#117 – Viajar é fatal para o preconceito
'Não se pode ter uma visão ampla, abrangente e generosa dos homens e das coisas, vegetando num cantinho do mundo a vida inteira.'
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🎧 Para ler ouvindo1: Goca Dünya, por Altin Gün.
📍 Fez, Marrocos
✍️ Por Matheus de Souza
Escritor e viajante. Autor de Nômade Digital, livro finalista do Prêmio Jabuti.
1.
Acordo com uma voz falando coisas inaudíveis em um megafone. Lembro da minha infância em Imbituba, litoral catarinense, quando o carro do gás anunciava sua chegada. Mas estou longe de casa. São quase 6h10 da manhã e o sol acaba de nascer em Istambul, na Turquia, a única cidade do mundo dividida por dois continentes – Ásia e Europa.
Caminho ainda sonolento até a praça Taksim, onde Mehmet, anfitrião do Airbnb em que estou hospedado, me aguarda para tomarmos chá. Ele explica que a voz no megafone recitava uma passagem do Alcorão e que os muçulmanos devem realizar diariamente cinco orações públicas – o Salat.
De maioria muçulmana, a Turquia é o único país islâmico que é laico. Mehmet conta que, apesar dos turcos serem bastante religiosos, não é obrigatório rezar todas as vezes em que os megafones anunciam o Salat – ele confessa ser desleixado em relação a isso.
2.
Conto em um grupo no WhatsApp sobre a experiência de ser acordado por um megafone recitando uma passagem do Alcorão. Um amigo me alerta, em tom de brincadeira, que devo tomar cuidado com os terroristas.
Desde o 11 de setembro de 2001, o preconceito contra muçulmanos foi normalizado na cultura ocidental. Em qualquer tragédia ou acidente, a simples presença de um muçulmano no local o torna suspeito.
De acordo com o dicionário, a palavra ignorância significa “falta geral de conhecimento, de saber, de instrução”. Mark Twain escreveu certa vez que “viajar é fatal para o preconceito, a intolerância e as ideias limitadas”. Ele completou: “não se pode ter uma visão ampla, abrangente e generosa dos homens e das coisas, vegetando num cantinho do mundo a vida inteira”. Podemos dizer, portanto, que, para o famoso escritor estadunidense, quem não viaja é ignorante – no sentido amplo da palavra.
3.
Concordo com o pensamento de Twain, mas com ressalvas. De fato, viajar quebra ideias pré-concebidas, mas isso não acontece de forma automática assim que você pisa em território estrangeiro.
4.
Muito se discute entre meus amigos nômades digitais2 sobre a diferença entre fazer turismo e viajar. Diz-se que os turistas, que geralmente estão em férias e compram pacotes de viagens com roteiros pré-estabelecidos, se deslocam em grupos e que, de forma ignorante, fazem comparações pouco elogiosas entre qualquer coisa que estejam vendo com o equivalente de suas cidades. Os viajantes, no entanto, supostamente se aventuram mais porque querem ter a experiência total do lugar, conversando com locais, provando comida de rua, andando sem rumo pelas cidades sem a obrigação de tirar fotos em pontos turísticos.
Veja que não existe certo ou errado nesta discussão; existem perfis diferentes. E ninguém, na minha opinião, definiu melhor o perfil do viajante do que o meu amigo Lucas Morello do :
“Eu viajo pra sujar a minha alma da cultura que não é minha. Eu viajo pra limpar meu preconceito“.
Só assim podemos conhecer o outro verdadeiramente; só assim percebemos que estereótipos não passam de suposições, que o “outro” é como você, feito de carne e osso, que batalha, sofre, ama, tem sonhos.
5.
O saudoso chef/escritor/apresentador/viajante Anthony Bourdain3 dizia que “você aprende muito sobre uma pessoa quando divide uma refeição com ela”. Meu papo com Mehmet, enquanto tomávamos chá, aconteceu em junho de 2019 – lembro da história quando, mais uma vez, sou acordado por uma voz falando coisas inaudíveis em um megafone; dessa vez em Fez, no Marrocos. Naquela ocasião, em Istambul, eu já estava na estrada há um tempo e tinha visto diversos muçulmanos em minhas viagens. Confesso, com certa vergonha de quem eu era há seis anos, que até então os olhava com o mesmo olhar preconceituoso do meu amigo engraçadão do WhatsApp.
Não nos tornamos pessoas melhores apenas viajando e tendo contato com algo novo. Dizer “eu não tenho preconceitos” é de uma arrogância sem tamanho. Somos todos mais ou menos preconceituosos e qualquer um que não se sinta envergonhado por quem era há dois ou seis anos provavelmente seguirá vegetando num cantinho do mundo enquanto faz piadas preconceituosas no WhatsApp – mesmo que eventualmente dê uma turistada em Cancún ou Miami; ou desça para BC.
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A melhor coisa que li recentemente: esse texto da sobre o mestre Bourdain.
que frase essa do seu amigo! 👏
Ótima abordagem... como sempre ... abraços