[🇹🇭 Tailândia #2] 'Lost in Translation', 'Apocalypse Now' e Carol Bensimon
O processo de escrita do meu primeiro romance + um bate-papo com Carol Bensimon no Clube Passageiro.
Assinantes pagos da newsletter Passageiro recebem mensalmente uma edição extra com os bastidores do processo de escrita de Há algo de podre no reino da Tailândia, meu primeiro romance.
Nesse mês, a edição está aberta ao público por conta de uma notícia muito especial: o próximo encontro do Clube Passageiro terá a participação de Carol Bensimon, vencedora do Prêmio Jabuti em 2018 com O clube dos jardineiros de fumaça; falaremos sobre as engrenagens do romance – ela está escrevendo o seu sexto.
Leia as informações no final dessa edição e, caso tenha interesse em participar do bate-papo com a Carol, assine um dos planos do Clube Passageiro.
🎧 Para ler ouvindo1: sometimes, por my bloody valentine.
1.
Como o(a) leitor(a) mais atento(a) deve imaginar, durante as duas últimas semanas pouco consegui escrever coisas não relacionadas aos Jogos Olímpicos de Paris (ainda restam uns textos a serem publicados em Medo e Delírio…), porém, no pouco tempo livre que tive, geralmente entre um deslocamento e outro quando fechava os olhos no metrô parisiense com os fones de ouvindo tocando loveless do my bloody valentine ou Violeta do Terno Rei ou ainda The Slow Rush do Tame Impala, eu tentava me conectar com o meu eu de 2020 que, durante o primeiro ano da pandemia, viveu quase sete meses na Tailândia alternando entre ilhas paradisíacas e a caótica Bangkok –a história de Há algo de podre… se passa na Tailândia de 2020 com alguns flashbacks que vão de 2014 (quando o personagem principal se muda para Bangkok) até 2020, quando algo acontece.
Há algo de podre… não é uma autoficção, não sou o personagem principal/narrador, mas por ter escolhido a primeira pessoa e ter esse histórico na escrita literária de não ficção – principalmente com as crônicas de viagens – além de um passado na Tailândia, sei que posso confundir os mais desavisados (mas isso é papo para a próxima edição em que pretendo escrever sobre a criação de personagens), de modo que, dito isso, tenho tentado recriar uma atmosfera daquilo que vivi ainda que a história que estou contando não seja a minha.
2.
Meus dois filmes favoritos da vida são Lost in Translation (2003) e Apocalypse Now (1979) – coincidentemente ou não feitos pelos Copolla; não o Caiow de Arrudah Miranda, mas Sofia e Francis, filha e pai, respectivamente. O que gosto nessas películas não é exatamente o roteiro, o plot ou outros termos que quem escreve costuma utilizar quando se trata de um filme, não, o que gosto é da atmosfera.
Atmosfera para mim é: ritmo, cores, ambiente, mood, trilha sonora. Não importa o quê está acontecendo nesses filmes: eu gosto de sentar no meu sofá e ficar olhando.
Lost in Translation é esse negócio meio azulado meio acizentado em que toda ação acontece durante a noite, luzes de neon em uma megalópole oriental, trilha sonora meio shoegaze meio eletrônica, uma melancolia muito específica, esse tipo de coisa. Apocalypse Now, embora seja um filme de guerra, traz um clima tropical, cores quentes, The Doors, a selva, a umidade, o suor, o cheiro de Sudeste Asiático; que pra mim não é de napalm pela manhã, mas de sopa quente apimentada com capim-limão.
Nesse livro que estou escrevendo as atmosferas de Lost in Translation e Apocalypse Now conversam em termos de estrutura narrativa; a primeira parte, em Bangkok, é mais melancólica e cadenciada; a segunda, em Koh Phangan, é acelerada e explosiva – como uma sopa quente apimentada em contato com nosso frágil estômago ocidental.
3.
