[🏴☠️ Medo e Delírio #5] O atleta que amputou um dedo para participar das Olimpíadas
Valeu a pena? Acompanhei a estreia de Matthew Dawson, o jogador australiano de hóquei que amputou um dedo para estar em Paris.
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🎧 Para ler ouvindo1: Apocalypse Dreams, por Tame Impala.
✍️ Por Matheus de Souza
29 de julho de 2024
PARIS, FRANÇA
1.
Em maio deste ano, na 2ª edição de 🏴☠️ Medo e Delírio, contei minha epopeia para assistir o amistoso entre França 🇫🇷 e Estados Unidos 🇺🇸 no polo aquático feminino em evento teste para os Jogos Olímpicos de Paris que marcou a inauguração do Centro Aquático de Seine-Saint-Denis – teve metrô atrasado, falta de sinalização, o famoso “nem o Google Maps localiza” e uma pergunta cretina: imagina nas Olimpíadas?
Pois bem, as Olimpíadas chegaram.
Acordo cedo no sábado (27), dia seguinte à chuvosa cerimônia de abertura dos Jogos, para minha primeira cobertura aleatória in loco: duas partidas de hóquei na grama (artificial); Bélgica 🇧🇪 x 🇮🇪 Irlanda; Austrália 🇦🇺 x 🇦🇷 Argentina.
Caminho até a Gare Saint-Lazare, umas das estações mais movimentadas de Paris, esperando encontrar o caos na Terra, mas pago a minha língua (“imagina nas Olimpíadas?”) e sou surpreendido com a organização, as sinalizações e a proatividade dos simpáticos voluntários que me instruem sobre como chegar no portão 10 e pegar o trem da linha J que me levará até Colombes, comuna na área metropolitana de Paris onde está situado o Stade Yves-du Manoir.
O clima no trem é tranquilo, várias famílias e crianças pequenas, torcedores fardados com as camisas dos seus países, rostos pintados com as cores das suas bandeiras. Sentado ao meu lado, um garotinho francês que deve ter, no máximo, uns cinco anos, comemora ao ouvir no sistema de som que chegamos na estação Le Stade. Seu pai, que deve ter a minha idade, abre um sorriso terno. “Oui, Le Stade”.
2.
Fico pensando no garotinho, na vida de um garotinho parisiense de classe média. O acesso a cultura, as visitas ao Louvre, ao Orsay, ao Palácio de Versailles. Estantes com livros, As Aventuras de Tintim, as livrarias, os cinemas, os teatros. E agora as Olimpíadas. Os Jogos de 2016 no Rio nunca foram uma opção para mim; e eu já era adulto.
3.
No caminho até o Stade Yves-du Manoir, também muito bem sinalizado e com voluntários ainda mais simpáticos indicando o caminho para os torcedores, um outro garotinho me chama a atenção: em uma barraca improvisada na garagem de casa, ele vende os espetinhos de carne feitos pelo pai em uma churrasqueira também improvisada. Dessa vez sou eu quem abre um sorriso terno. Quando criança, eu tinha dois sonhos profissionais: ser jogador de futebol ou ambulante e vender picolé na praia.
4.
Devo dizer que o hóquei na grama (artificial) não é exatamente um esporte que move multidões, ou seja, vamos lá, deixa eu encontrar palavras melhores para não ser cancelado pelos praticantes e entusiastas desse esporte; vamos dizer que, diferente do hóquei no gelo, onde pelo menos os atletas saem na mão de vez em quando, o momento talvez mais empolgante do hóquei na grama (artificial) é quando rola um pênalti.
O pênalti no hóquei na grama (artificial) é um evento ainda mais estranho do que eram os pênaltis da MLS – a liga estadunidense de soccer – nos anos 1990.
Uma música dramática toca nos alto-falantes e no telão uma animação avisa que o árbitro marcou um pênalti para a Bélgica 🇧🇪.
O atleta belga que tem a posse da bola fica posicionado na ponta da área como se fosse um escanteio, enquanto seis dos seus companheiros ficam em frente ao gol – mas fora da área – esperando um passe (!). Quatro defensores irlandeses colocam máscaras de proteção e posicionam-se dentro da trave juntamente com o goleiro (!). O jogador cobra a penalidade máxima com um passe para trás e aí é um Deus nos acuda e gritos de “uuuuhh” nas arquibancadas. Foi assim que a Bélgica 🇧🇪, atual campeã olímpica e o time a ser batido em Paris, fez seu segundo gol e fechou o placar de 2x0 contra a Irlanda 🇮🇪 em um jogo que, se foi morno na grama (artificial), pelo menos foi empolgante nas arquibancadas; os belgas, que não pararam de gritar um minuto, fizeram um duelo divertido com um único e barulhento torcedor irlandês.
5.
O segundo jogo do campo 2 do Stade Yves-du Manoir, o mais esperado do dia, entre a Austrália 🇦🇺 vice-campeã em Tóquio 2020 e a Argentina 🇦🇷 campeã no Rio 2016, foi prejudicado pela chuva fina que não parava de cair e afastou o público – que foi embora mais cedo –, mas é desse embate que vem uma das histórias mais impressionantes de Paris 2024 até aqui.
“Eu daria tudo para participar das Olimpíadas”, os atletas costumam dizer – ou pensar. Matthew Dawson, o camisa 6 do time australiano, levou esse rito de sacrifício a outro nível.
Há duas semanas, Dawson sofreu uma lesão séria em seu dedo anelar direito – ele foi atingido pelo taco de outro atleta e seu dedo praticamente partiu ao meio.
O médico que cuidou da lesão lhe deu duas opções: uma operação em que um fio seria inserido no dedo machucado e, com o tempo, ele supostamente deveria crescer e voltar ao normal – mas levaria meses e Dawson perderia os Jogos – ou uma amputação logo acima da articulação. Dawson, que fez parte do time que ganhou a prata em Tóquio, optou pela amputação. Duas semanas depois, com uma fita enrolada ao redor do pedaço que sobrou do seu dedo, ele estreou contra a Argentina em busca do tão sonhado ouro olímpico.
Após a vitória na estreia, Dawson foi perguntado pelos jornalistas se valeu a pena. “Absolutamente”, ele responde. “Tenho certeza de que há atletas que fazem sacrifícios maiores”.
A alguns quilômetros do Stade Yves-du Manoir onde Dawson dava a sua entrevista, a ítalo-brasileira Nathalie Moellhausen era eliminada no Grand Palais após passar mal durante a sua estreia na esgrima; em fevereiro deste ano ela descobriu um tumor benigno no cóccix, mas resolveu competir mesmo assim.
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Ele chegou a um dos ápices de sua curta carreira e vai saber se seria convocado daqui 4 anos. Faz todo o sentido esse sacrifício. Mas, obviamente, escrevo isso (com 10 dedos intactos) do conforto de não me ver diante desse dilema
Acho que amputar um dedo deve ser fácil se comparado à rotina que um atleta tem que ter para conseguir chegar a uma olimpíada. Não deve ter sido uma escolha tão difícil assim pra ele.
Complicado vai ser colocar o anel de noivado.
Forte abraço, Matheus.