[Passageiro #27] Entre a síndrome do impostor e o perfeccionismo; ou como virei adepto do DeMarquismo
Em outros tempos o título desse texto seria "X lições que você pode aprender com Mac DeMarco".
Para ler ouvindo: Moonlight on the River, por Mac DeMarco.
1.
Em janeiro de 1961, Bob Dylan mudou-se para Nova York; ele tinha a esperança de conhecer o seu ídolo musical, Woody Guthrie, que estava internado em um hospital psiquiátrico com estado avançado do mal de Huntington, doença hereditária que causa a morte das células do cérebro.
Guthrie é um dos maiores nomes da música folk estadunidense. Seu legado musical é composto por centenas de músicas, baladas e obras improvisadas que abrangem desde temas políticos, canções tradicionais até trilhas infantis.
Quando Dylan começou a sua carreira, sonhava em ser “o novo Woody Guthrie”; até um crítico musical dar-lhe um puxão de orelha que mudaria os rumos da sua carreira. Essa história é contada em Crônicas, livro em que o autor de Like a Rolling Stone conta sobre os primeiros anos de sua carreira.
O tal crítico viu Dylan tocando em um bar, o chamou após o show e disse: “Você é um fake. Você nunca será Woody Guthrie, então pare com isso“. Por mais duras que fossem essas palavras, o crítico musical tinha razão. Dylan se ligou disso, encontrou o seu estilo, experimentou a guitarra elétrica e o resto é história.
Além de ter composto alguns dos maiores clássicos da música mundial e ter introduzido a guitarra elétrica no até então conservador universo folk, em 2016 Dylan foi laureado com o Nobel de Literatura por “ter criado novos modos de expressão poética no quadro da tradição da música americana”, tornando-se o primeiro e único artista na história a ganhar, além do Nobel, o Oscar, o Grammy e o Globo de Ouro. Tudo isso porque deixou de ser uma cópia barata de Woody Guthrie.
2.
Não lembro de algum dia ter sofrido com bloqueio criativo; pelo contrário, o que me bloqueia, geralmente, é ter ideias – e ser curioso – demais.
Nômade Digital foi um livro tecnicamente fácil de escrever porque tratava-se, em grande parte, de um compilado de dicas.
O livro que estou escrevendo é sobre lugares, pessoas e suas histórias, o que envolve bastante pesquisa, de modo que tenho perdido muito tempo nisso porque quero que cada parágrafo esteja amarradinho com o próximo. Comecei a semana sabendo exatamente as cenas que eu queria e precisava escrever, imaginei que adiantaria muita coisa, mas tudo que saiu foi um parágrafo; um parágrafo foda, pelo menos.
3.
Na 8ª edição dessa newsletter, que parece ter sido escrita ontem mas já faz bastante tempo, escrevi sobre Leonard Cohen e sobre como volta e meia fico obcecado com algo; no caso, Cohen era a obsessão da vez – a mais recente é o escritor francês Emmanuel Carrère.
Carrère já foi citado nessa newsletter com Outras vidas que não a minha e Ioga, seu título mais recente que de uns tempos para cá parece ter virado citação obrigatória no Substack.
O tipo de literatura feita por Carrère, uma mistura de jornalismo literário, romance e autoficção, é algo que acho que estou fazendo (ou copiando) em Passageiro.
O problema é que, assim como Bob Dylan não é Woody Guthrie, eu não sou Emmanuel Carrère.
Sou um impostor? Dylan copiando Guthrie?
4.
Mac DeMarco é uma das minhas pessoas favoritas no mundo.
O canadense estourou em 2012 com 2, virou fenômeno cult em 2014 com Salad Days e volta e meia uma música sua viraliza no Tik Tok.
Desde 2019, quando lançou Here Comes The Cowboy, álbum com uma vibe bem mais intimista do que os registros anteriores, DeMarco voltou a ser um artista independente; ele fundou a Mac’s Record Label, um selo para divulgar o seu próprio trabalho.
Ele faz questão de dizer que não é super rico, mas que o dinheiro que ganha hoje em dia com a sua música é suficiente para fazer o que bem entender; musicalmente falando.
No começo de 2023, DeMarco lançou Five Easy Hot Dogs, um álbum instrumental com músicas que gravou na estrada; literalmente, durante uma road trip solitária que durou 4 meses entre Canadá e Estados Unidos.
5.
Talvez você tenha lido, ou talvez não, sobre um músico que na última semana lançou um álbum com quase 9h de duração e exatas 199 faixas.
Bom, o músico é Mac DeMarco. As 199 faixas, rascunhos e ideias de canções gravadas entre 2018 e 2023 que mostram um desprendimento do ego – no sentido de não haver ali espaço para o perfeccionismo – estão disponíveis no Spotify; difícil pensar que uma gravadora tradicional aceitaria lançar um trabalho do tipo.
6.
Seja qual for a métrica analisada, estou longe de ser um Mac DeMarco, porém, essa ideia de foda-se vou fazer o que eu quero presente no DeMarquismo me agrada sendo um escritor no Brasil de 2023.
Às vezes fico na bad com o meu trabalho e me pego pensando que talvez nenhuma editora queira publicar Passageiro por ser um livro difícil de classificar (vou trocar uma ideia com os assinantes pagos da newsletter sobre essa parte de contratos e editoras, mas por enquanto ainda não posso liberar nada aqui publicamente).
Por outro, penso que, caso ninguém queira publicar a obra, foda-se, posso fazer isso por conta própria, assim como o Mac DeMarco.
Conhecendo o mercado literário brasileiro, sei que não conseguirei pagar as minhas contas com livros – não agora, pelo menos –, então, é meu dever como escritor no Brasil de 2023 pensar em alternativas para monetizar o universo do próprio livro e ter liberdade sobre o meu trabalho; as assinaturas pagas da newsletter são um exemplo disso.
7.
Five Easy Hot Dogs, por ser um álbum instrumental, é uma ótima trilha sonora para escrever.
No YouTube, o álbum está disponível junto com um vídeo de ondas quebrando no oceano. Tenho trabalhado com a tela dividida entre o vídeo e o Scrivener; a captura de tela contém um spoiler de algum trecho aleatório do livro (sem edição).
8.
Gosto da ideia de usar o Substack como uma espécie de bloco de notas para organizar os meus pensamentos da semana. A edição de hoje foi tipo isso.
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O Clube Passageiro é uma comunidade de leitores(as) interessados(as) em narrativas de viagens.
Uma vez por mês são discutidos, via Zoom, livros e lugares – não necessariamente nessa ordem – que marcaram a nossa vida (tipo um Clube de Leitura, mas sem regras) em encontros com duas horas de duração. Eventualmente, autores e autoras serão convidados(as) para um bate-papo.
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Você gosta de ouvir música enquanto trabalha? Ou isso tira a sua concentração?
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Eu amo esse vídeo em que o Mac DeMarco aparece genuinamente feliz após ter comprado uns… potes.
Estou fascinado com essas anotações e desenhos encontradas em cadernos antigos do Kurt Cobain.
Por último, mas não menos importante, você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Durante o trabalho, ou escutava Lo-fi, ou sons de chuva ou de ondas. O barulho do mar me acalentava a alma e me dava esperanças de um dia sair de frente do computador. Agora, enquanto viajo o mundo, me alegro em finalmente ouvir o mar ao vivo
Cara, acho que o "foda-se" você já falou há alguns anos atrás, quando decidiu trabalhar com os próprios textos. A ousadia de publicar um livro no Brasil de 2023 é só mais um passo importante nessa decisão tomada há alguns anos.