[Passageiro #65] Faça você mesmo
Correndo o risco de soar piegas, escrevo sobre como a ética punk moldou a minha carreira.
A newsletter Passageiro é gratuita e enviada sempre às terças-feiras1, porém, ao assinar o Clube Passageiro você tem direito a benefícios exclusivos – incluindo workshops mensais e uma comunidade no Telegram para fazer networking e trocar ideia com outros produtores de conteúdo.
Para ler ouvindo2: I Feel So, por Box Car Racer.
1.
O primeiro item de decoração que I.3 e eu compramos para o apartamento foi um pôster do documentário Gimme Danger dos Stooges (não confundir com os Stones). Por algum motivo que desconheço os dizeres estão em japonês. Ruben, o antigo morador do apartamento, é apaixonado pelo Japão, mas não sei se isso vem ao caso. Acho que não. Ele nunca viu o pôster. E eu nunca mais vi o Ruben.
Todos os dias em que me sento para trabalhar olho para o pôster – ele fica logo acima da minha segunda tela. Ruben foi quem fixou na parede o suporte de madeira onde está a minha segunda tela. Ele é fotógrafo e, assim como eu, trabalha por conta própria. Consigo imaginar o Ruben editando suas fotos sentado na mesma cadeira em que estou sentado, trabalhando na mesma escrivaninha em que trabalho, olhando para a sua segunda tela.
Ainda que não tenha sido a intenção quando comprei o pôster dos Stooges, sempre que olho para ele lembro de que quem sou lá no fundo; um garoto punk que vive de acordo com os seus próprios termos; que faz as coisas por conta própria. Às vezes também lembro do Ruben.
2.
Tom DeLonge foi meu primeiro ídolo. Eu deveria ter uns 13 anos quando ouvi blink-182 pela primeira vez. Isso deve ter sido em 2002. Era uma época em que o Napster havia balançado as estruturas tradicionais do mercado fonográfico e impulsionado a pirataria; por que pagar caro num CD se posso fazer o download (ilegal mas não imoral de acordo com a ética punk) das minhas músicas favoritas?
Em 2002 eu ainda não tinha acesso à internet. Eu tinha um computador, um 486 velho de guerra, mas sem acesso à internet. Conheci blink-182 e outras bandas punks da época em CDs piratas que irmãos mais velhos de amigos meus queimavam (esse era o termo). Os CDs, que além das músicas muitas vezes continham também videoclipes (a MTV não pegava no interior de Santa Catarina e o YouTube ainda não existia), circulavam de mão em mão na escola pública.
3.
Meu primeiro CD (original) foi O Samba Poconé, do Skank. Lembro de ir com os meus pais em uma loja de discos (que evidentemente não existe mais) e pedir o CD com a música É uma partida de futebol. Eu deveria ter uns 7 ou 8 anos, foi um presente de aniversário. Também lembro de ficar corado ao perceber que na capa do CD do Skank havia um desenho de uma mulher com o peito nu.
Em 2003 eu já tinha acesso à internet e, além de fazer o download ilegal mas não imoral das minhas músicas favoritas, queimava os meus próprios CDs que meu pai nunca deixava eu ouvir no carro porque as músicas “eram muito barulhentas”.
Em um amigo secreto da família no Natal de 2004, minha mãe me deu de presente o CD homônimo do blink-182 lançado em 2003 – aquele que tem I Miss You, a música que tocava na Malhação. Fico imaginando minha mãe entrando em uma loja de discos em 2004 e pedindo um CD do blink-182. Ela nunca deixou eu colocar um piercing no lábio inferior igual aquele que o Tom DeLonge tinha – ainda bem. Mas a franja emo eu copiei.
4.
O blink-182 nunca foi uma banda muito barulhenta. É o que chamam de pop punk, uma versão mais soft e chiclete das músicas que os Ramones ou os Stooges faziam nos anos 1970. Na virada de 2001 para 2002, cansado de fazer mais do mesmo no blink-182 – naquela altura a banda estava bombando nas rádios, na MTV e em CDs piratas –, Tom DeLonge compôs as canções do que viria a ser o primeiro e único álbum do Box Car Racer, projeto paralelo lançado em 2002. Além de escrever as letras, ele gravou todas as guitarras e o baixo – a bateria ficou por conta de Travis Barker, seu colega de blink-182 que hoje é mais conhecido por ser marido de uma das Kardashians.
