[Passageiro #50] Qual é a minha idade mesmo?
Um divertido e nostálgico show do blink-182 em Lisboa.
A newsletter Passageiro é gratuita, porém, ao assinar o Clube Passageiro1 você tem direito a benefícios exclusivos – incluindo workshops mensais – por menos de R$ 10 por mês.
Para ler ouvindo2: What’s My Age Again, por blink-182.
1.
“A sensibilidade dessa geração millennial me parece estar no entre. Lembramos do antes das grandes transformações tecnológicas, aprendemos a lidar com elas enquanto aconteciam e agora tentamos dar conta dos saltos, mas nos sentimos inadequados. Como se tivessem corrido muito à frente do que somos capazes de entender. Tem um mundo ali que já não é mais nosso, que já atravessou a borda, que já está em outra geração. Representada por outra letra, por outros marcadores — tão questionáveis quanto os nossos.”
Trecho da 236ª edição da newsletter
da .
2.
Meu avô paterno foi dono de um supermercado em Imbituba (SC) entre algum momento dos anos 1980 e a virada do milênio. Quando o Supermercado Souza fechou as portas em 2000, herdei um computador 386 de 1991 (nasci em 1989; I. em 1995) com o sistema operacional Microsoft Windows 3.1 instalado e sem acesso à internet.
Em 2003, enquanto o blink-182 lançava seu álbum homônimo (aquele com I Miss You), meu 386 ganhava um upgrade para o Windows 95 (nosso vizinho da frente era um japonês que consertava computadores e, em um dos vários consertos feitos no 386 velho de guerra, sugeriu a atualização do sistema operacional).
Até então eu utilizava o velho 386 apenas para jogar Elifoot 98 (instalação em dois disquetes) e digitar os trabalhos da escola (com belas capas feitas no WordArt). Com o upgrade para o Windows 95 (nessa época a versão mais atualizada do sistema operacional era o recém-lançado Windows XP) pude, finalmente, ter acesso à rede mundial de computadores.
3.
Se você tem mais de 30 sabe o que foi a internet discada.
Para os mais jovens que não fazem ideia do que estou falando, o rolê era basicamente o seguinte: a internet dependia de uma linha de telefone fixo (esses que vieram antes dos celulares, sabe?) e nossos pais liberavam o acesso aos finais de semana ou após a meia-noite em dias úteis (nesse caso não é que eles exatamente liberavam, mas era mais barato nesse horário e entrávamos – “entrar na internet” era um termo – escondidos).
Explicação rápida: “entrar na internet” fora desses horários era super caro. Ah, e enquanto utilizávamos a internet o telefone ficava com o sinal de ocupado; lá em casa, por algum motivo, a internet sempre caía quando alguém entrava no banho.
4.
Quem tinha um amigo cujo irmão mais velho fazia faculdade acabava tendo acesso ao que acontecia lá fora – filmes, séries e bandas que tocavam na MTV; talvez os amigos do eixo Rio-SP não saibam disso, mas o sinal da MTV não pegava no interior de Santa Catarina; aos mais jovens, a MTV, esse canal que hoje transmite apenas reality shows de gosto duvidoso, costumava ser a principal fonte de informação sobre o que rolava na música (o YouTube não existia e as bandas lançavam os seus clipes por lá).
Esses irmãos mais velhos aproveitavam a internet boa das faculdades (ADSL, o nome) para baixar clipes e músicas de forma ilegal através do Kazaa ou do Emule – uma mistura de Spotify e YouTube, mas ilegal – e gravavam CDs no Nero (o software de “queimar” CDs) que eram distribuídos entre os colegas da escola.
– Meu irmão gravou um CD com o clipe novo do Green Day!
– O irmão do meu amigo me emprestou esse CD aqui com um show do blink-182 no Big Day Out!
– O primo do irmão do meu amigo tá com esse CD aqui com várias bandas punks. Tem Bad Religion, NOFX, Sum 41 e até Box Car Racer, aquela outra banda do carinha de franja do blink-182.
5.
Muitas das músicas do blink-182 não envelheceram bem.