Em uma cena em que o personagem principal/narrador deixa Bangkok em direção à Koh Phangan, escrevo:
“Eu nunca tinha visto a Khao San Road2 desse jeito durante a noite, vazia, sem o barulho ensurdecedor de música pop genérica ocidental tocando nos bares, sem ambulantes, golpistas, ladyboys e outros mercenários tentando vender os mais diferentes tipos de produtos e serviços – espetinhos de escorpião e outros insetos, tatuagens, excursões superfaturadas para pontos turísticos, baldinhos coloridos com gelo e rum de procedência duvidosa, shows de pompoarismo, massagens sem e com final feliz, sexo, sexo a três, gás do riso, maconha, drogas sintéticas, animais exóticos, órgãos humanos, documentos falsos –, sem turistas ocidentais doidões vestindo calças largas de poliéster com estampa de elefantes, sem ninguém além de uns poucos e insistentes motoristas de tuk-tuk que agora usam máscaras cirúrgicas para se proteger da Covid-19 – mas deixam o nariz de fora. Até o McDonald’s 24h está fechado. Sobrou o calor fumegante e o cheiro inconfundível de Tailândia, um cheiro específico, um cheiro de sopa quente, de pimenta, de capim-limão, um cheiro que paira no ar úmido e pesado que encharca camisas e gruda cabelos nas testas de quem o cruza e é cruzado por ele, o cheiro.”
O destaque em negrito é parte dessa atmosfera que tento criar, algo que só quem esteve na Tailândia por tempo suficiente para sentir esse cheiro inconfundível de Tailândia conseguiria descrever. Por mais pesquisa que um escritor possa fazer, nada, absolutamente nada substitui a vivência.
4.
“Escreva sobre aquilo que você sabe”, os romancistas mais experientes costumam aconselhar.
5.
Na literatura brasileira contemporânea, ninguém, ninguém mesmo, me prende tanto num livro ou numa newsletter como a gaúcha Carol Bensimon.
Meu primeiro contato com o trabalho da Carol foi em uma época em que eu estava obcecado com crônicas – ela foi colunista do Zero Hora, o jornal mais famoso do sul, e tem uma coletânea maravilhosa chamada Uma estranha na cidade –, mas seus dois romances mais recentes, O clube dos jardineiros de fumaça e Diorama me pegaram de um jeito que fiquei pensando, cara, é isso, é isso, dá para escrever sobre um personagem brasileiro no exterior, dá para usar a nostalgia como matéria-prima, dá para fazer um monte de coisa que ninguém está fazendo.
Carol, tenho a sorte de escrever isso, será a próxima convidada do Clube Passageiro. O assunto? As engrenagens do romance; o sexto dela, o primeiro meu.
Essa edição vai funcionar um pouco diferente das anteriores porque não é exatamente um workshop: é uma entrevista, um bate-papo, um fã e aluno no papel de entrevistador perguntando aquilo que todos que nos interessamos pela escrita queremos saber: como se escreve um romance?
⚙️ Engrenagens do Romance, com Carol Bensimon
Por um conflito de agenda, nosso encontro de agosto acontecerá na primeira semana de setembro – mas pô, é Carol Bensimon, acho que tá tudo certo pra vocês, né?
O que vocês precisam saber:
Dia 05 de setembro, 18h do Brasil;
Entre 1h e 1h30 de duração;
Assinantes pagos podem enviar perguntas em nossa comunidade do Telegram;
A Carol lançou um e-book gratuito com 12 dicas para escritores;
E ela está com vagas abertas para Engrenagens do Romance, o curso. Fui aluno da última turma e não poderia recomendar mais;
Vai ficar gravado por 30 dias (assinantes do Plano Vitalício não precisam se preocupar com isso);
Vai ser massa.
Você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Reaproveitei uma descrição de quando me hospedei na Khao San Road em 2022 para descrever a Khao San Road de 2020.
Vai ser um prazer fazer esse bate-papo!
E adorei saber da dobradinha dos Coppola. A gente tem mais em comum do que imagina, hehehe.
Que massa, Matheus!
Vou fazer o curso dela...vai ser massa, hein!
E esse trecho: "Atmosfera para mim é: ritmo, cores, ambiente, mood, trilha sonora. Não importa o quê está acontecendo nesses filmes: eu gosto de sentar no meu sofá e ficar olhando."
Demais!!!
É a forma mais espontânea de curtir alguma coisa...atmosférica!
Um abraço!