[Passageiro #40] Você só precisa de uma frase verdadeira (ou de um único sucesso)
Mac DeMarco em Paris, o bater de asas de outra borboleta e cursos de escrita com 50% de desconto.
Para ler ouvindo: Chamber of Reflection, por Mac DeMarco.
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1.
“Às vezes, quando eu estava começando uma nova história e não conseguia fazê-la decolar, eu me sentava em frente à lareira e espremia a casca de pequenas laranjas nas chamas, e ficava observando as fagulhas azuis que isso criava. Então ficava de pé e olhava para fora, para acima dos telhados de Paris, e pensava: ‘Não se preocupe. Você sempre escreveu antes e vai escrever agora. Tudo o que você precisa fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreva a frase mais verdadeira que você sabe’. Então eu finalmente escrevia uma frase verdadeira, e dali seguia em frente. Aí era fácil, porque sempre havia uma frase verdadeira, que eu conhecia ou havia visto ou ouvido alguém dizer. Eu descobri que se eu começasse a escrever de forma elaborada demais, ou como alguém que estivesse fazendo uma apresentação, conseguia cortar os arabescos e ornamentos, jogá-los fora e começar com a primeira frase simples, verdadeira e declarativa que tinha escrito”.
Ernest Hemingway em Paris é Uma Festa.
2.
As músicas de Mac DeMarco não têm arabescos e ornamentos, são simples, mas verdadeiras, como uma frase de Hemingway.
O canadense de dentes separados é talvez o principal responsável pela nova onda lo-fi surgida na década passada; tipo de gravação que teve em Daniel Johnston seu maior expoente nos anos 1980 – e cuja popularidade foi impulsionada nos anos 1990 após Kurt Cobain ter sido fotografado em diversas oportunidades usando uma camisa estampada com a capa do álbum Hi, How Are You.
3.
No verão brasileiro de 2022, I. e eu estávamos em uma casinha alugada em Ibiraquera, Imbituba (SC), minha terra natal, quando Mac DeMarco anunciou um show no We Love Green, festival de música que acontece anualmente em Paris durante o verão europeu.
Ainda eram os dias nômades, de modo que não sabíamos em que cidade ou país estaríamos durante o verão europeu de 2022, o futuro era uma tela em branco, mas decidimos comprar os ingressos.
Não sou muito fã de festivais de música, mas vez ou outra submeto-me à essa desagradável experiência de pagar caro para sofrer com filas em banheiros imundos, comprar cervejas superfaturadas e passar um dia inteiro em pé para, finalmente, assistir os shows de um ou dois artistas que gosto; geralmente espalhados em diferentes dias do festival, como da vez no Primavera Sound, em São Paulo, quando compramos ingresso para os dois dias de evento porque os Arctic Monkeys tocavam em um dia e o Father John Misty no outro.
Mas, porra. Era o Mac DeMarco. Mac DeMarco é o artista favorito de I. (ela está no top 1% de ouvintes de Mac DeMarco em todo o mundo de acordo com o Spotify) e eu curto o canadense dos dentes separados desde o tempo em que fazia download ilegal de suas músicas no New Album Releases em 2012 (Mac DeMarco é meu segundo artista mais ouvido no Last.fm; o fato de eu ainda ter um perfil ativo no Last.fm entrega a minha idade).
4.
Eu fiquei chocado que o New Album Releases ainda existe; e com o mesmo design de 2012.
Às vezes tenho saudades da internet pré-redes sociais. Tudo parecia mais simples; ainda que mal feito. Mas eu estava escrevendo sobre outra coisa. Onde eu estava mesmo? Ah, o Mac DeMarco.
I. eu nos conectamos muito em conta pelo nosso gosto musical parecido. Contei para ela a história de como baixei 2 assim que o álbum foi lançado porque achei a capa legal. 2 é nosso álbum favorito; e da maioria dos fãs (a faixa My Kind of Woman tem quase meio bilhão – com “b” mesmo – de execuções no Spotify; isso sem contar as execuções de quem fez o download ilegal no New Album Releases).
5.
No mês seguinte à compra dos ingressos estávamos em Canoas (RS), terra natal de I., buscando promoções de passagens aéreas para a Europa. Não estava fácil encontrar algo que coubesse em nossos bolsos. Era a retomada do turismo pós-reaberturas de fronteiras internacionais em decorrência da pandemia de Covid-19.
– Tá difícil encontrar algo bom para a Europa, mas dá uma olhada nessa passagem aqui para Bangkok.
I. nunca tinha viajado para a Tailândia; eu estava lá quando começamos a webnamorar – e por meses ela teve a paciência de ouvir as histórias que eu contava exaustivamente sobre o país.
– Será? – I. pergunta desconfiada.
– De lá podemos ir para a Indonésia e o Vietnã. E depois a gente dá um jeito de chegar na Europa para ver o show do Mac DeMarco.
Não demos. Os preços dos Airbnbs em Paris estavam absurdos por causa do verão. Decidimos passar uns meses no Brasil e vendemos os nossos ingressos. Ficamos tristes, mas, em um bater de asas de uma borboleta, não só Mac DeMarco cancelou a sua participação no We Love Green, como o festival foi obrigado a cancelar os shows do dia em que ele se apresentaria por conta de um dilúvio inesperado em Paris.
No final das contas, deu tudo certo. Mas ainda faltava ver o Mac DeMarco.
6.
