[Passageiro #28] De onde vêm as ideias?
Superfície lunar, Alex Turner e referências supostamente aleatórias.
Para ler ouvindo: Aos Barões, por Lô Borges.
1.
Em 2016, no seu aniversário de 30 anos, Alex Turner, frontman e principal compositor dos Arctic Monkeys, ganhou de presente do seu empresário um piano Steinway Vertegrand. “Nada do que saía da minha guitarra me surpreendia mais. Sentei naquele piano sem saber aonde iria me levar. Isso me ajudou com as músicas. Acho que adoro o desconhecido”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo na época do lançamento de Tranquility Base Hotel & Casino, álbum conceitual de 2018 que até hoje divide as opiniões dos fãs da banda de Sheffield.
Turner compôs as músicas de TBH&C em seu quarto em Los Angeles, que nomeou de superfície lunar (Mare Tranquillitatis – ou Mar da Tranquilidade – é o nome do local onde a Apollo 11 de Neil Armstrong pousou na Lua em 1969; daí o título do álbum), imaginando um futuro distópico em que a humanidade decide povoar a Lua; gerando um processo de gentrificação na cratera Clavius. O personagem do álbum é um crooner à la Nick Cave, membro da fictícia The Martini Police, banda residente de um hotel cassino lunar (isso aqui daria uma série muito foda da HBO ou Apple TV+, aliás).
A estrutura melódica de TBH&C é ancorada na obra de nomes como Serge Gainsbourg, Leonard Cohen, Scott Walker, David Bowie e o brasileiro Lô Borges; Aos barões, música do cantor e compositor mineiro associado ao Clube da Esquina, é uma das canções de uma lista manuscrita que Turner fez para a revista inglesa MOJO com as principais influências do álbum, cujas letras abordam temas como ficção científica, cultura pop, política e a superficialidade do mundo moderno.
Quando os clipes dos dois primeiros singles de TBH&C saíram, Four Out of Five e Tranquility Base Hotel & Casino, a crítica especializada apontou o óbvio: a influência estética de 2001: Uma Odisseia no Espaço, clássico de 1968 do diretor Stanley Kubrick; a galera que acha que a Terra é plana tem uma teoria da conspiração muito boa que diz que o pouso da Apollo 11 na Lua em 1969 foi encenado e filmado por Kubrick.
A maioria das resenhas na época do lançamento de TBH&C dizia que o álbum soava como a trilha sonora de um filme; e isso não é por acaso. Em mais de uma das várias entrevistas que Turner concedeu durante a turnê de divulgação de TBH&C, o músico falou sobre como o cinema dos anos 1960 e 1970 – e a trilha sonora dessas películas – foi a principal influência para o conceito do álbum.
2.
Thayná Vervloet Gomes, da .
Quando gosto de uma música, de um livro ou de um filme, tento entender as referências de quem criou aquela obra; e aí entra o Google e o YouTube: sempre há uma entrevista do(a) artista falando sobre o seu processo criativo, sobre as suas referências, sobre o que lhe inspirou a criar aquilo que ainda não existia. Foi assim que cheguei em Welt Am Draht (World On A Wire), série alemã de ficção científica de 1973 do diretor alemão Rainer Werner Fassbinder; a estética de TBH&C saiu daí, mas a mídia mainstream apegou-se ao óbvio: lembra 2001 de Kubrick.
Talvez o que eu esteja tentando escrever aqui já tenha sido melhor escrito por
em Roube como um artista, mas o que quero dizer com o parágrafo acima é que, por mais que eu fique feliz com essa percepção de que o que escrevo talvez fuja do óbvio, a verdade é que meus textos não passam de um conjunto de elementos roubados de outras pessoas; e talvez aqui esteja o mérito: curiosidade alinhada com a habilidade de saber costurar uma referência na outra; ou seja, de saber usar o Google (ou o ChatGPT; não o uso, mas talvez seja útil para o seu contexto).Na primeira edição dessa newsletter, em que tento explicar o conceito do livro que estou escrevendo, falo sobre como roubei o formato de O caminho imperfeito, de José Luís Peixoto; o português, por sua vez, assume em seu próprio livro ter roubado o formato de Outras vidas que não a minha, do francês Emmanuel Carrère. Não sei qual foi a inspiração de Carrère, mas gostei tanto do seu livro que li outras obras de sua autoria; e cheguei em Michel Houellebecq, um outro autor francês completamente controverso, mas cuja obra Plataforma me abriu novos caminhos em Passageiro; de quem será que Houellebecq roubou Plataforma? Esse negócio do “;”, inclusive, roubei dele. Eu costumava utilizar “–” entre um respiro e outro; por exemplo, agora eu utilizaria um “–” nessa explicação.