O som do Box Car Racer é mais cru, mais barulhento, mais distorcido; é influenciado por bandas de post-hardcore com uma pegada do it yourself4 como Fugazi e Jawbreaker; bandas que meu pai jamais me deixaria ouvir no carro. Box Car Racer é Tom DeLonge tentando se reconectar com quem ele era.
5.
Tento não ser saudosista, sou daqueles que acredita (ou tenta acreditar) que a melhor época é o agora, mas confesso ter uma certa nostalgia dos primeiros anos da adolescência; a falta de responsabilidade; o tempo livre; a curiosidade; e até a falta de recursos que impulsionava a minha criatividade. Acho que os boletos nos deixam menos imaginativos; talvez a vida adulta nos torne mais racionais; e mais chatos.
6.
Estou criando um site para agrupar melhor os workshops e planos do Clube Passageiro. Não sou programador, não sou designer, mas sou curioso – e já tive muito tempo livre para estudar o WordPress. O matheusdesouza.com foi criado por mim em 2013 de forma tosca e amadora (do it yourself) e atualizado ao longo dos anos até a versão atual. Volta e meia recebo um e-mail de alguém querendo saber quem fez o meu site, pedindo referências, e sempre acabo frustrando as pessoas ao responder que eu mesmo fiz. “Mas você oferece esse serviço?”. “Não, não. Faço só pra mim”. Nem toda habilidade que adquirimos precisa se tornar um serviço.
7.
Ter aprendido a mexer no WordPress e ter criado meu próprio site tem mais a ver com a falta de recursos financeiros da época do que com qualquer outra coisa.
Eu queria um espaço próprio na internet para escrever as minhas coisas sem depender de terceiros, mas não tinha grana para contratar alguém que fizesse o trabalho sujo por mim. Por isso fiz eu mesmo. E foi assim que tudo começou – não havia um objetivo comercial por trás. Hoje, o matheusdesouza.com é uma espécie de hub de conteúdo; tudo o que ofereço em termos de serviços e infoprodutos está centralizado lá. O matheusdesouza.com é a sede da Matheus de Souza LTDA.
Quando tive a ideia de criar um site para o Clube Passageiro (adoro o Substack, mas quero ter a liberdade de fazer as coisas do meu jeito; não do jeito deles), pensei em contratar uma agência ou um freelancer para cuidar de tudo; do site, da identidade visual, do branding.
Conheço vários profissionais talentosos que fariam um trabalho incrível, mas todos os dias em que sento na cadeira que era do Ruben e olho para o pôster dos Stooges lembro do garoto punk que queimava CDs, que aprendeu HTML por causa do Fotolog e do Blogspot, que aprendeu a editar imagens em uma versão ilegal mas não imoral do Photoshop, que teve o primeiro contato com a língua inglesa tentando traduzir músicas de bandas barulhentas. Sinto que a cada seção do site que consigo deixar do jeito que quero, do meu jeito, me reconecto com o garoto punk. O Clube Passageiro é o meu Box Car Racer.
💰 Mentoria Monetize
As 8 vagas da Mentoria Monetize encerraram em plena terça-feira de Carnaval, menos de 24h depois de eu ter divulgado em meu Instagram, antes mesmo de eu ter enviado as campanhas de e-mail que havia preparado, de modo que muita gente interessada acabou ficando de fora e, como a voz do povo é a voz de Deus, organizei a minha agenda dos próximos meses e resolvi abrir mais 5 vagas (e uma delas já foi preenchida, ou seja, numa conta rápida, agora são só 4).
Sobre a Mentoria Monetize
A Mentoria Monetize é um programa individual e personalizado com 6 meses de duração para te ajudar a ganhar dinheiro na internet.
Se você é familiarizado com o meu trabalho, já deve ter percebido que não tolero bullshitagem, de modo que durante a Mentoria buscaremos, juntos, formas realistas para você ganhar dinheiro na internet sem precisar romper com os seus valores pessoais.
O que você precisa saber
6 encontros online de 1h30min cada (1 por mês durante 6 meses; você pode escolher as datas e os horários de acordo com a minha agenda – que é bem flexível);
Acesso às gravações dos encontros por 12 meses;
Suporte individual via WhatsApp;
Curadoria de links, livros e ferramentas;
Menção ao seu projeto na minha newsletter;
6 pagamentos mensais de R$ 597,00 (me escreve no eu@matheusdesouza.com caso você precise de melhores condições de pagamento que a gente pensa em algo);
Não é “gatilho da escassez“, mas no momento em que escrevo isso restam apenas 4 vagas.