Letras sobre pintos, peidos (e peitos), sexo com mães de amigos e até com cachorros; há também algumas com conteúdo que hoje pode (e deve) ser considerado misógino, como Dumpweed e Dysentery Gary, faixas queridinhas dos fãs e que fazem parte de Enema of the State, álbum lançado em 1999 (quando o mundo era outro) e que inclui alguns dos maiores hits da banda de pop punk californiana; incluindo What’s My Age Again e All the Small Things.
Conheci a banda em um desses CDs com clipes que passavam de mão em mão na escola quando eu tinha de 13 para 14 anos e, rapidamente, blink-182 tornou-se uma obsessão.
Em 2004, quando entrei no ensino médio, meus pais investiram em um Pentium IV com Windows XP e internet ADSL – minha vida nunca mais seria a mesma; eu me tornaria o amigo da vizinhança que gravava/queimava os CDs com músicas e vídeos piratas.
6.
Em 2006, deixei de curtir blink-182 e sei lá porque diabos entrei em uma vibe de surf music; Jack Johnson, Donavon Frankenreiter, Pete Murray, The Beautiful Girls.
Na verdade eu sei.
Um ano antes o Tom DeLonge, o rapaz de franja do blink-182, deixou a banda para fundar o Angels & Airwaves (que eu adoro) e caçar ETs. Mark Hoppus e Travis Barker, os outros integrantes, fundaram o +44, banda na mesma pegada mas com um toque mais eletrônico.
Quando o blink-182 acabou, deletei todas as músicas do meu Pentium IV em um impulso adolescente; já a vibe surf music eu credito à uma mudança de escola (da escola para o colégio; do público para o particular) onde fui musicalmente influenciado por colegas paz, amor, maconha & surf; mas também tinham as meninas do colégio que não gostavam de emos/punks esquisitos.
Eu não sabia mais quem eu era. Crise de identidade.
7.
Agora corta para 2008.
Travis Barker, o baterista do blink-182, sofre um acidente aéreo. Ele sobrevive e a banda decide se reunir para gravar um novo álbum – lançado apenas em 2011. Eu estava na faculdade e, movido por uma nostalgia adolescente, volto a ouvir o trio e a acompanhar as notícias sobre a banda através do site Action182, fundado por Bruno Clozel.
Bruno tornaria-se com o tempo um dos meus melhores amigos; em 2020 passamos o lockdown juntos na Tailândia.
8.
Eu nunca fui bom em fazer amigos; principalmente depois de adulto.
Na faculdade fiz amizade com Júlio – hoje o meu melhor amigo – graças ao blink-182. Foi durante a época do acidente do Travis. Aqui, provavelmente, voltei a saber quem eu era.
Em 2015, por um acaso do destino, Júlio e eu, já formados em relações internacionais (por que, meu Deus?), trabalhávamos na mesma empresa – que quase nos levou à depressão; mas isso é papo pra outro texto –, quando Tom DeLonge, mais uma vez, deixou o blink-182 para caçar ETs.
Acabava aqui a nossa esperança em ver um show do blink-182; a banda até seguiu com Matt Skiba, do Alkaline Trio, no lugar de Tom, mas porra, não era a mesma coisa.
9.
O corte agora é para 2021.
Mark Hoppus, o baixista, é diagnosticado com um estágio avançado de câncer. Ele vence a doença e, após outra quase tragédia, Tom DeLonge está de volta ao blink-182 no ano seguinte.
Eles lançam a música ONE MORE TIME em 2023:
Mais velho, mas nada é diferente
No momento, parece tudo igual, eu me pergunto o porquê
Eu gostaria que nos contassem
Não deveria ser por causa de uma doença
Ou de aviões caindo do céu
Eu tenho que morrer para ouvir que você sente minha falta?
Eu tenho que morrer para ouvir você dizer adeus?
Eu não quero agir como se houvesse um amanhã
Eu não quero esperar para fazer isso mais uma vez
10.
Mais um corte. 02 de outubro de 2023.
Estou em Lisboa com I. (é nosso aniversário de três anos) e Bruno (não nos víamos desde a Tailândia) em um show do blink-182. Duas décadas se passaram desde a época de CDs trocados com os amigos da escola e da vizinhança.
