[Passageiro #37] Todo mundo falava do livro
A performance de quem (sobre)vive (ou tenta) da escrita.
Para ler ouvindo: Into The Black, a versão do Chromatics para o clássico de Neil Young.
1.
Os franceses leem 21 livros por ano; cinco vezes mais que os brasileiros.
Nos parques, no metrô, nos cafés, por onde ando em Paris sempre encontro alguém com um livro aberto. Há uma livraria em praticamente cada esquina – em 2014 eram 850, 200 delas independentes; não encontrei dados mais recentes.
Saio do L’As du Fallafel com o bucho cheio e, enquanto Marc (Tawil) tira uma foto da longa fila de espera no restaurante mais bombado do Le Marais, me perco pela Rue des Rosiers até dar de cara com a livraria judaica Chir Hadach. Na vitrine, a versão francesa de Uma tristeza infinita, o premiado romance do escritor gaúcho
.– Esse cara é brasileiro – mostro o livro para Marc.
– E é bom? Você já leu?
– Não sei. Tenho ele no Kindle, mas ainda não li. Deve ser. Ganhou um prêmio.
2.
“Todo mundo falava do livro. Eu não conseguia mais andar em paz pelas ruas de Nova York, nem dar uma corridinha pelas aleias do Central Park, sem que os passantes me reconhecessem e exclamassem: ‘Ei, é o Goldman! É aquele escritor!’. Havia inclusive quem arriscasse passos de corrida para me seguir em busca de respostas para as perguntas que os atormentavam: ‘O que você disse no seu livro é verdade? Harry Quebert fez mesmo aquilo?’. No bar do West Village que eu frequentava, alguns fregueses não se constrangiam mais em se sentar à minha mesa para me questionar: ‘Estou lendo seu livro, Sr. Goldman, e não consigo parar! O primeiro já era bom, mas este agora! É verdade que recebeu um milhão de dólares para escrevê-lo? Quanto anos o senhor tem? Só trinta? Trinta anos! E já com essa grana!’”
Trecho de A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, do autor suíço Joël Dicker.
3.
Página 1 de 43 | 13.664 palavras | 80.264 car
Os dados acima são do Scrivener. Essa é a primeira de seis partes de Passageiro. Imagino que o livro terá entre 250 e 300 páginas – ainda preciso cortar muita coisa (escrever é reescrever).
Não fiz de maneira proposital, mas me dei conta de que há um outro livro dentro do livro; Passageiro começa como uma narrativa de viagens, mas no pano de fundo está minha tentativa de escrever um livro; não Passageiro, mas Nômade Digital. O processo criativo, a procrastinação, as referências, está tudo ali; um livro dentro de um livro.
4.
Por que somos tão obcecados com o processo criativo de terceiros?
O lançamento de Nômade Digital completa quatro anos este mês. Eu tinha 30 anos quando o livro foi publicado, estava viajando sozinho pelo mundo e vivendo uma espécie de adolescência tardia – da qual não me orgulho; mas também não me arrependo –, eu era outro, o mundo era outro.
De lá para cá concedi algumas dezenas de entrevistas sobre o livro. No começo eu achava o máximo esse tipo de interesse no meu trabalho, “todo mundo falava do livro”, eu, adolescente tardio, pensava, mas os números, bem, os números não mentem. “O que faz vender um livro é uma soma de fatores”, me disse Marcelo Amaral, meu editor, como contei na 23ª edição desta newsletter sobre marketing literário.
Ebook: 2.030 | Físico: 2.102 | Total: 4.132
Esses são os números de vendas de Nômade Digital entre 31 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022 (ainda não recebi o relatório do primeiro semestre de 2023).
São números satisfatórios (um livro meio que é considerado best-seller no Brasil quando atinge 3 mil exemplares vendidos) tendo em conta de que estamos falando do Brasil e não da França, porém, frustrantes porque “todo mundo falava do livro”.
Quatro anos depois sou outro, o mundo é outro, e hoje percebo que, talvez, essa frustração venha da midiatização da figura do escritor. Nos últimos quatro anos falei para centenas de milhares de pessoas (contando aqui meu próprio alcance nas redes sociais + a audiência dos veículos que dei entrevista) mais sobre meu processo criativo, sobre como foi escrever um livro, sobre a minha reação ao ser finalista do Jabuti, sobre isso, sobre aquilo, do que efetivamente meu livro foi lido pelas pessoas – estou esquecido na biblioteca de quantos Kindles?
5.
Há um livro dentro de um livro em A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, a obra de Joël Dicker que ganhou alguns prêmios por aí – aliás, ele esteve na Flip em 2014.
