Medo e Delírio #12 – Vou correr uma maratona na Coreia do Norte
Depois das Olimpíadas de Paris, a série 'Medo e Delírio' volta em... Pyongyang. Dessa vez, no entanto, este intrépido escritor embarca para a Coreia do Norte como... atleta. Você não leu errado.
🎧 Para ler ouvindo1: Bad Habits, por The Last Shadow Puppets.
📍 Pyongyang, Coreia do Norte
✍️ Por Matheus de Souza
Escritor e viajante. Autor de Nômade Digital, livro finalista do Prêmio Jabuti.
Um pouco de contexto
No início de 2024 tive uma ideia: e se eu realizar uma cobertura literária dos Jogos Olímpicos de Paris2? Algo na linha Norman Mailer no Congo (antigo Zaire) cobrindo a luta de Muhammad Ali contra George Foreman ou Hunter S. Thompson no decadente e depravado Kentucky Derby; ou ainda o mesmo Hunter e seu Medo e Delírio em uma corrida de motocicletas no deserto de Las Vegas – Hunter também esteve no Congo contratado pela revista Rolling Stone para cobrir o embate entre Ali e Foreman, mas resolveu ficar bebendo na piscina do hotel e não assistiu a luta3.
Sendo eu um residente da capital francesa, o veículo que me contratasse para tal trabalho não teria custos com passagens ou hospedagens, bastaria me arrumar uma credencial – e, dependendo do veículo, eu faria o trampo de graça em troca de uma suposta exposição.
Mobilizei alguns contatos na imprensa, bati na porta de veículos em que já escrevi (de graça ou por R$ 100 o texto), mas ninguém comprou a ideia; uns já estavam com o time fechado, outros anunciaram a morte da crônica, mas a maioria resolveu apostar no conteúdo em vídeo gerado por influenciadores digitais – algo que não foi muito bem recebido, veja só você, pela própria imprensa.
Muitas das melhores coisas que aconteceram na minha carreira só aconteceram porque levei um “não”. Quando meu antigo trabalho CLT não liberou o trabalho remoto em 2016 (fui um pouco a frente do tempo, eu sei), criei meu próprio trabalho autônomo – e remoto. Quando o maior jornal do país não quis mais as minhas crônicas de viagem em 2022, criei a newsletter Passageiro – e hoje ganho bem mais com a newsletter do que jamais ganhei no tal jornal; ou com os direitos autorais do meu livro finalista do Prêmio Jabuti. Quando diversos veículos não demonstraram interesse em minha cobertura literária das Olimpíadas em 2024, percebi que eu mesmo já tinha um veículo: Passageiro, a newsletter. Consegui a credencial de forma independente.
Nessa próxima empreitada, no entanto, faço algo diferente: antecipei-me ao “não”.
Não cheguei a levar um “não” porque sequer bati em portas de escritórios comandados por dinossauros do jornalismo ou da publicidade ou mesmo de agências moderninhas que adoram a ideia mas preferem gastar o budget do cliente numa sequência preguiçosa de 3 stories e 2 reels no Instagram por 500 reais (!); apenas decidi realizar o rolê do meu jeito, totalmente de forma independente, tendo idealmente minha base de quase 18 mil leitores em Passageiro como generosos mecenas.
Uma diferença para a cobertura de Paris: em Pyongyang não serei apenas um escritor-observador: eu vou correr a porra da maratona.
Na Coreia do Norte.
Nunca corri uma maratona.
Jornalistas são proibidos de entrar em Pyongyang.
Adivinhem só?
Não sou jornalista diplomado.

1.
Na metade de 2025 este intrépido escritor estava em Chiang Mai, norte da Tailândia, sem saber direito o que fazer da vida, quando uma notícia sobre a realização da Maratona Internacional de Pyongyang, sua 31ª edição, a primeira desde 2019, apareceu no feed de alguma rede social. A Coreia do Norte está fechada para o turismo desde o início da pandemia de Covid-19, de modo que, hoje, o único modo de entrar no misterioso país é como… atleta.
Fiquei obcecado com a ideia.
Vez ou outra fico obcecado com ideias.
2.
Aos leigos: maratona é uma corrida de 42 quilômetros; a meia-maratona tem 21; e aí tem a mamão com açúcar, 10 ou 5, mas uso o termo “maratona” como uma forma mais simples de entendimento: é uma corrida. A pé. Neste caso, pela capital da Coreia do Norte.
Correrei os 10 quilômetros – 5 é pouco para uma empreitada do tipo, 21 é muito; 42 é impensável – pela… Coreia. Do. Norte.
3.
Haruki Murakami, o escritor japonês, escreveu em seu Do que eu falo quando falo de corrida que:
“Para seguir em frente, é preciso manter o ritmo. Isso é o mais importante em projetos de longo prazo. Assim que você estabelece o ritmo, o resto vem a reboque. O problema é conseguir fazer com que a roda fique girando a uma determinada velocidade — e chegar a esse ponto exige o máximo de concentração e esforço de que a pessoa é capaz”.