Eu não saberia explicar um show do blink-182 para alguém mais novo que eu, alguém de outra geração, alguém que nasceu em uma época em que era ok cantar as letras de gosto duvidoso que eles cantam, mas mesmo assim I. está lá, divertindo-se, cantando comigo e com Bruno os refrães das músicas mais conhecidas, emocionando-se com o discurso de Mark Hoppus sobre depressão e sobre ter vencido um câncer antes de tocar Adam’s Song.
Logo após enxugarmos nossas lágrimas, Tom DeLonge puxa Ghost on the Dancefloor na guitarra. É a música favorita de Júlio, que está em Santa Catarina e nunca teve a oportunidade de assistir o Tom DeLonge de perto 🥁.
Faço uma chamada de vídeo com Júlio durante Ghost on the Dancefloor (como explicar isso para o Matheus do 386 com Windows 3.1?) e, a partir daí, assisto o show quase que pela tela do celular com o meu amigo que está há mais de 10 mil quilômetros de distância – algo que talvez tenha sido motivo de olhares dos desconhecidos que estavam ao meu lado; como assim esse cara pagou caro no ingresso para ver o show pela tela de um celular?.
A real é que o blink-182 nunca foi só sobre música; sempre foi sobre amizade, sobre companheirismo, sobre pirataria, sobre viver de acordo com os seus próprios termos.
Acho que eu explicaria a banda dessa maneira.
11.
O Tom DeLonge?
Ele meio que estava certo sobre os ETs.
👨🎓 Cursos com inscrições abertas
- Escrita Criativa
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
- Escrita de Viagem
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
– Marketing Pessoal e Produção de Conteúdo no LinkedIn
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
🧠 Para ler, assistir e ouvir
Perdeu o workshop do Clube Passageiro que rolou no fim de setembro sobre “Como gerar conexão com o seu público”? Não tem problema. A gravação ficará disponível por 30 dias; assine um dos planos pagos da newsletter com 30% de desconto.
Jon Fosse, escritor norueguês, ganhou o Nobel de Literatura e confesso que nunca ouvi falar dele.
Por outro lado, fiquei muito feliz que Ailton Krenak foi eleito imortal da Academia Brasileira de Letras.
Nessa pegada nostálgica, adorei a série documental Beckham na Netflix.
E seguindo nessa pegada nostálgica, o blink-182 lançou um clipe maravilhoso para DANCE WITH ME que é uma homenagem aos Ramones.
Não tô lendo nada de bom no momento. Dicas?
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento
Você acredita em ETs? Justifique a sua resposta.
✍️ Notas de rodapé
O Clube Passageiro é uma comunidade que se encontra uma vez por mês para papear sobre escrita, produção de conteúdo, monetização, livros e viagens – em bate-papos via Google Meet com duas ou mais horas de duração. Assine com 30% de desconto para participar dos próximos workshops e ter acesso ao nosso grupo fechado no Telegram.
Eu não curto Blink, mas defendo sempre a experiência de ver ao vivo algum artista que foi muito importante pra gente. Tive essa oportunidade algumas vezes e é emocionante porque nos reconecta com uma versão antiga nossa. Não necessariamente melhor, mas possivelmente com menos boletos pra pagar. (Também tive um Pentium IV, mudou a minha vida)
texto emocionante, Matheus <3 em 2019 realizei o sonho de ver spice girls. sp x londres sozinha, sozinha na grade no wemblei stadium, chorando em várias músicas lembrando da Lícia de 1996, chegando no hotel desacreditada que tinha vivido tudo aquilo horas atrás. só quem realiza um sonho do ‘eu adolescente’, de ver um show da banda que a gente amava na época mais bizarra da vida (sério, adolescência é foda), sabe a emoção que é estar na grade ouvindo algo q envelheceu mal mas ainda nos faz bem. sobre blink182, já os adorei demais, mas tive 2x shows deles cancelado há 1 semana da data, $ de ingresso/passagens/hospedagens gasto sem vê-los, então o amor por eles tá cada vez menor, embora essa semana eu sonhei q tava num show deles em algum lugar da Itália rsrsrs boa semana, Matheus e spice up your life <3