[Passageiro #23] Marketing literário, 'Tortoaraders' e a criação de comunidades
Escrever bem não basta; é preciso aprender a vender (e contar com a sorte).
Para ler ouvindo: Sculptures Of Anything Goes, por Arctic Monkeys.
Aviso importante antes do início da newsletter: hoje (31/03) é o último dia para você se inscrever no curso de Marketing Pessoal e Produção de Conteúdo e ganhar, de brinde, o curso de Escrita Criativa – uma economia de R$ 597. Garanta o seu combo neste link.
1.
Torto Arado, o premiadíssimo best-seller de Itamar Vieira Junior, já vendeu mais de 400 mil exemplares e foi traduzido para mais de 20 idiomas. Salvar o Fogo, seu novo romance que será lançado em abril, vendeu 35 mil cópias apenas na pré-venda.
“O que faz vender um livro é uma soma de fatores”, me diz Marcelo Amaral, editor de Nômade Digital. Comento com ele que às vezes penso que tínhamos (ainda temos) um produto atual na mão e não o exploramos em sua totalidade em termos de marketing – puxa, o livro foi até finalista do Jabuti, por que não figura na lista de mais vendidos ao lado de clássicos da literatura contemporânea como Do Pai Rico ao Milhão ou Do Mil ao Pai Pobre?
“O seu livro teve lançamento e não sei se você se lembra que não foram tantas pessoas quanto você imaginava. Isso não tira o mérito do livro em si, mas mostra pra você que o marketing do livro não é tão óbvio como pode parecer pra quem não é do ramo”, ele retruca, com razão.
Lembro de estar em Tbilisi, na Geórgia, preparando os posts de divulgação para o lançamento de Nômade Digital, sonhando com um evento lotado, autógrafos e menções na mídia no dia seguinte. A cada publicação no LinkedIn e no Instagram, milhares de curtidas e centenas de comentários de leitores confirmando a presença no evento de lançamento em 15 de agosto de 2019 na antiga Livraria Saraiva do Shopping Pátio Paulista – que, com a crise das livrarias, deu lugar a uma loja de departamentos. Devido ao burburinho nas redes sociais, a editora havia separado 300 exemplares para o grande dia – geralmente, quando se trata de um autor iniciante, meu caso em 2019, as editoras separam entre 100 e 150 exemplares para vender no evento de lançamento.
Chego cedo na Saraiva, peço um café no Starbucks que dividia espaço com a livraria e espero meus fãs que, certamente, tornarão Nômade Digital um best-seller instantâneo. Menos de 30 pessoas, entre amigos, familiares e conhecidos das redes sociais, aparecem.
2.
Uma matéria recente na Folha de S.Paulo sobre o fenômeno de vendas Itamar Vieira Junior atribui o seu sucesso comercial, em parte, aos "Tortoaraders", comunidade de fãs que, no Instagram, reúne mais de 8 mil seguidores.
Eu acompanho a carreira de muitos escritores(as) contemporâneos(as). Tipo, stalkeio mesmo. Sigo em todas as redes sociais, leio entrevistas, esse tipo de coisa. O que vejo, stalkeando essa gente, é uma espécie de movimento que coloca o escritor ou a escritora em uma espécie de pedestal, o artista, a mente brilhante, o ou a intelectual que não pode (nem deve) envolver-se no marketing da sua obra.
Esse tipo de comportamento, na minha opinião, é extremamente burro, elitista e hipócrita. Escritores e escritoras escrevem porque querem (queremos) ser lidos, porque são (somos) egocêntricos, não porque “a literatura liberta” ou qualquer outro clichê do gênero. Reclamam (reclamamos) que “escrever no Brasil não dá dinheiro”, que “é impossível viver de direitos autorais”, mas não querem (queremos) sujar as suas (nossas) mãos com as vendas? Hoje em dia ninguém é uma coisa só, como bem destaca
em sua ótima .3.
"Tortoaraders". Eu acho o nome muito bom.
“O que faz vender um livro é uma soma de fatores”. Marcelo tem total razão.
A comunidade que impulsiona o sucesso comercial de Itamar Vieira Junior foi construída de forma orgânica; não foi um caso pensado. É, no final das contas, “uma soma de fatores”.
