[Passageiro #38] A festa da insignificância
Ou a necessidade de falar sobre o assunto do momento.
Para ler ouvindo: Pure Comedy, por Father John Misty.
1.
Em Para Roma com Amor (2012), o personagem Leopoldo Pisanello, interpretado por Roberto Benigni, vira famoso da noite para o dia e passa a ser perseguido por fotógrafos e admirado por multidões. Repórteres o indagam sobre seu café da manhã, a previsão do tempo e até mesmo o jeito como faz sua barba. Sem entender sua fama repentina e o interesse do público por episódios banais do seu dia a dia, ouve de seu motorista uma simples explicação: “você é famoso por ser famoso”.
2.
O filósofo Baruch Spinoza disse no século XVII que “a fama também tem essa grande desvantagem, de que, ao buscá-la, devemos direcionar nossas vidas de forma a agradar o capricho dos homens”.
Trazendo o pensamento de Spinoza para o contexto das redes sociais em 2023, podemos dizer que o preço da fama a qualquer custo é sacrificar qualquer verdade pessoal para buscar apenas aquilo que satisfaz seguidores e algoritmos; a Corrida dos Likes; a Busca Pelo Próximo Viral; o Engajamento Forçado; o Dinheiro Fácil.
Alice Xiong e Daniel Roth, Diretora de Produto e Editor-chefe do LinkedIn, respectivamente, participaram de um episódio do podcast Problem Solvers sobre por que o LinkedIn não quer que você viralize (o
fez um compilado dos principais pontos da conversa aqui).O que me chamou mais atenção no papo foi a proposta do LinkedIn para melhorar a qualidade do feed dos usuários: de acordo com Roth, a rede profissional irá incentivar cada vez mais os produtores de conteúdo a gerar conversas sobre temas em que são especialistas; e não sobre as tendências do momento.
Em tese, frases de efeito, obituários, polêmicas e outras publicações vazias encerradas com “faz sentido?” ou “concorda?” terão menos alcance que conteúdos mais profundos. Em tese.
3.
Umberto Eco, famoso escritor e filósofo italiano falecido em 2016, disse certa vez que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”. Na ocasião, durante seu discurso no evento em que recebeu o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura da Universidade de Turim, o intelectual afirmou ainda que “normalmente, eles (os imbecis) eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”.
4.
Em um dos encontros do Clube Passageiro contei para os assinantes que, hoje, 80% do que produzo é verdade pessoal; os outros 20% não passam de estratégia de engajamento. Quando comecei a produzir meus conteúdos na internet, no entanto, a matemática era oposta: 80% de linha editorial lotada de hacks, mas aquele 20% vagabundo. É preciso saber jogar o jogo.
5.
O jogo das redes sociais é a verdadeira festa da insignificância; influenciador famoso por ser famoso, por saber jogar o jogo, por falar sobre o assunto do momento. Mais do mesmo; a Corrida dos Likes; a Busca Pelo Próximo Viral; o Engajamento Forçado; o Dinheiro Fácil.
Às vezes me sinto o Robin Hood; e acho que aprendi a gostar disso.
6.
“A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la.”
Trecho de A festa da insignificância, romance de Milan Kundera.
7.
O escritor tcheco Milan Kundera morreu. Terça-feira, aos 94 anos, aqui em Paris. Eu ainda não tinha um tema para a edição de hoje da newsletter, mas decidi não escrever sobre isso; apenas escrevi que não escrevi sobre isso.
🧠 Para ler, assistir e ouvir:
A insustentável leveza do ser, do Milan Kundera. Leia.
Listei no blog 10 newsletters que você deveria assinar – todas elas aqui no Substack.
Eu adoro o clipe de Total Entertainment Forever, segunda faixa do álbum Pure Comedy, do Father John Misty. A música é uma crítica ao entretenimento a qualquer custo e conta com a participação de Macaulay Culkin (aquele!) interpretando um Kurt Cobain crucificado que é chicoteado por homens fantasiados de Ronald McDonald (!!!).
O viajante relutante, da Apple TV+, acompanha as desventuras do ator Eugene Levy por destinos como Costa Rica, Finlândia, Itália, Japão, Maldivas, Portugal, África do Sul e Estados Unidos. O que diferencia a série de outras do gênero? Levy detesta viajar.
📩 Para se inscrever:
é um dos nomes mais importantes da literatura brasileira contemporânea.Em sua newsletter Nevoeiro temos a sorte de receber seus devaneios enviados diretamente de Mendocino, na Califórnia.
Há um tempo indiquei em minhas redes sociais O clube dos jardineiros de fumaça, seu romance vencedor do Prêmio Jabuti 2018. Diorama, o lançamento mais recente de Carol que foi super bem recebido pela crítica, é um dos 38 livros do meu Kindle que ainda não li.
👨🎓 Cursos com inscrições abertas:
- Escrita Criativa
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🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento:
É possível separar autor e obra?
Cheguei nessa questão após abrir a edição de hoje com Para Roma com Amor, filme de Woody Allen, um dos maiores diretores de cinema da história que coleciona polêmicas bem pesadas em sua vida pessoal.
✍️ Notas de rodapé:
O Clube Passageiro é uma comunidade que se encontra uma vez por mês para papear sobre escrita, produção de conteúdo, monetização, livros e viagens – em encontros via Google Meet com duas ou mais horas de duração. Para participar dos próximos encontros e ainda ter acesso ao nosso grupo fechado no Telegram, basta assinar um dos planos pagos da newsletter. No próximo dia 27 (última quinta-feira do mês), às 18h do Brasil, falaremos sobre Marca Pessoal para Profissionais Independentes. Assine com 30% de desconto.
Por último, mas não menos importante, você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Opa, que alegria ser citada! ❤️ e 38 livros não-lidos no Kindle? Nossa, você me superou de longe 😂😂
jogar o jogo sem perder a essência é o desafio desse trabalho, né? já caí no buraco da tentativa de agradar vez ou outra... hoje também me sinto mais alinhada e agora vou colocar como meta os 80/20 que você trouxe hahaha
sobre separar o artista da obra: tão complexo, né? eu acho que dá. acho que é preciso pelo bem da arte. e acho outras tantas coisas que ainda não processei pq é complexo 😂