[Passageiro #48] Quase meia-noite em Paris
Woody Allen e sua New Orleans Jazz Band no icônico cinema Grand Rex.
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Para ler ouvindo2: Si tu vois ma mère, por Sidney Bechet.
1.
O papel do cronista é ser um porta-voz do seu tempo e contar o que viu através da literatura; sem julgamentos, sem juízo de valor. É seu dever ser crítico e propor reflexões sobre o cotidiano, ora através da ironia, ora através da poesia, mas a opinião e o veredito final cabem ao leitor.
Se em uma edição recente desta mesma newsletter afirmo que o que faço aqui não é literatura, mas marketing de conteúdo – do meu jeito, de acordo com as minhas regras, mas ainda assim marketing de conteúdo –, peço licença ao leitor para que hoje, excepcionalmente hoje, invertamos a ordem do nosso acordo tácito; hoje farei literatura.
2.
O Grand Rex é um cinema megalomaníaco localizado no 2º arrondissement de Paris. Construído no início dos anos 1930 pelo proprietário da também icônica casa de shows Olympia, o Grand Rex é inspirado no Radio City Music Hall de Nova Iorque. Sua maior sala comporta até 2.700 pessoas.
O concerto desta quinta-feira não parece chamar a atenção dos transeuntes. Exceto por um ou outro pôster tamanho A4 em cada uma de suas portas, não há um letreiro em sua fachada informando que Woody Allen e sua New Orleans Jazz Band tocarão no Grand Rex esta noite. Uma tentativa, imagino, de não chamar tanta atenção e evitar protestos como os que aconteceram recentemente no Festival Internacional de Cinema de Veneza, quando os diretores Woody Allen, Roman Polanski e Luc Besson foram alvos de manifestantes por suas condutas pessoais suspeitas.
Além das manifestações populares, Allen tem enfrentado dificuldades para rodar seus filmes devido ao boicote de Hollywood. Aos 87 anos, o diretor afirmou em Veneza que Coup de Chance, a 50ª obra de sua filmografia, pode ser a última.
"Eu tenho tantas ideias para filmes que eu tenho vontade de continuar produzindo se fosse fácil financiá-los, mas eu não sei se tenho a mesma energia para sair por aí e gastar tanto tempo arrecadando dinheiro."
3.
O concerto está marcado para às 20h, mas não há o menor sinal de filas quando decidimos entrar no Grand Rex por volta das 19h30; no máximo uma ou outra pessoa perguntando para os seguranças qual a entrada correta para o seu tipo de ingresso; o nosso é o balcon haut.
Presença carimbada em bares novaiorquinos há mais de 40 anos, a New Orleans Jazz Band, banda de Woody Allen, está de volta à Europa pela primeira vez desde o início da pandemia; a primeira turnê por estes lados aconteceu em 1996 e rendeu o documentário e o álbum Wild Man Blues.
Há muitos lugares vazios no Grand Rex, mas é justo dizer que isso parece ir além de um possível cancelamento público; exceto por alguns poucos ingressos ofertados pelo valor mínimo de €42, a maioria dos assentos disponíveis custava a partir de €100.
Respeitando grandes mestres do improviso do jazz, Allen, que afirma ser um músico terrível, vai escolhendo, ao longo do concerto, as músicas que quer tocar com o seu clarinete, desafiando seus parceiros em uma jam típica dos clubes de jazz de Nova Iorque; o repertório inclui versões de músicas de Sidney Bechet, Louis Armstrong, entre outros.
Allen tem um fôlego impressionante para alguém com 87 anos (faz 88 em novembro). Nos intervalos dos seus solos, costuma ficar olhando para o nada, o clarinete apoiado no ombro, pés e mãos batucando no ritmo da música. Ao apresentar a banda, mostra os mesmos trejeitos e maneirismos de seus personagens neuróticos do cinema; Josh Dunn, o banjoísta, é quem recebe a maior ovação.
O diretor de Annie Hall e Manhattan agradece o público parisiense, diz que eles estão muito felizes em estar na cidade, aquele papo protocolar, e despede-se para logo em seguida dirigir seus músicos de volta à cena para o encore; o grand finale, mais três músicas, essas um pouco mais animadinhas, que acordam um público que a essa hora, quase duas de espetáculo, já começa a olhar para o relógio.
Dada a idade avançada de Allen, não é difícil imaginar que essa deve ser, provavelmente, a turnê de despedida da banda em território europeu, um momento histórico; a última dança.
4.
É quase meia-noite em Paris quando vemos uma movimentação estranha em uma das saídas do Grand Rex. Fãs seguram artigos variados – DVDs, livros, pôsteres – e fazem vigília na esperança de uma selfie ou um autógrafo; quem sabe ambos.
Uma van e um sedan, pretos e com películas escuras nas janelas, dessas que vemos nos filmes, aguardam Allen e sua banda. Não tenho nada que ele possa autografar ou mesmo tenho interesse em uma selfie, mas uma carona seria útil, a van parece espaçosa, de modo que convenço I. a esperar a saída dos músicos; são 23 minutos a pé até em casa.
Acomodados ao lado de uma creperia, vemos um senhorzinho de chapéu e óculos surgir no horizonte. Ele passa sem falar com ninguém e os seguranças, que fazem um corredor humano impossibilitando qualquer tipo de contato com o diretor, o acompanham até o sedan, que não é um Peugeot 184 Landaulet, mas avança pela Boulevard Poissonnière seguido pela van em direção, suponho, às escadarias da igreja de Saint-Étienne-du-Mont, onde Gil Pender3 deve estar esperando Allen para um encontro com Hemingway, Picasso e os Fitzgerald.
Agora já é meia-noite em Paris e, sem carona, mas com uma garrafa de vinho comprada de última hora no Carrefour, vamos embora a pé, pensando em qual filme de Woody Allen, um dos maiores diretores de cinema da história e músico terrível, assistiremos antes de dormir. Ou quem sabe a gente só durma; o veredito final não é meu.
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O personagem de Owen Wilson em Meia-noite em Paris.
vocês escolheram qual filme? 👀
É curioso esse fascínio por ver outro lado de artistas que admiramos. Tenho essa vontade de ver Woody Allen e Luis Fernando Veríssimo tocando jazz, mas me parece improvável que irá acontecer. Mesmo sem ter tido a oportunidade, chutaria que vale a pena - se não musicalmente, pelo menos por compartilhar a presença e a curadoria de alguém que marcou a vida da gente. E isso sempre vai ter valor.