Ou seja, essa minha curiosidade/obsessão (FOMO, talvez?) é, provavelmente, o que me move em direções não tão óbvias. Eu sempre quero saber o que há por trás daquilo de que acabei de ler, ouvir ou assistir.
3.
Manu Lacerda, da .
Eu acho justíssima a reivindicação do pessoal moderninho que habla mucho pelos quatro cantos que devemos aproveitar o momento e guardar os nossos celulares em nossos bolsos; é uma boa causa, porém, talvez esse pessoal que habla mucho não viva de contar histórias; eu registro quase tudo durante as viagens (fotografo e filmo o que acho que pode ser útil no futuro; não necessariamente publico esses conteúdos, mas registro esses momentos para ter acesso ao que vivi – ouvir as músicas que eu costumava ouvir na época desses registros também me ajuda a voltar no tempo).
Além disso, por algum motivo, a minha memória é boa; e isso eu genuinamente não tenho como ensinar.
4.
Thiago Dalleck, da… .
Independentemente do formato, eu já dei algumas dezenas de entrevistas sobre Nômade Digital, o livro. Algo que de certa forma ainda hoje me incomoda é que meus entrevistadores sempre querem saber sobre os perrengues; viagens que deram tudo errado e/ou eventos exóticos em países aleatórios. A verdade é que nesses seis anos vivendo uma vida nômade tenho pouquíssimas situações que saíram do controle. Nunca saí na mão com um macaco na Tailândia, por exemplo.
Tenho um ou outro perrengue para contar, talvez white people problem demais, o que já me fez, confesso, ter alardeado uma ou outra situação em um ou outro podcast, mas aqui me apego ao que li na introdução de Ioga para quem não está nem aí, de Geoff Dyer: “Tudo neste livro realmente aconteceu, mas algumas das coisas que aconteceram só aconteceram na minha cabeça: da mesma forma, todas as coisas que não aconteceram também não aconteceram lá”.
5.
Eu não ganhei um piano quando completei 30 anos, mas foi durante essa época (faço 34 em algumas semanas) que decidi escrever o livro que estou escrevendo.
Até então, eu havia escrito apenas alguns textinhos simpáticos no LinkedIn que podem ser classificados como autoajuda; escrevo isso talvez para me explicar de algo que ainda não fui acusado formalmente, mas me defendo de antemão afirmando que esses textinhos simpáticos tiveram o seu valor; ou você não estaria me lendo agora; de novo os “;” de Houellebecq.
6.
“De onde vêm as ideias?”.
Acredito que hoje vivemos em um mundo em que nada é 100% original; tudo é uma versão ou um conjunto de outras ideias.
Ou seja, se esse parágrafo tivesse a pretensão de ensinar algo (e pelo visto ele tem), seria: seja curioso(a). Pra caralho. Gostou de algo? Tente entrar na mente do(a) criador(a). O que ele(a) tinha em mente quando criou isso? O que ele(a) estava lendo, ouvindo ou assistindo? Conecte os pontos. Numa dessa você acaba a sua sexta-feita assistindo uma série de ficção científica alemã de 1973 que, de alguma forma, fará sentido para o que você está criando na sua superfície lunar.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento:
Qual a coisa mais aleatória que você é muito fã (por qualquer motivo) e que sente que ninguém conhece? Eu começo: The Inbetweeners, uma sitcom adolescente inglesa que não vejo muita gente falando, mas que eu adoro.
✍️ Notas de rodapé:
Essas perguntas ao longo da edição de hoje foram feitas por assinantes pagos da newsletter Passageiro. Confira os benefícios e considere fazer um upgrade da sua assinatura neste link (estou oferecendo 30% de desconto nos planos mensal e anual durante o mês de maio). Quem sabe a sua pergunta seja respondida na próxima edição…
Eu não tenho palavras para essa parceria entre Tim Bernardes e Rodrigo Amarante.
Por último, mas não menos importante, você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
edição maravilhosa! sobre algo que sou fã e quase ninguém conhece:
minha banda favorita é Mew e eu JURO que não digo isso para pagar de hipster que diz que sua #1 não é tão conhecida – inclusive, eu QUERIA que mais gente parasse para escutar e gostasse hahah
indico para quem quiser ouvir álbuns melancólicos imersivos – mas precisa estar nessa vibe :P
Tem uma banda indie folk da Islândia que curto muito chamada Of Monsters and Men, principalmente a música "From Finner". Nessa música, com um apelo meio surrealista, conta a história de uma baleia que tem casas nas costas, na qual as pessoas viajam pelo oceano. É uma música linda!