Medo e Delírio #7 – Quando esporte e política se misturam
A primeira medalha da Ucrânia, a justa exclusão da Rússia e os dois pesos e duas medidas do COI em relação à Israel.
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✍️ Por Matheus de Souza
06 de agosto de 2024
PARIS, FRANÇA
1.
Olga Kharlan já tinha outras quatro medalhas em Jogos Olímpicos (ouro por equipes em Pequim 2008; bronze por equipes em Londres 2012; prata por equipes e bronze individual no Rio 2016), mas ainda assim caiu de joelhos aos prantos na pista montada no icônico Grand Palais ao derrotar a sul-coreana Choi Se-bin e conquistar o bronze no sabre individual em Paris 2024 – mais tarde ela ainda levaria um ouro por equipes; agora são seis medalhas olímpicas para a esgrimista ucraniana de 33 anos.
O choro de Kharlan é carregado de significados. Seu bronze, além de ter sido a primeira medalha da Ucrânia nos Jogos Olímpicos de Paris, tem um gostinho especial: em julho de 2023, Kharlan virou notícia ao recusar apertar as mãos da esgrimista russa Anna Smirnova na etapa do mundial da categoria realizado em Milão. Na ocasião, Kharlan, que venceu Smirnova, foi desclassificada e suspensa pela federação internacional de esgrima – o aperto de mãos ao fim da disputa faz parte das regras. Kharlan correu o risco de ficar fora dos Jogos de Paris, mas Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI) e medalha de ouro na esgrima nos Jogos de Quebec em 1976, deu a Kharlan uma segunda chance citando sua "situação única".
A Rússia, assim como a Bielorrússia (Belarus), foi excluída de Paris por conta da invasão à Ucrânia – os países já haviam sido excluídos dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022. Apenas 152 atletas russos estão na França – e eles não podem usar nenhum símbolo nacional, como uniforme ou bandeira. Se algum desses atletas chegar ao pódio, o hino russo não poderá ser tocado.
2.
Dos eventos olímpicos que este intrépido correspondente de Passageiro está credenciado para participar em Paris, a esgrima era um dos mais esperados – não pela modalidade em si (nada contra, juro) –, mas pelas disputas acontecerem no Grand Palais, essa obra-prima arquitetônica localizada no 8º arrondissement de Paris.
O Grand Palais, construído para a Exposição Universal de 1900, evento que celebrou as conquistas do século anterior, é uma celebração da Belle Époque3 e destaca-se por sua grandiosidade e ornamentação – com uma combinação única de ferro, vidro e pedra. O edifício, acostumado a abrigar os mais diferentes tipos de acontecimentos, desde eventos esportivos até exposições artísticas de renome mundial, estava fechado para reformas desde 2021, sendo reaberto justamente para os Jogos Olímpicos, ou seja, mesmo morando na cidade há pouco mais de um ano, essa é minha primeira vez no Grand Palais – daí a empolgação.
Ao gravar e publicar um vídeo no Instagram falando que odeio gravar e publicar vídeos, uma jornalista de um dos maiores veículos de comunicação do Brasil responde que tenho que fazer mais vídeos, que não tem jeito, que mandei super bem, força na peruca, de modo que chego cedo no Grand Palais com a missão de gravar alguns stories para o Instagram – uma espécie de atualização daquelas “oi, estou em tal lugar, onde daqui a pouco vai rolar tal coisa” e uma chamada para um texto na newsletter sobre a primeira vitória de uma brasileira no badminton na história dos Jogos Olímpicos, “clica no link da próxima tela para ler”4, e aí na próxima tela tem uma foto minha apontando para algum lugar onde estará o tal link.
3.
Assim como no badminton, as disputas na esgrima também são simultâneas, com quatro lutas acontecendo ao mesmo tempo em quatro pistas que medem 14 metros de comprimento por 2m de largura. As lutas são divididas em três rodadas de três minutos cada e podem ser disputadas individualmente ou em equipes com três ou quatro atletas. São três modalidades (ou seja, três tipos de armas): florete, espada e sabre; o florete é leve, pesa cerca de 500g, mede 1,10m e possuiu uma lâmina flexível e quadrada; a espada é um pouco mais pesada que o florete, pesa aproximadamente 770g, mede 1,10m e possui uma lâmina triangular e mais rígida; o sabre é uma arma ligeiramente mais leve, pesa cerca de 500g, mede 1,05m e possui uma lâmina retangular que permite golpes tanto com a ponta quanto com o corte da lâmina.
Nathalie Moellhausen, a ítalo-brasileira que lutou mesmo tendo sido diagnosticada com um tumor no cóccix, foi derrotada por 15-11 pela canadense Ruien Xiao, rival da ucraniana Olena Kryvytska em uma das quatro lutas simultâneas que começam exatamente às 13h30 do dia 30 de julho de 2024 no Grand Palais. Kryvytska nasceu em Rostov, na Rússia, mas sempre competiu pela Ucrânia. Em 2022, logo após a invasão russa, disse em uma entrevista (em inglês) para a Deutsche Welle que seus compatriotas “precisam escolher um lado”.
“Muitos estão se mantendo em silêncio e não dizendo nada. Isso não é aceitável porque eles estão envolvidos; eles pertencem à Rússia. Se eles têm muitos seguidores no Instagram, eles têm que falar e dizer que estão do lado da paz e que seu presidente está fazendo coisas terríveis.