👨🎓 Cursos com inscrições abertas
✍️ Escrita Criativa
(apenas 12x de R$ 58,16)
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
🎒 Escrita de Viagem
(apenas 12x de R$ 39,62)
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
🧠 Para ler, assistir e ouvir
No final de 2023 realizei o meu sonho adolescente e assisti um show da formação original do blink-182 com Tom DeLonge. Escrevi sobre na 50ª edição da newsletter Passageiro.
Em 2007, muito antes de se falar em monetização de conteúdo digital, Tom DeLonge criou a Modlife, uma plataforma customizável para que bandas e artistas pudessem centralizar suas vendas de forma independente. A companhia fechou as portas em 2017, mas vale ler essa matéria da Fast Company (em inglês) sobre a Modlife e seu modelo de negócios.
Faça como os punks; boa matéria da Revista Gama sobre o legado da geração que adotou o do it yourself como modo de vida.
Confesso que fiquei com um pé atrás porque o filme é horrível, mas Sr. e Sra. Smith, a série do Prime Video com Donald Glover, tem alguns dos diálogos em que mais dei risada nos últimos tempos. Ah, e tem participação do Wagner Moura.
Em uma época em que o YouTube ainda não existia, eu devo ter assistido esse vídeo do Box Car Racer tocando There Is no Jay Leno pelo menos umas 18 vezes por semana. Provavelmente levei uns três dias para fazer o download do vídeo no Kazaa – se você não faz ideia do que eu estou falando, significa que ainda é jovem. Aproveite.
Eu adoro essa esquete do Saturday Night Live com Fred Armisen, Bill Hader, Ashton Kutcher e Dave Grohl em uma reunião da fictícia banda punk Crisis of Conformity durante a festa de casamento da filha do personagem interpretado por Fred Armisen.
Fred Armisen, amigo de longa data de Billie Joe Armstrong, participou de Ordinary Life, filme em que o vocalista do Green Day interpreta um ex-músico que se vê em crise de identidade ao completar 40 anos.
O universo punk costuma ser ocupado em sua maioria por homens, mas que bom que temos The Distillers e The Interrupters.
Essa é a playlist que mais ouvi enquanto escrevia Nômade Digital. O gênero dominante é post-rock instrumental. O barulho distorcido me deixa focado.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento
Qual a sua memória mais marcante da adolescência?
✍️ Notas de rodapé
Excepcionalmente hoje, por motivos de Carnaval, a newsletter está sendo enviada em uma quinta-feira.
Você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Ontem foi o Dia dos Namorados por aqui. I., caso esteja me lendo agora, saiba que eu te amo. 🖤
Inglês para “faça você mesmo”.
Uau, confesso que apesar da trilha sonora por aqui ter sido mais Sandy e Junior, Kelly Key e Avril Lavigne, fui transportada pra minha mesinha de cabeceira, fazendo caras e bocas na frente do espelho enquanto o rádio cheio de adesivo tocava meus CDs piratas ilegais mas não imorais, rs. Poucos anos mais tarde, vivi uma adolescência que até então foi a melhor época da minha vida, talvez não só pelo que ela foi (segura, saudável, ativa, cercada de vários grupos de amigos, cheia de reconhecimento em estudos, esportes, artes...), mas sim pelo que ela representava: muito tempo e muitas possibilidades pela frente. É louco eu com quase 27 anos pensar que não tenho mais tanto tempo ou possibilidades pela frente, né? E pensar que eu nunca mais vou ser tão nova pra fazer qualquer outra coisa como agora. Tentando por aqui olhar esse período com mais compaixão com meus tropeços, e mais paciência com as minhas dúvidas. Ouvindo I Miss You (porque como boa criança do pop eu via muita Malhação rs) cheia de nostalgia por aqui.
Essa news veio bem a calhar nesse dia nostálgico... também vive uma adolescência "punk rock" em SC. Sempre que podia ia a festivais de hardcore e me lembro o quanto me incomodava a ausência de mulheres na música (Distillers foi um dos discos que me dei de presente).
Na minha casa o primeiro CD original também foi do Skank, mas ainda foi um anterior, o Calango. Algo que passei a desvalorizar com o tempo e hoje vejo o quanto teve valor pra minha história.
PS: até hoje tento me policiar pra não falar "CD" em vez de "álbum", acho que vou assumir meu lado cringe e seguir com o termo antigo mesmo 🤘