[Passageiro #46] O novo sempre vem
Há 17 anos eu tinha 17 anos; estamos ficando velhos; no nosso tempo não era melhor.
Para ler ouvindo1: Back to School (Mini Maggit), por Deftones.
1.
Tenho sonhos recorrentes de que voltei para a escola/colégio. Em todos eles sou adulto e por algum motivo tenho que cursar novamente a 8ª série do ensino fundamental ou o 3º ano do ensino médio; uma vez tive que voltar para o pré-escolar, tal qual Adam Sandler em Billy Madison.
Na vida real sempre fui um aluno decente, mas nos sonhos estou sempre preocupado com o prazo de alguma atividade ou com quantos pontos preciso para ser aprovado em determinada disciplina. Quando as coisas finalmente dão errado e estou prestes a reprovar, me dou conta de que já tenho duas pós-graduações e não preciso estar ali. Nesse ponto costumo acordar, mas algumas vezes o sonho continua e, já sabendo que não preciso mais me preocupar com a reprovação, mato aula com a versão adolescente dos meus ex-colegas, uma vez que não sei como é o rosto adulto da maioria deles. Noite passada compramos vodka em um mercado que não existe mais; felizmente eu estava com o meu RG de adulto na carteira.
2.
Estudei a vida inteira em escola pública e no último ano do ensino médio meus pais fizeram umas contas, ajustaram o orçamento e se esforçaram para me matricular em um colégio de riquinho; foi nessa época que descobri que pobre estuda em escola e rico em colégio.
Nem todos os meus novos colegas eram riquinhos, alguns tinham uma situação de vida parecida com a minha (nem rico nem pobre, mas mais para classe média baixa do que alta), outros eram bolsistas, de modo que não me senti tão deslocado; embora tenha sido difícil fazer novas amizades porque no 3º ano as panelinhas já estão formadas desde o início do ensino médio.
No entanto, os riquinhos estavam ali. Era um mundo novo para mim. Jogávamos truco no recreio e eles contavam suas histórias; esqui em Bariloche, Disney (uns mais de uma vez), intercâmbio em San Diego ou em alguma praia com ondas perfeitas na Austrália. Eu ouvia tudo atentamente, sonhava acordado, ficava triste por não ter o mesmo tipo de oportunidade.
3.
O PlayStation 2 foi lançado em 2000, mas em 2006 eu e meus amigos menos abastados ainda jogávamos versões pirateadas de Winning Eleven no PS1; o Bomba Patch ainda não existia e o Fifa só seria o que é hoje a partir de 2013. Ouvíamos álbuns de pop punk baixados ilegalmente no Kazaa enquanto bolávamos planos mirabolantes para sairmos de Imbituba; orçamentos sem compromisso na CVC de viagens que nossos pais não podiam pagar; bolões da Mega-Sena; importação de eletrônicos e roupas falsificadas do Paraguai; gravação e venda de jogos piratas de PlayStation; tráfico de drogas (alguns, de fato, foram por esse caminho).
A rede social da época no Brasil era o Orkut; o MySpace era forte nos Estados Unidos e entre os riquinhos do intercâmbio que falavam inglês. Tinha também o Fotolog (MariMoon foi a primeira influenciadora digital brasileira?), onde eu publicava minhas fotos tiradas com uma Sony Cyber-shot de 4.1 megapixels que ganhei no natal de 2004; as edições eram feitas em uma versão crackeada do Photoshop.
Nessa época eu ainda não escrevia, digo, não tinha pretensões literárias, de modo que não peguei o boom do Blogspot e das fanzines; cheguei lá depois, em 2009, quando Facebook e Twitter já monopolizavam a atenção e os escritores contemporâneos que sairiam naquela lista da Granta de 2012 já tinham uma base fiel de leitores.
4.
Assim como houve esses tempos um revival dos anos 1990, a primeira década dos anos 2000 está de volta; o pop punk voltou ao topo das paradas graças ao Tik Tok, um rapper ruim e o blink-182.
Mais do que uma estética e um gênero musical que não parece ter envelhecido muito bem (mesmo assim assistirei o blink-182 em Lisboa no próximo mês; realização de um sonho adolescente), há um certo saudosismo no ar (principalmente sobre como era a internet antigamente).
Olhando para 17 anos atrás, quando eu tinha 17, me sinto obrigado a constatar o óbvio: envelhecemos; e não, em nosso tempo não era melhor.
Há 17 anos eu fazia planos mirabolantes com os meus amigos porque, dentro das nossas escassas possibilidades de pessoas nascidas fora do eixo Rio-SP na loteria dos CEPs, não enxergávamos como sair de Imbituba. A internet existia, mas não do jeito que conhecemos hoje. As redes sociais ainda engatinhavam, mas ninguém pensava em ganhar dinheiro com elas; era um negócio puramente social, sem a parte do comercial.