Qualquer relatório de tendências de marketing para 2023 – e para os próximos anos – indica que a criação de comunidades é a bola da vez.
Quando iniciei Passageiro, a newsletter, a ideia era apenas compartilhar o processo de escrita do livro, quem sabe criar um hype em torno da obra, mas, pouco a pouco, isso tem se tornado uma espécie de comunidade (Passageiros? Passageirers? O quê vocês preferem? haha). Em quase seis meses escrevendo neste espaço, muitas vezes compartilhando histórias que certamente soam aleatórias – já que vocês ainda não leram o livro e não sabem como tudo isso se encaixa –, somos quase 2 mil pessoas (se 2% dos leitores da newsletter aparecerem no lançamento de Passageiro, o livro, teremos praticamente o dobro de presentes do evento de Nômade Digital).
Minha experiência aqui desde 28 de outubro de 2022, data da primeira edição da newsletter – desde então nunca furei uma sexta-feira –, tem me aberto os olhos para outras oportunidades comerciais dentro do universo Passageiro – na próxima edição vocês saberão o que tenho em mente.
Meu ponto com a edição de hoje é que viver de escrita nunca foi fácil – muitos escritores e escritoras ficaram famosos e famosas apenas após as suas mortes – Franz Kafka e Lima Barreto, para citar dois –, de modo que é nosso papel, sim, pensar em alternativas que ajudem a vender os nossos livros. Não são uns simples posts de divulgação em redes sociais que farão esse trabalho – como eu pensava em 2019.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento:
Vocês gostam de açaí? Eu não. 👀
✍️ Notas de rodapé:
Nômade Digital está longe de ser um Torto Arado, mas sigo dando minhas entrevistas sobre o tema – e o livro. A mais recente foi para o Terra.
Torto Arado transcendeu a literatura e tornou-se tema de uma música do novo álbum do cantor Rubel. Na faixa, que é ótima, ele divide os vocais com Liniker e Luedji Luna. Coloquei Sculptures Of Anything Goes dos Arctic Monkeys no “Para ler ouvindo” porque estou com ela na cabeça há dias. Aliás, eles lançaram, recentemente, um clipe lindíssimo com uma estética retrô que virou padrão desde Tranquility Base Hotel and Casino.
Tranquility Base Hotel and Casino, o álbum conceitual dos Arctic Monkeys sobre um hotel cassino localizado na lua, acaba de me lembrar que estou assistindo uma série maravilhosa na Apple TV+: Hello Tomorrow!.
Você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Olha eu aqui de novo. Seu texto tá me fazendo pensar em mil coisas, mas no meio do meu devaneio, bateu um negócio sobre o seu primeiro lançamento - por favor, sinta-se a vontade para achar bobo, foi só um caminho que minha mente seguiu.
1) Quem era seu público-alvo? Imagino que parte dele sejam pessoas que querem ser nômades e uma parte quem já é. Ou pelo menos já tenha conseguido sair de SP. Difícil reunir essa galera na mesma cidade para um evento talvez. Sei que quando se trata de autógrafos, o lance é presencial, mas vocês fizeram ações online? Não sei se teria algum efeito, mas talvez a sua comunidade participaria mais.
2) Quando eu penso em São Paulo, Av. Paulista - e sei que é a escolha certa em termos de alcance - não sei o quanto as pessoas que estão ali, vivendo esse estilo de vida paulistano, buscam o nomadismo. Eu digo isso porque eu vivi 13 anos em SP e meu maior desejo era sair de lá e ir pra qualquer cidade com menos de 2 milhões de habitantes. Então me peguei pensando que talvez, o seu tema e o seu público em específico, não funcionem tão bem em uma noite de autógrafos tradicional na Paulista :)
Belas reflexões. Precisamos não só aprender a vender, como também entender esse processo com menos preconceito, desmistificá-lo. O pedestal ao qual os escritores são alçados (na grande maioria das vezes, sem razão alguma) também não ajuda em nada. Quanto ao lançamento do seu próximo filho literário, se rolar no Rio, já tens a minha presença confirmada 😉