[Passageiro #47] Aliviando o banzo em Paris
Coxinhas, Brahma de cinco euros e trio elétrico com Carlinhos Brown.
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Para ler ouvindo2: Ratamahatta, por Sepultura e Carlinhos Brown.
1.
O pessoal costuma romantizar os cafés parisienses, com suas mesinhas redondas e seus croissants sem graça, mas para mim, imigrante brasileiro em Paris, nada supera a Instituição Bar & Lanches Paulistana, aquele misto de padaria, restaurante e boteco que está presente em cada esquina de São Paulo e cujo interior é sempre igual: mesas e cadeiras de madeira, balcão de granito, geladeira adesivada com a identidade visual de alguma marca de cerveja, piso branco ou cinza, decoração com fotos genéricas de pratos de comida e nomes que seguem uma regra – Joia da Praça X, Estrela da Rua Y, Flor do Bairro Z.
A cerveja da Instituição Bar & Lanches Paulistana está sempre gelada e os garçons, geralmente nordestinos, são os mais simpáticos da cidade. O menu do almoço varia de um dia para o outro: quarta-feira é o dia da feijoada; sexta do peixe – que acompanha arroz, feijão e batatas fritas e que você pode trocar por salada. As refeições são bem servidas, alimentando tranquilamente duas pessoas, mas o garçom sempre lhe dirá que serve apenas uma.
Sentado no balcão do La Bahianaise enquanto tomo uma Brahma gelada e devoro uma porção de coxinhas e outra de bolinhas de queijo, comento com I. que a Instituição Bar & Lanches Paulistana deveria ser reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
– Quanto custou a Brahma? – ela pergunta.
– Cinco euros.
– Cinco euros? Cinco euros numa Brahma?
– É o preço da saudade.
2.
Realizada desde 1745 na Cidade Baixa, em Salvador, a Festa do Senhor do Bonfim, que une o catolicismo com a tradição afro-brasileira, foi reconhecida como Patrimônio Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2013.
"É a mais importante e singular festa que nós temos, acontece há quase 300 anos e envolve uma quantidade inacreditável de pessoas, não é só uma manifestação religiosa, é puramente emocional. E não tem indústria nenhuma por trás, é essencialmente popular", disse na época Carlos Amorim, o então superintendente do Iphan na Bahia.
Já a Lavagem do Bonfim, que não deve ser confundida com a Festa, teve início em 1773, quando os escravizados passaram a ser obrigados a lavar a igreja como parte das celebrações do Senhor do Bonfim. Durante a Lavagem, as portas da igreja permanecem fechadas e as baianas despejam água de cheiro nos degraus e no adro, ao som de toques e cânticos de caráter afro-religioso.
Como a Revista Gama mostrou neste especial, a palavra “saudade” não é exclusividade da língua portuguesa. Temos em nosso vocabulário coloquial, no entanto, uma outra palavra para um tipo de específico de saudade: “banzo” (do quimbundo mbanza, "aldeia") é o sentimento de melancolia em relação à terra natal, uma palavra retirada da cultura afro-brasileira, numa apropriação metafórica, que busca ilustrar o fenômeno da migração e suas implicações para o indivíduo.
Em 1998, como forma de aliviar o seu banzo, Robertinho Chaves, natural de Santo Amaro da Purificação, cidadezinha no interior da Bahia, idealizou a 1ª edição da Lavage de La Madeleine, evento inspirado na tradicional Lavagem do Bonfim que hoje faz parte do calendário da Prefeitura de Paris e no último domingo (10/09) chegou à sua 22ª edição.
“Levamos às ruas toda a diversidade e identidade da cultura brasileira. É lindo ver a integração entre Brasil e França, através da música, da dança e da alegria. É um evento de resistência cultural do povo negro, contra a intolerância e por respeito a todas as crenças”, disse Robertinho, emocionado.
“Há mais de 20 anos realizamos a Lavagem e hoje ela já integra o calendário da cidade e é uma referência mundial. Estamos muito felizes com o grande público que veio e toda essa energia boa”, completou.