Eu entendo que eles podem estar com medo por suas próprias vidas, mas, se eles não fizerem nada, então eles são culpados por associação.”
Em uma luta disputadíssima, Kryvytska vence a algoz de Nathalie por 15-145. Fico feliz duas vezes.
4.
Dias antes da cerimônia de Abertura dos Jogos, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, alertou seu homólogo francês sobre um potencial plano do Irã de atacar atletas e turistas israelenses durante as disputas em Paris.
Um esquadrão antiterrorismo de elite da França foi deslocado para acompanhar o evento de Abertura no Rio Sena e garantir uma espécie de "anel de aço" para proteger os atletas – agentes da segurança interna de Israel também estiveram na retaguarda da delegação do país.
Na semana anterior à Abertura, 15 atletas israelenses e suas equipes foram ameaçados através de emails anônimos. Nas mensagens, afirmações de que, se os representantes de Israel chegassem à França, seriam mortos – fazendo referência ao ataque ocorrido nos Jogos de Munique em 1972, onde 11 israelenses foram assassinados por palestinos ligados ao grupo terrorista Setembro Negro.
O judoca Peter Paltchik, que ficou conhecido por autografar bombas lançadas na Faixa de Gaza, foi o porta-bandeira do barquinho de Israel. Um dia depois da Abertura, o também judoca Tohar Butbull, que também autografou bombas, passou automaticamente para a próxima fase da divisão dos 73kg após seu rival, o argelino Messaoud Redouane Dris, recusar-se a enfrentá-lo. O caso está sendo investigado e Dris pode ser punido.
5.
A primeira vez em que a bandeira da Palestina foi vista em uma cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos foi em Atlanta, em 1996. Majed Abu Maraheel, o corredor de longa distância que teve a honra de carregá-la, morreu em Gaza em junho deste ano durante o deslocamento forçado de seu lar até o campo de refugiados de al Nuseirat.

Uma das justificativas do COI para a exclusão da Rússia é que o país violou a Trégua Olímpica, regulamento que prevê a suspensão de conflitos armados durante os sete dias anteriores ao início dos Jogos Olímpicos e sete dias após o final dos Jogos Paralímpicos.
Além disso, um ponto importante para avaliação do COI para a exclusão de uma delegação é a Carta Olímpica, conjunto de regras e guias para a organização dos Jogos Olímpicos.
Segundo o documento, um país não pode impedir outro país de realizar a sua preparação para os Jogos.
Baseado nesses fatos, o Comitê Olímpico Palestino entrou com uma ação no COI contra a participação de Israel em Paris, alegando o não cumprimento da Trégua Olímpica, visto que o massacre em curso na Faixa de Gaza, que até agora matou quase 40 mil pessoas, tirou a vida de mais de 300 atletas6 palestinos.
O COI, no entanto, não acatou o pedido – dois pesos e duas medidas.
Na zona mista do Grand Palais, ao ser interpelada pelos jornalistas, Kharlan, a esgrimista ucraniana, dedicou a sua medalha de bronze “aos atletas que não puderam estar aqui porque foram mortos pela Rússia”. Como diria sua compatriota Kryvytska, “é preciso escolher um lado”.
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O COI estabeleceu um limite máximo 54 atletas da Rússia e 28 de Belarus nos Jogos Olímpicos de Paris. Entre os critérios, o órgão definiu que atletas que "apoiaram ativamente a guerra" ou fossem ligados a agências de aplicação da lei ou do exército, não seriam autorizados a participar dos jogos. Além disso, apenas atletas de esportes individuais destes países puderam se qualificar para os Jogos. Esse número tão inferior de atletas russos, além dos critérios de classificação do COI, também foi causado pela decisão do Comitê Olímpico da Rússia de não liberar os atletas.
A Belle Époque (expressão francesa que significa “Bela Época”) foi um período da cultura cosmopolita europeia que começou em 1870 com o final da Guerra Franco-Prussiana e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. A expressão também designa o clima intelectual e artístico do período. Foi marcada por profundas transformações culturais que se traduziram em novos modos de pensar e viver o cotidiano.
Você encontra toda essa groselha nos destaques do meu Instagram. Por lá sou o @matheusdesouzacom.
Kryvytska seria eliminada mais tarde por Vivian Kong, atleta de Hong Kong. Na disputa por equipes, Kryvytska também não deu sorte – a equipe ucraniana da espada ficou em 6º lugar.
A delegação da Palestina conta com apenas oito atletas em Paris.
Nossa adorei!!! Muita informação de política envolvida nas Olimpíadas que a gente nem se dá conta. Aliás foi vc falando aqui da Rússia e Bielorrússia que dei conta que não vi atletas destes países competindo…. Passou batido, e que estranho essa coisa de autografar bombas que os israelenses fazem, nada sensato e nem olímpico
Olha como fui atleta de esgrima por um bom tempo, lembro que falávamos que o Florete é a arma dos 3 Mosqueteiros e funciona como um chicote, a espada a arma dos Reis a mais pesada, funciona só a ponta como toque e o Sabre é a arma dos Guerreiros e do Oriente, corta a alma. Adoro essas analogias! Só pra te contar 🤭⚔️
Atletas que assinam bombas não deveriam chegar nem perto das Olimpíadas.
Essa edição da Passageiro deu um nó na garganta.
Obrigado pelo texto, Matheus. Forte abraço!