[Passageiro #13] A vida não está nem aí para o nosso planejamento
Menos ainda para os nossos sonhos.
Para ler ouvindo: Work This Time, do King Gizzard & The Lizard Wizard.
1.
I. tirou a foto que ilustra essa edição da newsletter no dia em que me sentei no Capara, meu café favorito em Koh Phangan, na Tailândia, para escrever a primeira das três crônicas que publiquei na Folha de S.Paulo em 2022.
Escrever na Folha sempre foi um sonho. Nos últimos dois anos devo ter inundado as caixas de entrada de diferentes editores do jornal com ideias de colunas.
No começo de 2022, graças à generosidade do querido Wesley Faraó Klimpel, o sonho finalmente tornou-se realidade: passei a colaborar com o blog Check In.
A ideia era escrever, quinzenalmente, sobre o universo do nomadismo digital e do trabalho remoto – tendo como pano de fundo as minhas viagens.
Escrevi sobre a Tailândia, o Vietnã, mas não tive tempo para escrever sobre a Indonésia (ou melhor, escrevi, mas não cheguei a ser publicado pelo jornal – azar o deles, o texto bombou no LinkedIn).
2.
I. diz que sou muito sonhador. Naquele dia no Capara, com um sorriso que não saía do meu rosto, eu visualizava o que aconteceria dali pra frente na minha carreira. Escreveria crônicas à la Hunter S. Thompson, ganharia o respeito dos críticos, teria visibilidade, ficaria rico, famoso, Passageiro viraria best-seller assim que fosse lançado e eu, enfim, viveria única e exclusivamente da minha escrita.
Se tem uma coisa que eu aprendi nos últimos anos é que a vida não está nem aí para o nosso planejamento – menos ainda para os nossos sonhos.
Eu estava na Cidade de Ho Chi Minh, no Vietnã, sentindo-me um correspondente estrangeiro no Hotel Continental, quando Wesley me contou que estava de saída do jornal e ainda não sabia o destino do blog Check In – o seu seria uma viagem de volta ao mundo que está sendo lindamente registrada no Sem Chaves (acompanhem aqui e aqui).
De repente, tudo aquilo que sonhei sumiu do horizonte após uma troca de mensagens (eu ainda ficaria na geladeira por algumas semanas, trocando e-mails com o pessoal da Folha na esperança de seguir com os textos).
O Hunter S. Thompson, o respeito, a visibilidade, a riqueza, a fama, o futuro best-seller. A. Vida. Não. Está. Nem. Aí. Para. O. Nosso. Planejamento.
3.
Criei minha conta no Substack em julho de 2021. Eu estava acompanhando o burburinho lá fora, sabia que algo grande estava nascendo, mas só em outubro de 2022 – quando, finalmente, desencanei de tentar escrever para a grande mídia – pensei em um projeto que fizesse sentido dentro da plataforma.
Particularmente, não acredito no modelo de paywall para quem escreve em língua portuguesa. Eu queria muito ter dados disso (se alguém tiver, pode fazer a gentileza de compartilhar nos comentários), mas a impressão é que esse modelo não pegou no Brasil. Como já falei em outras oportunidades, essa newsletter é, e sempre será, gratuita. Na minha opinião, há meios mais inteligentes de se monetizar conteúdo.
Uma das reclamações dos leitores que me acompanham nas redes sociais é a de que não conseguiam ler os meus textos na Folha porque não eram assinantes do jornal – sim, existem meios de burlar o paywall, mas esse não é o caso aqui.
Se a mídia tradicional não oferece grandes quantias aos escritores (não sei os colunistas grandões, mas eu recebia o valor simbólico de R$ 100 por texto…), nem visibilidade (os leitores não conseguem ler os textos por causa do paywall), o que eles ainda têm a oferecer além de uma suposta credibilidade?
Me parece, de momento, que hoje em dia os jornais precisam mais de nós (escritores) do que nós deles. Demorei a entender isso. E aí entra o Substack.
4.
Quando criei essa newsletter preferi não importar listas de e-mail de projetos anteriores. Eu queria começar algo do zero. Três meses após o primeiro envio, 726 pessoas estão recebendo os meus e-mails.
Ainda é um número tímido, mas o que mais tenho gostado daqui é que, por ser uma lista nova, a taxa de abertura de todos os e-mails até agora foi superior à 50% e o textos tem uma média 1 mil visualizações (como o Substack funciona como uma espécie de blog/rede social, o leitor não precisa ser assinante da newsletter para ler os textos).