Hoje, com o dobro da idade que eu tinha no 3º ano do ensino médio quando ouvia no recreio as histórias das viagens dos outros, conheço 30 países e moro em Paris graças a internet. Mais que isso: tenho uma carreira graças a internet; que segue mudando enquanto sigo me adaptando à ela; Deus me livre voltar para aquela vida de planos mirabolantes.
Nossos ídolos ainda são os mesmos
E as aparências, as aparências não enganam, não
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguémVocê pode até dizer que eu estou por fora
Ou então que eu estou enganando
Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que ama o passado e que não vê
Que o novo, o novo sempre vemTrecho de Como nossos pais, por Belchior.
5.
Na 21ª edição da newsletter eu matei o jornalismo literário, Julián Fuks (que eu adoro e saiu naquela lista de 2012 da Granta) matou a crônica em uma coluna no UOL que gerou bastante discussão, mas a verdade é que, além de termos envelhecido, o mundo mudou; e mudou também o jeito como somos pagos pelos nossos trabalhos e como as pessoas consomem conteúdo.
O jornalismo literário e a crônica talvez tenham morrido no jornal, aquele negócio antigo de papel que o pessoal utilizava para se informar e que hoje serve apenas como banheiro para pets, mas parecem seguir firmes e fortes no Substack; até 17 anos se passarem e uma nova ferramenta surgir.
Os formatos mudam e continuarão mudando, goste você de livro físico ou digital, de jornal ou de newsletter, de MySpace ou de Tik Tok. O saudosismo não nos leva adiante; pelo contrário, nos deixa estagnados enquanto bradamos por aí que em nosso tempo era melhor; soa familiar?
Para seguir relevante no mercado é preciso adaptar-se e entender os novos tempos.
Por mais que meus textos hoje tenham a pretensão de ter uma pegada mais literária, como o pessoal que saiu naquela lista da Granta fazia no Blogspot no começo dos anos 2000, minha cabeça ficou mais leve e meus objetivos mais claros quando aceitei que o que faço aqui não é literatura, mas marketing de conteúdo; do meu jeito, de acordo com as minhas regras, mas ainda assim marketing de conteúdo.
E é por isso que os textos da newsletter continuam, por ora, gratuitos2; mas isso é assunto para outra edição.
👨🎓 Cursos com inscrições abertas
- Escrita Criativa
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
- Escrita de Viagem
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– Marketing Pessoal e Produção de Conteúdo no LinkedIn
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
(Ó aí em cima um exemplo de marketing de conteúdo na prática para vocês pegarem o ponto).
🧠 Para ler, assistir e ouvir
Em meu texto mais recente no Terra, falo sobre como foi a decisão de pendurar a mochila e ter um comprovante de residência em meu nome após seis anos viajando pelo mundo enquanto trabalhava de forma remota.
Listei no LinkedIn 10 livros para quem quer alavancar a carreira ainda em 2023.
Finalmente assisti The Bear, série sobre um renomado chef de cozinha que assume uma modesta lancheria italiana que era de seu irmão e que rendeu um Globo de Ouro de melhor ator para Jeremy Allen White, o protagonista. No Brasil, a série está disponível no Star+, que acaba de liberar a segunda temporada.
Admiro Paul McCartney por vários motivos. Um deles é a capacidade de adaptar-se ao tempo e sempre explorar novos formatos. Em 2021, Macca lançou uma versão reimaginada de McCartney III com remixes de Beck, Khruangbin, St. Vincent, Phoebe Bridgers, Blood Orange, entre outros.
Para os saudosistas do pop punk e do começo dos anos 2000, recomendo o álbum Keaton’s Party Playlist, do Keaton Henson, com versões intimistas de clássicos da época como I Want It That Way, dos Blackstreet Boys, Dammit, do blink-182, e The Middle, do Jimmy Eat World.
Deftones e Smashing Pumpkins estão bombando entre a geração Z graças ao Tik Tok.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento
Você tem algum sonho esquisito recorrente?
✍️ Notas de rodapé
Você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Os textos da newsletter continuam gratuitos, porém, ao assinar um dos planos pagos você tem a oportunidade de fazer parte do Clube Passageiro, uma comunidade que se encontra uma vez por mês para papear sobre escrita, produção de conteúdo, monetização, livros e viagens – em encontros via Google Meet com duas ou mais horas de duração. Assine com 30% de desconto para participar dos próximos encontros e ter acesso ao nosso grupo fechado no Telegram.
eu também sonho que sou adulta de volta ao colégio. é um pouco angustiante -- que raios tô fazendo aqui de novo -- mas ao mesmo tempo é legal ter a oportunidade de estudar de novo
Cara, curiosamente leio essa newsletter depois da noite em que também sonhei que voltava pro Ensino Médio. Era louco porque, no sonho, me perguntavam onde eu tinha estudado e eu dizia que já tinha até me formado na faculdade, mas queria ter uma nova experiência de colegial hahahahaha e aí não conseguia me enturmar com nenhum dos xóvens... Doidera!