3.
A concentração da Lavage de La Madeleine acontece na Place de la République, de onde o trio comandado por Carlinhos Brown sai para conquistar as ruas Paris, passando pela Ópera Garnier até chegar na Igreja de La Madeleine.
Ganho duas fitinhas do Senhor do Bonfim ao pagar a conta no La Bahianaise. No caminho até a Place de la République encontro Cristina e Rodrigo, da Cerveja Rotina, casal mineiro que conheci em Koh Phangan quando ficamos presos na Tailândia no início da pandemia e que, de forma voluntária, são os responsáveis pelas redes sociais da Lavage de La Madeleine.
Com o orçamento mais curto após pagar o preço da saudade no La Bahianaise para aliviar o banzo, nosso grupo opta por reabastecer os motores em um Carrefour qualquer onde as cervejas custam entre 1 e 2 euros. Faz 34 graus na capital francesa.
Ao longo do trajeto até a Igreja de La Madeleine, Carlinhos empolga brasileiros e franceses, que dançam na rua ou em suas janelas com clássicos como Maimbê Dandá e Beija-Flor. Vincent Cassel, ator francês que tem casa no Rio e disse esses tempos que “viver na França é bom, mas é uma merda; viver no Brasil é uma merda, mas é bom” é um dos mais empolgados. Ele é um dos padrinhos da Lavage de La Madeleine.
O banzo bate forte quando Carlinhos canta Velha Infância, faixa clássica dos Tribalistas, seu grupo com Arnaldo Antunes e Marisa Monte. O sentimento de melancolia em relação à terra natal enche nossos olhos de lágrimas.
Recuperados da choradeira, nossa alma é lavada com Água Mineral. Ao meu lado, uma jovem de regata levanta os braços e, com um orgulho nacionalista na voz, me diz para ficar calmo.
– Sou brasileira. Passei desodorante.
Taí outra coisa que sinto falta por aqui.
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🧠 Para ler, assistir e ouvir
Em meu texto da semana no LinkedIn, conto como criar uma newsletter de sucesso.
Estou lendo O jogo da amarelinha e seguindo os passos de Julio Cortázar por Paris (enquanto ouço essa playlist). A próxima edição da newsletter deve ser sobre isso.
Geração 30 e poucos, série italiana da Netflix, é uma comédia bem gostosinha e nostálgica.
Paul McCartney e Dave Grohl cantando Band on the Run, o clássico dos Wings, no Glastonbury de 2022. O vídeo perfeito existe e eu posso provar.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento
O que você nomearia como Patrimônio Imaterial do Brasil?
✍️ Notas de rodapé
O Clube Passageiro é uma comunidade que se encontra uma vez por mês para papear sobre escrita, produção de conteúdo, monetização, livros e viagens – em bate-papos via Google Meet com duas ou mais horas de duração. Assine com 30% de desconto para participar dos próximos workshops e ter acesso ao nosso grupo fechado no Telegram.
ahhhh q delícia de texto.
Tem uma padaria/bar&lanches aqui perto d casa que vou quase todo dia há 3 anos, não sei o nome do rapaz que me atende e nem ele sabe meu nome, sabemos apenas q ele é palmeirense e eu corinthiana, enfim, esses dias ele não tava com a camisa branca dos atendentes e sim com a camisa cinza, chegou felizao na minha mesa e disse: virei gerente do salão :) fiquei feliz por ele, fico feliz td dia q vou lá e vejo ele feliz.
Moro em Sp e nunca morei em outro lugar mas toda vez q volto de férias o primeiro café da manhã tem q ser pão na chapa com requeijão na saída, na padaria, pra matar a saudade/banzo de sp.
boa semana, Matheus :)
Esse final sobre o desodorante, ri demais hahahaha taí uma vantagem de morar numa cidade onde o verão são 2 dias de 27 graus e as pessoas mantém distância naturalmente xD