[Passageiro #42] Um lugar para voltar
Após seis anos de vida nômade, um comprovante de residência em meu nome.
Para ler ouvindo: Shit I’m Dreaming, por Peter Cat Recording Co.
1.
A casa onde vivi a minha infância não existe mais. O número 468 da Rua Cônego Itamar Luiz da Costa agora é uma dessas lojas em que você encontra de tudo; quando eles ocupavam uma sala comercial ao lado da casa da infância no início dos anos 2000, era lá que eu comprava meus jogos piratas de PS1.
As imagens mais antigas do número 468 da Rua Cônego Itamar Luiz da Costa no Google Street View são de agosto de 2011. Nelas é possível acompanhar a construção da loja até novembro do mesmo ano; a próxima captura foi feita em maio de 2015, já com a obra finalizada.
Nessas imagens de maio de 2015 aparecem outras casas da minha infância; o número 498, casa do vô Osni e da vó Ilma; o número 550, casa do tio Walmir e da tia Zita; o número 562, casa do tio Adílio e da tia Valda.
Nas capturas de 2022 essas outras casas já não existem mais. A casa do vô Osni e da vó Ilma virou um estacionamento; a do tio Walmir e da tia Zita um prédio comercial; a do tio Adílio e da tia Valda um outro prédio comercial.
Em uma captura de novembro de 2011, o vô Osni, que assim como a vó Ilma, o tio Walmir, a tia Zita, o tio Adílio e a tia Valda, já não está mais entre nós, parece estar manobrando o seu carro para sair de casa. Ele adorava dirigir.
2.
Passageiro
adjetivo
Que passa rapidamente, de curta duração; breve, momentâneo.
3.
A casa onde vivi a minha adolescência não existe mais; pelo menos não do mesmo jeito. O número 76 da Rua Harley Amadei Silva virou 297. A frente da casa da adolescência está diferente; não apenas o azul virou bege, mas um muro foi erguido; questões de segurança, imagino.
A imagem mais antiga do antigo número 76 da Rua Harley Amadei Silva no Google Street View, assim com a do número 468 da Rua Cônego Itamar Luiz da Costa, também é de agosto de 2011. Nela é possível ver o jardim da minha mãe castigado pelo inverno e o Siena prata do meu pai estacionado em frente à garagem.
Me pergunto como estará o interior da casa da adolescência.
Há outro adolescente ocupando aquele que era o meu quarto? Os novos moradores também têm porta-retratos com fotos da família espalhados pela sala? Alguém faz bolinhos de chuva quando chove? Será que eles assistem os jogos do Flamengo aos domingos? Um outro cachorro vive onde vivia o Bino?
Pouco tempo depois de eu sair da casa dos meus pais, a casa da adolescência no antigo número 76 da Rua Harley Amadei Silva, eles se mudaram para uma outra casa onde nunca morei; a casa dos meus pais é sempre um lugar para voltar quando estou em Imbituba, mas essa nova casa nunca foi a minha casa.
4.
O primeiro comprovante de residência em meu nome foi uma kitnet sem janelas de 15m² em Tubarão. Depois teve um apartamento do Minha Casa, Minha Vida e, desde 2017, tenho vivido em casas provisórias pelo mundo; Airbnbs foram 67 (tem também alguns outros apartamentos, casas e bangalôs alugados em outras plataformas ou em grupos do Facebook).
Na 30ª edição desta newsletter, escrita em 19 de maio de 2023, quatro dias antes da mudança para Paris, escrevi sobre como estava sendo estranha a sensação de, tantos anos depois, ter um comprovante de residência em meu nome; um lugar para voltar.
Apenas no último domingo (06) nos mudamos para a nossa casa; passamos por outras três casas provisórias nos dois meses em Paris; alugar um apartamento por aqui é tipo processo seletivo para conseguir um trabalho.
5.
O prédio da Rue Pierre Fontaine foi construído em 1880; penso nas outras pessoas que já moraram em nosso apartamento. Será que alguma delas também precisou pagar 150 euros para um chaveiro para poder entrar após esquecer as chaves dentro de casa e ficar trancado do lado de fora? Será que em 1880 os chaveiros também utilizavam uma imagem de raio-x para abrir a porta? Já existiam imagens de raio-x em 1880?
Acomodo meus livros na estante espaçosa, os recém-comprados vinis (ainda falta a vitrola), os souvenirs das nossas viagens. I. compra tickets para uma feirinha de plantas que acontecerá neste final de semana. “Uma costela-de-adão ficaria linda ao lado do sofá”, ela diz. Recebo o cara da internet, ele não fala inglês, eu não falo francês, mas o Wi-Fi agora funciona. Pesquiso modelos de TV; I. pesquisa tapetes. Fazemos compras na Ikea; potes, talheres, travesseiros, almofadas, lençóis, uma moldura para o pôster dos Stooges que compramos em uma lojinha do bairro.
Aos poucos, vamos transformando o apartamento do prédio da Rue Pierre Fontaine no lar do casal ZOTTIS/DE SOUZA; o nosso lugar para voltar. Nada mais nos é estranho.
🧠 Para ler, assistir e ouvir:
Já pensou em tirar um período sabático? Está em pré-venda o livro Sabático: o poder da pausa. Na obra, meus queridos amigos Eberson Terra e Iara Vilela, que pausaram suas carreiras por 1 ano para viajar o mundo, compartilham as suas experiências e mostram o passo a passo para você fazer o mesmo.
Adeus à crônica, texto forte (e triste) do Julián Fuks sobre o fim silencioso e tímido de um gênero literário.
Essa entrevista do Paris Review com Jack Kerouac em 1968 (em inglês).
Esse texto do
sobre como On the road do Jack Kerouac é a celebração de um “não”.Com um certo atraso, estou assistindo (e adorando) The Morning Show na Apple TV+.
Dois álbuns instrumentais para você ouvir quando precisar de foco: IC-01-Hanoi, do Unknown Mortal Orchestra; Music for Silence, do Nick Murphy (Chet Faker).
📩 Para se inscrever:
, por , é uma biblioteca em forma de newsletter. 👨🎓 Cursos com inscrições abertas:
- Escrita Criativa
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
- Escrita de Viagem
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
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🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento:
As casas em que vocês viveram no passado ainda existem?
✍️ Notas de rodapé:
O Clube Passageiro é uma comunidade que se encontra uma vez por mês para papear sobre escrita, produção de conteúdo, monetização, livros e viagens – em encontros via Google Meet com duas ou mais horas de duração. Para participar dos próximos encontros e ainda ter acesso ao nosso grupo fechado no Telegram, basta assinar um dos planos pagos da newsletter. Assine com 30% de desconto.
A primeira radiografia foi realizada em 22 de dezembro de 1895.
Por último, mas não menos importante, você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Ter um lugar pra chamar de seu depois de tanto tempo sem casa fixa é bom demais (: Aproveitem o cantinho de vocês <3
Eu morei em 3 casas diferentes, todas no mesmo quarteirão, em São Paulo. E todas ainda existem rs (uma delas minha mãe ainda reside).
Mas o legal é poder passar em frente as demais casas e poder ver que pouco mudaram. Talvez uma nota cor de tinta na parede, uma janela diferente, mas a "alma" da casa continua ali (e as memórias também)