Em abril de 2023 estávamos novamente na Tailândia quando Mac DeMarco anunciou não um, mas três shows em Paris da turnê de Five Easy Hot Dogs; o álbum em que estava trabalhando quando cancelou o show de 2022. Dessa vez, no bater de asas de outra borboleta, não só tínhamos uma passagem para Paris, como estávamos de mudança para a cidade.
Five Easy Hot Dogs é um álbum instrumental com músicas gravadas na estrada; literalmente: Mac DeMarco as gravou durante uma road trip solitária que durou 4 meses entre Canadá e Estados Unidos. Um álbum nômade que o músico canadense dos dentes separados fez questão de tocar na íntegra.
Diferente dos grandes festivais em que Mac está acostumado a tocar, o show no Cabaret Sauvage foi intimista – tivemos a sorte de assisti-lo na beira do palco; e não de um telão em um festival superfaturado.
A apresentação foi dividida em dois atos: no primeiro, as faixas instrumentais de Five Easy Hot Dogs (ótimas para ouvir na estrada, mas confesso que estávamos ali para cantar as músicas conhecidas a plenos pulmões) intercaladas com comentários sobre elas e uma ou outra piada; no segundo, as músicas conhecidas intercaladas com canções obscuras de One Wayne G (seu álbum com 199 faixas) e mais piadas.
Antes de tocar os acordes de The Stars Keep on Calling My Name, uma das canções mais famosas de 2, Mac DeMarco agradece aos fãs.
“Eu não precisava estar aqui, eu poderia estar em casa, no meu sofá, engordando, assistindo TV, perdendo meus cabelos, mas eu estou aqui. Em 2012 eu lancei um álbum chamado 2 e ele continua pagando as minhas contas. Graças a vocês, então, obrigado.”
Em 2012, baixei 2 de forma ilegal. No último 17 foi o aniversário de I. e lhe dei de presente o vinil da edição comemorativa de 10 anos do álbum. De nada, Mac DeMarco.
7.
Ontem no mini workshop de Marca Pessoal para Profissionais Independentes do Clube Passageiro falei que tudo que um artista precisa é de um único sucesso, um hit, um álbum 2 do Mac DeMarco; aquela obra que pagará as suas contas enquanto você experimenta outros rumos e faz o que tem vontade – como tocar um álbum instrumental na íntegra em um show em Paris simplesmente porque você está a fim.
Uma obra do tipo não se escreve de um dia para o outro; ela é o conjunto de referências e obsessões de uma vida criativa que, eventualmente, emerge.
Há meses estou obcecado com uma história que em nada tem a ver com Passageiro, o livro. Tenho feito pesquisas sobre o assunto, salvado links, anotado uma ou outra ideia. Lá no fundo sinto que essa pode ser a minha grande obra; o que pode soar, de certa forma, pretensioso da minha parte, porém, porém, mesmo que essa não seja a minha grande obra – ou mesmo que eu nunca tenha uma grande obra –, eu não consigo mais controlar essa obsessão; eu preciso escrever essa história.
Não sei como vou fazer para escrever dois livros ao mesmo tempo – enquanto pago as contas fazendo outras coisas –, nem sei se devo, uma vez que Passageiro está levando muito mais tempo do que o planejado, mas sei que tudo o que eu preciso é escrever uma frase verdadeira, uma simples frase verdadeira e seguir em frente; enquanto olho para os telhados de Paris e ouço Mac DeMarco.
🧠 Para ler, assistir e ouvir:
Ainda não é conteúdo inédito, mas o pessoal do Terra desenterrou mais um texto meu para a coluna. “Nômade digital: como é a vida de quem leva o escritório na mochila”.
Participei de um episódio bem bacana do Desenrola, o podcast do The Summer Hunter. Foi a primeira vez que dei uma entrevista no papel de ex-nômade.
Essa entrevista (em inglês) do Mac DeMarco sobre o processo criativo de Five Easy Hot Dogs tá bem legal.
Playlist que tenho ouvido enquanto penso nessa história em que estou obcecado: South and East Asian Psychedelia – músicas psicodélicas dos anos 1960-1980 de bandas da Tailândia, Vietnã, Cambodia, entre outros países asiáticos.
Saiu a versão em português do livro sobre criatividade do Rick Rubin; O ato criativo: uma forma de ser.
📩 Para se inscrever:
é um escritor que canta. O seu Puxadinho é um lugar de conexão em que ele fala sobre música, arte e criatividade — suas grandes paixões na vida.Gostei bastante dessa edição sobre como a internet está desaparecendo e ninguém liga.
👨🎓 Relembrando: cursos com 50% de desconto
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🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento:
Se dinheiro não fosse problema, que tipo de atividade (artística ou não) você gostaria de dedicar mais horas do seu dia?
✍️ Notas de rodapé:
O Clube Passageiro é uma comunidade que se encontra uma vez por mês para papear sobre escrita, produção de conteúdo, monetização, livros e viagens – em encontros via Google Meet com duas ou mais horas de duração. Para participar dos próximos encontros e ainda ter acesso ao nosso grupo fechado no Telegram, basta assinar um dos planos pagos da newsletter. Assine com 30% de desconto.
Por último, mas não menos importante, você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Usar dois "porém" em seguida é coisa de gênio.
Te ler tem aumentado minhas referências musicais e tô achando isso massa demais hahaha muito grata!
Se o dinheiro não fosse uma questão... eu dedicaria o mesmo tempo que dedico para criar, mas sem a preocupação das estratégias e dos resultados... só por criar! E só sobre o que desse vontade!