Para ler ouvindo: “Pharaoh's Dance”, do Miles Davis.
1.
“Por que você escreve?”.
Essa pergunta sempre me deixa desconfortável.
Em oficinas literárias é comum alunos responderem coisas bonitinhas e profundas como “porque eu preciso colocar para fora o que pulsa aqui dentro”, “porque é uma necessidade da alma”, “porque, para mim, escrever é como respirar” (quem disse isso foi Pablo Neruda, na verdade).
De todas citações que li de escritores respondendo essa desconfortável questão, talvez a mais sincera das respostas, a que mais me identifico, seja essa de William Faulkner: “para ganhar a vida”.
Eu não tenho uma razão bonitinha e profunda. Escrevo, talvez, por dois simples motivos: 1) porque gosto; 2) porque é como ganho a vida.
Não consigo me identificar com qualquer outra coisa além disso.
Escrever é como ter dever de casa pro resto da vida (acho que essa frase tem dono, talvez um escritor argentino ou uruguaio, mas não encontrei no Google, então a partir de agora é minha). Muitas vezes é chato, mas é moleza. Pode ser feito em qualquer lugar, em qualquer horário. Em algumas horas você faz o que tem que ser feito.
Dureza era ir todos os dias para o escritório de bicicleta, não pelo exercício físico, mas por necessidade, fizesse chuva ou sol, e durante 8h30 se ver obrigado a realizar um trabalho muito mais chato do que escrever essas linhas.
Acho que continuo escrevendo porque nunca mais quero passar por isso.
2.
Tem sido quase impossível acordar cedo aqui em Cecina. O outono está cada vez mais gelado e minha cama cada vez mais aconchegante. Puta que pariu! Que cama confortável. Me preocupo de antemão com o inverno que está por vir.
Isso (a cama confortável) tem sido um problema. Gosto de usar as manhãs para escrever. Não tenho uma rotina específica ou uma meta de palavras, mas é de manhã cedo que me sinto mais produtivo.
3.
Há uns anos li um artigo muito bom na VICE de um escritor que copiou as rotinas de escritores famosos e foi uma bosta.
Esse tópico sempre interessa quem escreve e basta uma rápida pesquisa no Google para encontrar os hábitos de escrita de alguns autores consagrados.
"Quando estou trabalhando em um livro ou uma história, eu escrevo toda manhã no mais próximo ao amanhecer possível. Não há ninguém para te perturbar e é fresco ou frio e você vai para seu trabalho e se aquece ao escrever. Você lê o que havia escrito e, como você sempre para quando sabe o que vai acontecer a seguir, você segue dali.
Você escreve até chegar num lugar onde ainda tenha sua essência e saiba o que vai acontecer depois, então você para e tenta viver até o próximo dia, quando volta a isso.
Você começa às seis da manhã, digamos, e pode continuar até o meio-dia ou seguir após isso. Quando você termina, está tão esgotado e ao mesmo tempo tão carregado, que é como se tivesse feito amor com alguém que você ama. Nada pode machucá-lo, nada pode acontecer, nada importa até o próximo dia quando você faz isso de novo. A espera até o próximo dia que é a parte difícil”.
(Ernest Hemingway)
Gosto disso que Hemingway fala sobre parar de escrever sabendo o que acontecerá a seguir – no meio de uma cena, por exemplo. É uma boa maneira de deixar a história dormir e evitar o bloqueio criativo no dia seguinte – já que terá um ponto de partida.
"Quando estou em 'modo escrita' para um romance, eu acordo às 04h00 e trabalho por cinco ou seis horas. À tarde, corro por 10km ou nado por 1500m (ou faço os dois). Então, leio um pouco e ouço musica. Eu vou para cama às 21h00. Mantenho tal rotina todos os dias, sem variações. A repetição em si se torna a coisa importante; é uma forma de mesmerismo. Eu me auto mesmerizo para alcançar um estado mental mais profundo.
Mas suportar tal repetição por tanto tempo — seis meses a um ano — requer uma boa quantia de força mental e física. Nesse sentido, escrever uma longa novela é como um treino de sobrevivência. Força física é tão necessária quanto sensibilidade artística”.
(Haruki Murakami)
Murakami é um ótimo exemplo de repetição e disciplina – recomendo o seu livro “Do que eu falo quando falo de corrida”.
Essa parte do exercício físico funciona pra mim – mas estou longe de conseguir correr 10km. Gosto de dar longas caminhadas antes de escrever, ajuda a colocar os pensamentos no lugar – mas não tenho feito isso ultimamente. Maldita cama confortável.
4.
Tem quem faça o uso de substâncias (lícitas ou não) enquanto escreve. Particularmente, uma ou duas taças de vinho até podem ajudar a “libertar” a criatividade, mas mais do que isso me tira o foco – e quando percebo estou assistindo um vídeo de duas horas do gol do Gabigol na final da última Libertadores narrado em diferentes línguas.
"Eu preciso de uma hora sozinha antes do jantar, com uma bebida, para repassar tudo o que fiz naquele dia. Não posso fazer isso no final da tarde porque ainda estou muito envolvida com tudo. Além do mais, a bebida ajuda. Isso me remove das páginas. Eu passo essa hora removendo algumas coisas e adicionando outras.
Então eu começo o próximo dia refazendo tudo o que fiz no anterior, seguindo as notas que tomei nesta hora. Quando estou realmente trabalhando, não gosto de sair nem ter ninguém para o jantar, senão eu perco a hora. E se eu não a tenho e começo o dia seguinte com somente algumas páginas ruins e nenhum lugar para ir, fico desanimada”.
(Joan Didion)
Essa prática pós-escrita da saudosa Joan Didion, por algum motivo, me deu um quentinho no coração. Quem sabe eu comece a fazer o mesmo. Parece mais saudável do que a rotina extrema e insana de Hunter S. Thompson.
5.
Escrevo em um software chamado Scrivener. É pago e não estou ganhando nada para divulgá-lo.
Gosto da organização visual que ele me traz.
Até agora escrevi pouco mais de 10 mil palavras. “Nômade Digital” tem 33 mil palavras, o que significa que se “Passageiro” tiver umas 200 páginas, 1/3 do livro já foi escrito. Se continuar nesse ritmo, devo finalizá-lo até o Natal.
Como falei acima, não tenho uma meta diária ou semanal de palavras. Acredito que escrever vai além da escrita em si.
Em muitos dos meus dias de trabalho não escrevo uma palavra sequer, mas leio livros que tenham a ver com o que quero escrever, assisto filmes, busco referências.
Em outros escrevo apenas uma frase, mas uma frase que abre todo um caminho para os dias seguintes. Uma espécie de ponto de partida para uma ideia a ser desenvolvida.
Naqueles em que todo esse processo já foi feito, escrevo umas 1 mil palavras e paro no “auge”, tal qual o conselho de Hemingway.
Escrever, para mim, é como correr uma maratona: não adianta gastar todo o seu fôlego no início; ou você dificilmente chegará até a linha de chegada.
Tava maratonando a news aqui! Ótimos textos e bem interessante acompanhar esse processo de desenvolvimento da obra, Matheus. Parabéns pelo seu trabalho! 👏🏻
O problema está em ser flamenguista. Sucesso mano!