Ele fala de corrida; mas fala de escrita.
4.
Não vou para Pyongyang por conta da corrida como esporte; vou porque lá existe uma história; da corrida em si; desse país misterioso; dos norte-coreanos (entrar como atleta é uma das únicas oportunidades para interagir com os locais); do detox digital forçado (cinco dias sem usar a internet); do escritor; da pessoa além da caneta.
Vou para Pyongyang não em busca de contratos publicitários (sejamos realistas, falo do país mais comunista entre os comunistas; duvido que alguma marca brasileira queira ser vinculada ao regime de Kim Jong-un); vou para Pyongyang em busca de um livro que seja escrito no calor do momento; sem edição; sem leitura crítica (quem dos críticos já correu a porra de uma maratona na Coreia do Norte?); vou para Pyongyang para fazer as coisas no calor do momento.
Vou para Pyongyang para encontrar o ritmo; o resto, como diz Murakami, “vem a reboque.”
Caso a sua editora não tenha interesse nessa publicação, o problema é único e exclusivamente da sua editora; o livro vai sair igual; e vai vender bem igual; talvez seja até finalista de algum prêmio importante (já fiz isso isso antes); talvez ganhe algum prêmio importante (talvez tenha jurados mais propensos ao tema).
Não preciso mais de vocês – por “vocês” falo especificamente de dinossauros e demais figurões (e até umas figurinhas) – para escrever e ser publicado; eu tenho essa newsletter.
Já vocês, em negrito e itálico, vocês leitores e leitoras, fiquem comigo.
Valerá a pena.
5.
Há uns meses fiz algo impulsivo para garantir que eu não fosse demovido4 da ideia de correr a maratona na Coreia do Norte.
Na metade de 2025 meu relacionamento amoroso chegou ao fim, deixei Paris e, ao deixar Paris, algumas coisas ficaram para trás: entre elas um par de ingressos para assistir (mais uma vez) o Mac DeMarco na capital francesa.
Mac DeMarco é um dos meus artistas favoritos da vida.
Quando ele anunciou novas datas numa turnê mundial, decidi comprar um solitário ticket para uma apresentação em Hong Kong – amo Wong Kar-wai, amo a ideia visual de Hong Kong, amo ideias (já falei isso antes, né?).
Isso – o show do Mac DeMarco – acontecerá em março de 2026.
Por que eu fiz isso?
O único jeito de chegar na Coreia do Norte em 2026 é através da China; um voo rápido saindo de Hong Kong e estou na China; e depois Coreia do Norte.
O par de ingressos em Paris?
Dei para um amigo.
Ele falou que o show do Mac DeMarco foi uma bosta.
6.
Onde vocês, em negrito e itálico, entram:
Pra eu confirmar a inscrição na maratona, preciso levantar 1.200 euros até a próxima quarta-feira (10/12) – isso representa, na cotação atual, algo na casa dos 7.700 reais.
Eu vou pagar a inscrição e todos os custos do meu bolso, isso não é uma vaquinha. Não tô pedindo uma contribuição espontânea, não tô pedindo pix aleatório; mas pela primeira vez vou pedir algo:
Vou pedir pra você, principalmente você que curte meu trampo desde as antigas, que divulgue esse texto, e mais que isso: caso seja do seu interesse ou dos seus pares, inscreva-se num dos cursos ou mentorias da Passageiro Academy:
Tô fazendo a parada desse jeito porque se eu fosse depender desses tontos engravatados eu jamais iria pra Coreia do Norte.
Eu não vou oferecer desconto em nenhum deles porque a Black Friday já passou e sou bem certinho com essas paradas, mas tem um negócio que vou deixar pela metade do preço até 31 de dezembro de 2025: os planos pagos da newsletter Passageiro – incluindo o vitalício com todas a gravações (mais de 50h de conteúdo) com os workshops e podcasts informais com convidados feras.
Acho que é isso, turma.
Amanhã tenho que acordar cedo pra… treinar?
Você sabia que esta newsletter tem uma playlist no Spotify com todas as músicas indicadas aqui? Pois é. A Rádio Passageiro é atualizada semanalmente.
Todos os textos de Medo e Delírio nas Olimpíadas de Paris podem ser lidos neste link.
Baita palavra.








Eu quero muito ver um texto seu falando que você foi preso durante a maratona. Sei lá porque, mas to sentindo que isso vai acontecer. E quando digo que vou ler um texto sobre isso é porque no final vai tudo correr bem, afinal você vai escrever o texto.
Talvez eu seja o motivo de sua prisão. Sou bom nisso. Sei lá, vai que acontece.
Acho que essa foi a informação aleatória mais estranha que li nos últimos tempos; talvez, nos últimos 47 anos...
Para usar um eufemismo, não deixa de ser algo bastante incomum.
Já estou curioso para ler seus relatos.
Boa sorte!