em Imbituba caminhamos pela praia juntando cacos de vidro e tudo o que é tipo de embalagens (muito plástico!) trazidos pelo mar. Não damos conta. Ali na praia do Porto tem aquele arroio que deságua no mar carregando esgoto, pneus e plástico, muito plástico! E o pior é que esse não é um fato isolado de Imbituba, está em todas as praias e lugares que conhecemos na vida. E creio que não precisamos discorrer sobre as consequências dessa nossa imbecilidade para a natureza, afetamos não apenas elefantes na Tailândia, mas todos os tipos de ecossistemas do planeta. Somos bilhões de imbecis com capacidades incríveis de sermos melhores.
Nós, na nossa humilde imbecilidade poluidora, tentamos mitigar nossa pegada ambiental com diversas atitudes. E esse comportamento faz com que a gente se sinta um santuário, uma gota no oceano que faz a sua parte.
Ingênuos?
Pode ser que sim. Mas no contexto em que a destruição da natureza está vencendo, aplaudimos quem tentar ir contra essa maré.
Obrigados, queridão! Até sábado que vem, nosso amigo de todo final de semana!💚✨