[Passageiro #6] A tecnologia
Inteligência Artificial, ferramentas para escritores e distrações.
Para ler ouvindo: “Alberto Balsalm”, do Aphex Twin.
1.
Se você não passou a última semana em um retiro espiritual no Sri Lanka, sem acesso à internet e ao mundo exterior, deve ter visto o seu/sua influenciador(a) favorito(a) postar fotos de si mesmo(a) geradas por meio de Inteligência Artificial no app do momento, o Lensa.
Explorando fraquezas humanas, como a vaidade e o medo de ficar de fora (o tal do FOMO), o Lensa tem embolsado a grana (e os dados) de trouxas como eu.
O uso de IA nas artes tem gerado inúmeros debates por aí e este não será mais um texto sobre isso. Eu acho, pelo menos.
2.
Inteligência Artificial é um software de computador que gera decisões inteligentes de forma automática. Ela pode executar várias tarefas, como resumo e tradução de texto. É usada para treinar o software para os setores militar, de saúde e educação. A IA também é usada para criar robôs inteligentes. É um conceito fascinante que estamos apenas começando a entender.
Há muitas maneiras pelas quais a IA mudou nossas vidas. A tecnologia agora é usada em armas militares, saúde, educação e automação residencial. Muitas pessoas acham que esses aplicativos são empolgantes, mas também nos deram muitas preocupações. A IA pode facilmente se tornar autoconsciente e dominar o mundo. Se isso acontecer, os humanos podem não sobreviver à experiência de perder o controle sobre a sociedade e a tecnologia.
3.
Eu não escrevi os dois últimos parágrafos. A autoria é de uma IA do Smodin, uma ferramenta que promete, entre outras coisas, escrever ensaios completos desde que você insira, no mínimo, cinco palavras-chaves.
Inseri “inteligência artificial, ferramentas para escritores e distrações” e, aparentemente, recebi uma ameaça.
Outra ferramenta que tem sido bastante utilizada por redatores e revisores é a Clarice. Fico pensando o que Clarice, a Lispector, acharia sobre isso.
4.
Exceto como recurso para este texto, nunca utilizei IA para me ajudar na escrita. Porém, outras ferramentas tecnológicas têm feito parte do processo.
(16°03'39.9"N 108°13'39.6"E)
Em Da Nang, atravesso uma ponte de aço em forma de dragão. Leio que se trata da maior ponte em formato de dragão do mundo – imagino que não existam muitas outras.
Viro à esquerda e dou de cara com um mar de motonetas (muitas motonetas), carros e caminhões desafiando as leis da Física.
(21°01'08.2"N 105°51'24.3"E)
Em Hanói, dou uma olhada no Bún chả Hương Liên, pequeno restaurante onde Anthony Bourdain dividiu uma mesa de plástico com o então presidente Barack Obama em 2016.
Vejo motonetas (muitas motonetas) estacionadas em frente ao lugar. Espio o cardápio. Fico com vontade de comer rolinhos primavera recheados com frutos do mar.
(18°47'56.5"N 98°58'20.1"E)
Em Chiang Mai, fecho o Google Street View e volto à realidade.
Eu deveria estar agora no Vietnã desviando de motonetas (muitas motonetas) e comendo rolinhos primavera recheados com frutos do mar, mas já são dois meses confinado desde que a Tailândia fechou suas fronteiras e decretou estado de emergência.
Abro o Stremio e procuro por “Bom dia, Vietnã”. Se o radialista interpretado por Robin Williams trouxe um pouco de alegria para os soldados americanos durante a guerra, quem sabe suas piadas funcionem em meio à uma pandemia.
Estes rascunhos foram escritos com a ajuda do Google Street View.
Em março de 2020 fiquei “preso” na Tailândia quando a OMS decretou a pandemia e as fronteiras foram fechadas. Minha ideia inicial era ficar dois meses no país e depois seguir para o Vietnã – estava com uma passagem comprada para Da Nang.
Numa tarde qualquer em Chiang Mai, no norte da Tailândia, onde fiquei trancafiado por dois meses, abri o Google Street View e, por algumas poucas boas horas, fiz trajetos virtuais que gostaria de ter feito na viagem física que não aconteceu.
5.
Em abril de 2022, com as fronteiras reabertas, finalmente desembarquei no Vietnã, dessa vez de forma física, e contei um pouco da experiência na Folha de S.Paulo – aqui e aqui.
Atravessei a ponte em formato de dragão, almocei no restaurante onde Bourdain e Obama dividiram uma mesa e desviei de motonetas (muitas motonetas).
As duas experiências (virtual e física) estarão no livro.
6.
Durante o lockdown em Chiang Mai, sem poder viajar – ou sair de casa –, passei boa parte do meu tempo fuçando em ferramentas que, supostamente, podem ajudar no processo criativo.
No Random Street View, como o nome sugere, você é direcionado para algum lugar aleatório.
Coincidentemente, ao acessar o site para fazer uma captura de tela para este texto, fui direcionado para algum lugar aleatório na Tailândia.
Fiquei uns 20 minutos “viajando” pelas ruazinhas e deixei o texto de lado. Agora não lembro qual gancho eu queria inserir aqui.
7.
O Drive & Listen também é muito divertido.
Você escolhe uma cidade e é transportado de carro enquanto ouve uma rádio local.
Escolhi Mumbai, na Índia, sintonizei em uma rádio chamada Hits of Bollywood e perdi mais uns 10 minutos – e talvez mais um gancho.
Durante o lockdown em Chiang Mai também gastei algumas horas assistindo walking tours em 4k no YouTube – tipo esse de Da Nang.
Dessa vez apenas procurei o link, não cometi o erro de começar a assistir.
8.
“Também gastei algumas horas”.
Todas essas ferramentas tecnológicas são divertidas, podem ser úteis, mas será que não passam de distrações?
O Scrivener, software que utilizo para escrever (falei dele aqui), até tem um “modo sem distrações”, mas basta eu trocar de janela para ter todas as distrações possíveis que a internet proporciona.
Uma pesquisa sobre Tânger, no Marrocos, vai parar em um episódio de Parts Unknown do Anthony Bourdain, em um livro de viagens de Paul Bowles, em um artigo sobre Willian S. Burroughs e a geração beat, e quando me dou conta duas horas se passaram.
O Freewrite, essa máquina de escrever com uma telinha e Wi-Fi para sincronizar os arquivos, parece ser uma opção legal para evitar as distrações do buraco negro da internet, mas o preço é bem salgado – € 586 o modelo mais simples.
Há uns anos vi um review da
sobre o Freewrite, mas não achei o link. Aqui tem um da CNN (em inglês).Eu até ia pensar em uma conclusão elaborada para o final do texto, talvez sobre distrações, ou sobre como essa quantidade de bugigangas tecnológicas deveriam facilitar o nosso trabalho – não o contrário –, mas achei um documentário sobre o Leonard Cohen que parece ser ótimo.
Sinto que quanto mais tecnológicos ficamos, mais buscamos por prazeres analógicos.