“Considerado o pintor da solidão, Hopper retratou cenários urbanos e rurais e conseguiu transmitir a descrença do ser humano e o pessimismo do cotidiano de uma juventude americana que viveu a Segunda Guerra Mundial. No romance de Joël Dicker, o vazio, a solidão e a melancolia são sentimentos que acometem o personagem principal à medida que ele tenta superar um bloqueio criativo. Esses mesmos sentimentos são representados no trabalho de Edward Hopper. A obra que estampa a capa do livro pertence ao The Fine Arts Museums of San Francisco desde 1991.
Após ter vendido mais de um milhão de exemplares apenas na França, ter ser tornado best-seller na Itália e na Alemanha, desbancado a trilogia Cinquenta tons de cinza nas listas europeias, A verdade sobre o caso Harry Quebert teve os direitos de publicação negociados para mais de trinta países. O romance é extremamente bem construído: um engenhoso livro dentro do livro, escrito por um jovem fenômeno literário de apenas 28 anos. Joël Dicker estará na edição deste ano da Feira Literária de Paraty (Flip), que acontecerá entre julho e agosto”.
O trecho acima é um release de 2014 da Editora Intrínseca, responsável por publicar Dicker no Brasil.
6.
A verdade sobre o caso Harry Quebert?
Me incomoda o tanto de exclamações que ele usa! Mas é bom! Muito bom! Aquele tipo de suspense que te pega, sabe?! E ainda tem esse lance de um livro dentro de um livro!
Quem não gostou muito foi o Joca Reiners Terron, que escreveu na Folha à época do lançamento que o livro “não passa de uma leitura de banheiro”.
Se os livros do Joca são bons?
Não sei.
Mas tenho no Kindle o romance Noite dentro da noite. Foi finalista do Jabuti. Deve ser bom.
🧠 Para ler, assistir e ouvir:
Publiquei um texto no LinkedIn sobre como você pode distribuir os seus conteúdos sem ficar refém das redes sociais.
Influenciadores estão ganhando dinheiro com “sprints de leitura” em lives – dica para burlar o paywall: interrompa o carregamento da página antes que o pop-up apareça.
Estou lendo Cidade aberta, do Teju Cole. Uma das obras mais interessantes que tive contato nos últimos tempos.
Se você gosta de suspense e thrillers psicológicos, assista Loch Henry, o segundo episódio da nova temporada de Black Mirror na Netflix. Fiquei assim 🤯.
Quando estou escrevendo algo mais melancólico, gosto de ouvir a trilha sonora de Twin Peaks ou o álbum I Could Live In Hope, do Low.
📩 Para se inscrever:
A
estreou aqui no Substack com a newsletter .De acordo com a própria, “o foco é nas experiências de uma viajante solo, na curadoria de fotos e em experiências reais, com uns toques de sinceridade e bom humor baiano, que chamo de dendê”.
👨🎓 Cursos com inscrições abertas:
- Escrita Criativa
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
- Escrita de Viagem
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento:
Você que tem Kindle, também costuma comprar livros por impulso (ou por FOMO) que ficam meses ou anos esquecidos em sua biblioteca?
Eu descobri hoje que tenho 38 livros não lidos e outros 14 pela metade no meu Kindle 🤡.
✍️ Notas de rodapé:
O Clube Passageiro é uma comunidade que se encontra uma vez por mês para papear sobre escrita, produção de conteúdo, monetização, livros e viagens – em encontros via Google Meet com duas ou mais horas de duração. Para participar dos próximos encontros e ainda ter acesso ao nosso grupo fechado no Telegram, basta assinar um dos planos pagos da newsletter (assine com 30% de desconto).
Por último, mas não menos importante, você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Nunca ouvi falar de Antônio Xerxenesky e nem de Jöel Dicker, obrigado.
Não tenho Kindle e jamais terei 😁
Bacana essa ideia de recomendar outras newsletters. Vou copiar, hetero.
1.
Meu kindle tem mais livros não lidos do que minha estante. Ironicamente não tenho tantos livros na estante. E ironicamente (2) sou até que um leitor bem ativo.
2.
Achei bem maneiro você ter todos esses dados sobre seu livro. Normalmente eu nunca sei o número de palavras que escrevo. Estou trabalhando em alguns contos e quando chegam em 11 páginas já sei que estou falando demais.
3.
Experimentarei esse software que você usa para escrever, parece ser bem maneiro, tirando o precinho dele, parece ser um software que vale a pena dar uma explorada, pelo menos por 30 dias, os quais são grátis.