[Passageiro #56] O espetáculo da morte no México
Entre altares e alebrijes no Día de Muertos.
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Para ler ouvindo2: El Camino de Mi Alma, por Hermanos Gutiérrez.
13.
“A palavra morte não é pronunciada nem em Nova York, nem em Paris, nem em Londres, porque queima os lábios. O mexicano, ao contrário, está familiarizado com a morte… conta piadas, aproxima-se a ela, dorme com ela e a comemora. É um de seus brinquedos favoritos e seu amor mais firme. Mas é verdade que há talvez tanto medo em sua atitude como na dos outros, mas pelo menos a morte não está escondida (…). A morte [pode ser vista] como nostalgia, e não como a fruição no fim da vida, às vezes [ela] pode ser uma origem. A antiga fonte original é a sepultura, não um útero”.
Octavio Paz, escritor mexicano que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1990.
2.
No México, a morte – tema tabu para muitas culturas – é motivo de celebração e tradição uma vez por ano. Cruzo com ela na esquina da calle 60 com a avenida 10 em Playa del Carmen.
Um mexicano baixinho acerta um pombo com um estilingue. Duas jovens gringas se assustam com o barulho do bicho despencando em meio aos galhos. Para o azar do caçador de pombos, o corpo cai do outro lado de um muro alto. Um outro mexicano, um pouco mais alto e curioso, oferece ajuda. O baixinho sobe na cacunda do seu novo amigo e, finalmente, põe as mãos em sua presa. Tudo no México é teatral.
Continuo minha caminhada após assistir ao espetáculo da morte do pombo. Vejo um pequeno altar em frente a um estúdio de tatuagem. Garrafas de tequila, charutos e doces em meio a flores, velas e incensos. A oferenda é uma espécie de ponte entre o nosso mundo e o dos mortos. Segundo a crença popular, nos dias 1 e 2 de novembro as almas dos que já se foram têm permissão divina para visitar seus familiares, que preparam altares com suas comidas e bebidas favoritas.
Um casal com um cachorro fantasiado de alebrije passa por mim. Em 1936, o escultor Pedro Linares López teve fortes alucinações que o fizeram imaginar um bosque onde viu seres surreais que o acompanharam no caminho de volta à consciência. No percurso, as criaturas gritavam um nome estranho: “Alebrijes! Alebrijes!”. A palavra em si não tem significado algum, mas devido ao sonho, as obras em papel cartão de López que representam esses seres de outro mundo ganharam a exótica nomenclatura. No filme Coco (2017), da Disney/Pixar, os alebrijes desempenham um papel importante como guias espirituais dos falecidos durante o Día de Muertos.
3.
Sei que estou na badalada Quinta Avenida quando um mexicano mal encarado me oferece marijuana. “Você quer ficar chapado?”, ele pergunta em inglês. Dou de ombros e me junto à horda de gringos em direção ao Derrotero de las ánimas con alma, vida y corazón, o tradicional desfile de Día de Muertos de Playa del Carmen.
Há uma pequena discussão em frente ao sempre brega Hard Rock Café. Um senhor de óculos escuros vestido com uma camisa verde e amarela que traz os dizeres “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” é barrado na entrada do lugar por não estar usando máscara. A atendente explica de forma educada que são as regras e que ele deve respeitá-las.
O desfile, que mais lembra o Carnaval do que o Halloween, não é tão pomposo quanto os da Cidade do México ou de Oaxaca, mas diverte os presentes que o assistem através de suas telas luminosas apontadas para homens, mulheres e crianças com rostos cobertos por pinturas de caveira.
4.
Sigo até o Parque Los Fundadores e observo uma movimentação estranha. Um policial tenta acordar um gringo sentado no Portal Maya. O rapaz, que parece o Salsicha do Scooby-Doo e usa crocs, não esboça reação alguma.
Uma ambulância chega. Um enfermeiro avalia os olhos do gringo com uma lanterna. De novo, nenhuma reação. Aos poucos uma multidão de curiosos vai se formando. Há mais gente em volta da cena do que havia no desfile do Día de Muertos.
O rapaz é colocado em uma maca e levado até a ambulância. Uma procissão de fofoqueiros o acompanha. Uma velha, que não saiu do lado dos enfermeiros durante toda a movimentação, atesta em voz alta: “¡Se murió!“.
5.
A alma do gringo ainda deve estar por aí, penso eu. Procuro o bar mais próximo, olho para o céu estrelado e lhe ofereço uma margarita.
– Morrer de crocs é foda – brinco/brindo com I. – Espero que ele tenha encontrado o seu alebrije.
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28 minutos e 45 segundos de Hermanos Gutiérrez nos transportando para outro lugar nos estúdios da KEXP.
90 minutos de David Lynch ouvindo o barulho da chuva, fumando e refletindo sobre arte. Tenho deixado esse vídeo rolando enquanto trabalho e escuto a trilha sonora de Twin Peaks. Extremamente específico, eu sei.
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Tem alguma música que você cantou errado a vida inteira?
Em Band On The Run, dos Wings, na parte em que Paul McCartney canta:
And the jailer man
And sailor Sam
Were searching everyone
Eu sempre cantei:
And Jay, my man
And Samuel Sam
Were searching everyone
Certo dia, ao me ouvir cantar em Playa del Carmen, I. elaborou uma teoria de que talvez Jay e Samuel Sam pudessem ser os seguranças do grupo, uma vez que estavam searching everyone. Foi aí que, ao pesquisar a história da música, descobri que cantei errado a vida inteira.
✍️ Notas de rodapé
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A edição de hoje é uma adaptação de um texto publicado originalmente no meu blog em 02 de novembro de 2021. Pouca gente o leu na época e a newsletter Passageiro ainda não existia.
a primeira que veio em mente foi "maxwell, jump!" no refrão de Jump do Van Halen hahaha
Há algo de poético em morrer nesse dia, nessas circunstâncias, né? Mesmo que seja de Crocs rs E a turma da camisa com a tal frase sempre bate com a falta de máscara, é batata.