Os leitores estão engajados, lendo os textos, curtindo, comentando, interagindo – não há um paywall entre eles e quem escreve.
5.
Meu amigo
(que tem duas newsletters maravilhosas no Substack: e ) sempre enfatiza em seus conteúdos sobre marketing que não precisamos de milhões de seguidores, mas de apenas mil fãs verdadeiros.É legal assinar uma coluna em um grande jornal, faz bem para o ego, mas como escritor meu objetivo é ser lido.
Passageiro, o livro, ainda irá demorar um tempo para ser lançado (se tudo der certo, em algum momento do segundo semestre de 2023), mas enquanto isso não acontece, seguirei compartilhando por aqui minhas reflexões sobre escrita e viagens.
Tenho certeza que, mantendo essa consistência, sem paywall, terei meus mil fãs verdadeiros que ajudarão o livro a tornar-se um best-seller – ou talvez I. tenha razão e eu seja muito sonhador.
A verdade é que a vida não está nem aí para o nosso planejamento, às vezes a expectativa é diferente da realidade, quebramos a cara aqui ou ali, mas, vez ou outra, conseguimos o que queremos recalculando a rota. De um jeito ou de outro a gente chega lá.
6.
O processo de cidadania italiana é extremamente burocrático. Nosso tempo como turistas no Espaço de Schengen está acabando. I. poderia solicitar o permesso di soggiorno e continuar na Itália. Eu, o cônjuge, apenas quando ela receber a cidadania – e isso ainda leva alguns meses.
Nas últimas semanas viajamos por Lisboa, Barcelona e Valência. A ideia dessas viagens era decidir onde vamos morar após o fim do processo de cidadania. Temos 99% de certeza de que Lisboa será nossa casa, mas os preços dos aluguéis estão absurdos (alguma dica?).
Enquanto o processo não fica pronto e não podemos alugar um apartamento em Lisboa (ou em outra cidade), sairemos do Espaço de Schengen. Nosso destino será a paradisíaca e pouco explorada Albânia.
Essa newsletter começou com a chamada “um escritor brasileiro tentando escrever um livro em uma cidadezinha na costa da Toscana”, mas a partir de fevereiro precisarei de uma nova descrição.
O processo do livro? Está mais devagar do que o planejado, mas as coisas estão se encaixando. De um jeito ou de outro vou chegar lá.
✍️ Notas:
Você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Com ênfase em não ficção e uma metodologia voltada para desenvolver o processo criativo e romper bloqueios mentais, meu curso de Escrita Criativa utiliza técnicas de storytelling, publicidade, jornalismo, retórica e criação literária para que todos que se interessam pela escrita, profissionalmente ou por passatempo, possam criar textos criativos e autênticos em qualquer plataforma. Garanta a sua vaga aqui.
Esse artigo (em inglês) sobre o declínio das mídias tradicionais x a ascensão de plataformas com o Substack é bem interessante.
Legal Matheus!
Por causa da tua newsletter conheci o Substack e comecei a lançar alguns textos por aqui. Ainda não consegui entender tudo o que a plataforma pode oferecer, mas aos poucos a coisa vai se ajeitando. O importante é que os textos estão saindo...
Minha ideia é escrever sobre a relação que tenho com os meus alunos na sala de aula e de como tento ensiná-los contando histórias -- ou, simplesmente refletir sobre o contexto escolar atual de uma forma não tão didática e acadêmica...ou seja: chata!)
Acho a ideia interessante e em outras plataformas tenho um respaldo muito gratificante (ainda não ao ponto de poder "monetizar" isso, mas quem sabe uma hora dessas a coisa aconteça de alguma forma...)
Viver do que se gosta é um grande desafio, mas vejo que tu segue este caminho e parece que está dando certo!
Vi também que tu é natural de Imbituba. Eu estou morando aqui, na Praia do Rosa. A hora que vier para estas bandas para uma visita, se bobear, vamos tomar um café em algum lugar :)
Um abraço pra ti, Bixo!
Ah, eu adoro o Faraó! Que linda viagem vocês dois estão fazendo.
Morei em Barcelona um ano e, definitivamente, não é barato.
Porto é encantadora mas vejo Lisboa com mais opções...
Me identifiquei muito com seus sentimentos em relação a imprensa tradicional. Obrigada por compartilhar