[Passageiro #44] O estrangeiro
Hoje faz três meses que mudei-me para Paris. Ou talvez foi ontem, não sei.
Para ler ouvindo: Mon Nom, por Rodrigo Amarante.
No próximo dia 31, às 18h do Brasil, apresentarei um mini workshop sobre o meu processo de criação; o fazer criativo (seja nos projetos que realmente quero fazer quanto naqueles que preciso fazer).
O mini workshop é exclusivo para assinantes pagos do Clube Passageiro e funcionará da seguinte maneira:
1 hora de apresentação;
15 minutos de atividade prática;
45 minutos de perguntas e respostas.
A gravação do mini workshop ficará disponível por 30 dias.
Para participar basta assinar um dos planos pagos da newsletter.
1.
Hoje faz três meses que mudei-me para Paris. Ou talvez foi ontem, não sei.
Dia desses um amigo, também expatriado, enviou-me uma mensagem em um desses aplicativos de mensagens instantâneas querendo saber como tem sido a adaptação por aqui, a nova rotina, esse tipo de coisa.
“Viver na França é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom”.
Acho que concordo com o ator francês Vincent Cassel, que tem casa no Rio de Janeiro desde 2013 e em 2021 parafraseou Tom Jobim; no original, o compositor de Garota de Ipanema refere-se aos Estados Unidos.
Os seis anos nômades tiveram um grande impacto em minha vida; para o bem e para o mal. Não tenho problemas de adaptação, de modo que hoje sei que posso me virar em qualquer cidade do mundo; da Cidade do México a Bangkok. Por outro lado, convivo com um sentimento constante de não pertencimento; de Paris a Imbituba.
Em minha cidade natal vivem pessoas que amo e sinto saudades, mas não sinto que eu pertença a um lugar específico; não me sinto mais estrangeiro aqui do que lá.
“Não sou daqui, mas também não sou do outro lado. E o mundo não é senão uma paisagem desconhecida, onde o coração já não tem apoio. (…) Estrangeiro, quem pode saber o que esse nome significa? (…) Estrangeiro, confessar a mim mesmo que tudo me é estrangeiro”. (Albert Camus)
De certa forma, essa liberdade em não pertencer é também um alívio; posso sempre recomeçar em um outro lugar. Nada mais me é estranho.
2.
Hoje faz três meses que mudei-me para Paris. Ou talvez foi ontem, não sei.
Isso significa que meu visto de turista venceu. Não, não estou vivendo de forma ilegal. Dei entrada no meu titre de sejour, o título de residência francês, mas o processo leva uns meses; minha situação atual é uma espécie de residência temporária, um limbo judiciário que não me permite sair do Espaço de Schengen.
Recebi um e-mail do órgão responsável para me apresentar dia 06 de outubro no número 42 da Rue Charcot portando os meus documentos para a obtenção da residência definitiva. Felizmente, a comunicação veio por e-mail e existe o Google Tradutor, uma vez que não entendo um caralho do que os franceses dizem.
“Je suis l’étranger
Et ça peut se voir
Je ne parle pas
Tout-à-fait comme toi”“Eu sou o estrangeiro
E isso se pode ver
Eu não falo
Exatamente como você”(Mon Nom, por Rodrigo Amarante)
3.
Samir, o vizinho de baixo, esteve aqui ontem. Ou talvez foi anteontem, não sei.
Entendi o “bonjour”, o “je m'appelle Samir”, o “je ne parle pas anglais”, mas de resto recorremos a linguagem universal da mímica; ele é dono do bar no térreo do prédio (happy hour das 16h as 22h; cerveja 5 euros) e me passou o seu número para que eu o avise caso as coisas fiquem barulhentas.
O bar do Samir reabre na próxima semana após um mês fechado. Agosto na Europa é o equivalente aos meses de dezembro e janeiro no Brasil; tudo para. O que é estranho para mim, uma vez que meu trabalho, que está no Brasil, segue normalmente.
Ser estrangeiro, neste caso, é também ter uma espécie de vida dupla; vivo em dois ritmos, em dois fusos. Quando o relógio marca 13h em Paris, sempre lembro que são 07h no Brasil, “o pessoal deve estar acordando”. Às 17h daqui, quando meu expediente está encaminhando-se para o fim, penso que “agora é meio-dia no Brasil, o pessoal deve estar almoçando”. Quando deito-me, lá pelas 23h, ainda são 18h no Brasil, “o expediente deles deve estar encerrando”. A vida no Brasil não para quando pego no sono.
4.
Ainda não fiz amigos na cidade. E não é porque os franceses são isso ou aquilo ou porque tenham poucos brasileiros vivendo aqui (cerca de 60 mil brasileiros vivem na França; 12 mil em Paris); faltou-me energia social.
O processo para alugar um apartamento em Paris, como contei na 42ª edição desta newsletter, não é fácil. I. e eu vivemos em três endereços provisórios antes de, enfim, nos mudarmos para a residência no prédio do bar do Samir, de modo que minha energia social esteve esgotada nos últimos meses. E aí tem a mudança em si; contratar luz, internet, idas e vindas na Ikea.
A incerteza sobre onde morar também afetou o meu trabalho. Levei uma ou outra coisa com a barriga, fiz o que tinha que ser feito, mal consegui trabalhar no livro.
Agora que este peso foi retirado dos nossos ombros, finalmente estou começando a estabelecer uma rotina. Tenho uma mesa de escritório, uma segunda tela, trabalho rodeado pelos meus livros. Aos poucos, vou criando um pertencimento – ainda que, por ora, apenas da porta do apartamento para dentro.
Antes de fazer novas amizades, no entanto, preciso fazer a manutenção das antigas; ainda não enviei aquele áudio.
👨🎓 Cursos com inscrições abertas:
- Escrita Criativa
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
- Escrita de Viagem
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
– Marketing Pessoal e Produção de Conteúdo no LinkedIn
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
🧠 Para ler, assistir e ouvir:
Em meu texto mais recente no Terra, falei sobre como o futuro do trabalho é não estar disponível o tempo todo.
No LinkedIn, listei 10 coisas que ninguém lhe disse sobre ser criativo.
O estrangeiro, de Albert Camus, não tem exatamente a ver com o tema de viver no estrangeiro que trago na newsletter; é mais sobre sentir-se deslocado. A adaptação cinematográfica, estrelada pelo italiano Marcello Mastroianni, está disponível no YouTube com legendas em português.
Eu fiquei chocado que Djo, que costumo ouvir no Spotify, é um projeto musical do ator Joe Keery (o Steve Harrington de Stranger Things). Ouça o álbum Twenty Twenty; a faixa Chateau (Feel Alright) é a minha favorita.
📩 Para se inscrever:
O Emanuel ajuda criadores de conteúdo a monetizarem seus projetos de forma minimalista.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento:
Você morou ou mora no estrangeiro? Como foi ou tem sido a experiência?
✍️ Notas de rodapé:
O Clube Passageiro é uma comunidade que se encontra uma vez por mês para papear sobre escrita, produção de conteúdo, monetização, livros e viagens – em encontros via Google Meet com duas ou mais horas de duração. Para participar dos próximos encontros e ainda ter acesso ao nosso grupo fechado no Telegram, basta assinar um dos planos pagos da newsletter. Em nosso próximo encontro, que acontecerá no próximo dia 31, 18h do Brasil, falaremos sobre processo criativo. Assine com 30% de desconto.
Por último, mas não menos importante, você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
vocês já têm tupperware?!
Sei bem o que é viver calculando o horário que é no Brasil. Hahahah E por aqui, a vida social não tá muito animadora também. Além de não falar sueco, moro na roça. 🫠