[Passageiro #71] O brasileiro não muito tranquilo
O sonho de ser correspondente internacional; o medo de possíveis atentados terroristas durante os Jogos Olímpicos de Paris.
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🎧 Para ler ouvindo1: FEAR., por Kendrick Lamar.
1.
Busco por um café com internet na Dong Khoi, antiga Rue Catinat (os franceses estiveram em Hanói), e me deparo com o imponente Hotel Continental. Foi aqui que, na primeira metade dos anos 1950, antes da Guerra Americana (conhecida como Guerra do Vietnã em outras partes do mundo), o autor e jornalista inglês Graham Greene, na época correspondente internacional do The Times (Reino Unido) e do Le Figaro (França), escreveu o clássico O americano tranquilo.
Sento no bar do térreo e peço uma cerveja e a senha do Wi-Fi. Sou o único forasteiro no lugar onde correspondentes internacionais, diplomatas e espiões costumavam confraternizar. A cerveja está quente e o sinal de internet é ruim. Enquanto procrastino meu trabalho, dou uma olhada nas avaliações dos hóspedes do Continental em um desses sites de reservas online. Com diárias a partir de R$ 720 parece ser consenso que o hotel vende ser o que já foi um dia. “Tudo no hotel é antigo e desgastado”, escreve Magdalena, do País de Gales. Brian, da Austrália, reclama do mesmo que eu: “cerveja quente e internet instável”.
Penso em argumentar com o simpático garçom sobre a temperatura da cerveja, mas lembro de uma crônica de J.P Cuenca em que o autor de Qualquer lugar menos agora relata um problema com um carimbo em um aeroporto no Vietnã:
“(…) Faltava algum carimbo ou adesivo para o visto no aeroporto, e todos os turistas, inclusive e principalmente a adolescente com a bandeira dos Estados Unidos estampada na camiseta, tiveram que aguardar.
A expressão sob os estufados quepes verde-musgo desse estado comunista não convidava a nenhum tipo de argumentação. Se em 980 eles expulsaram os chineses depois de mil anos de domínio e no século XV tiveram que os expulsar novamente, no século XIII resistiram contra 500 mil homens do Kublai Khan e, como sabemos, no século XX venceram uma guerra contra o Japão, contra a França e outra contra os Estados Unidos. A autodeterminação do povo do Vietnã e a sua luta contra os maiores impérios da humanidade pelo direito à sua terra não tem precedentes. Não seria eu a tentar abrir um, reclamando sobre o atraso de um carimbo”.
– Está tudo ok? Você quer mais alguma coisa? – pergunta o garçom do bar do Hotel Continental.
– Tudo está perfeito. Mais uma cerveja, por favor.
2.
Minha trajetória acadêmica e profissional está longe de ser linear (ou mesmo pensada), mas no final das contas acho que, ainda que da forma mais torta possível, realizei o principal sonho do Matheus que tinha a metade da idade que tenho hoje.
Em 2006 eu tinha 17 anos e ainda morava na minha cidade natal; Imbituba, Santa Catarina; na época com pouco mais de 40 mil habitantes. Os professores da escola onde eu estudava no último ano do ensino médio organizaram uma viagem até a Feira das Profissões da Univali, uma universidade privada em Itajaí, pertinho da famosa – brega; jeca; sem personalidade – Balneário Camboriú.
Fomos instruídos a escolher quatro opções de cursos de graduação dos quais assistiríamos palestras a respeito.
Minhas escolhas, na ordem, foram:
Relações Internacionais (por conta do “internacionais; juro);
Publicidade e Propaganda (parecia cool);
Jornalismo (eu gostava do Marcos Losekann e da Ilze Scamparini);
Educação Física (!!!).
A primeira palestra do dia foi do curso de Publicidade e Propaganda. Antes mesmo que o primeiro palestrante subisse ao palco, achei tudo too much. Um excesso de estímulos visuais no telão, um techno estilo Summer Eletrohits bombando (provavelmente David Guetta ou Bob Sinclair), um público muito extrovertido. Percebi na hora que aquela não era a minha praia; e tive certeza após uns 5 minutos da palestra de um aluno que parecia o Paulinho Vilhena em Coração de Estudante; fui embora antes do fim.
O público para Relações Internacionais era bem menor; a palestra de Publicidade e Propaganda ocorreu em um auditório; a de Relações Internacionais em uma sala de aula convencional. Lembro de já estar meio cansado – saímos de Imbituba ainda na madrugada – e confesso não ter prestado muita atenção no que foi dito, mas lembro claramente de duas coisas: 1) um diplomata ganhava, na época, em torno de R$ 30 mil e 2) um diplomata tinha a oportunidade de viajar o mundo. Foi assim que decidi qual graduação cursar; nem apareci para as palestras de Jornalismo e de Educação Física; fiquei de rolê pelo laboratório de anatomia analisando minuciosamente cadáveres de indigentes e de outros cidadãos que doaram seus corpos para a ciência; finalizei a excursão jogando sinuca em um bar nas proximidades.
3.
Já como aluno de Relações Internacionais na Unisul, em Tubarão, descobri cedo que não seria um diplomata; é preciso reconhecer as nossas limitações. Foi na faculdade, no entanto, que a vontade de desbravar o mundo cresceu ainda mais em mim; eu brincava com a minha mãe que queria ser igual ao Marcos Losekann, um correspondente internacional, ainda que eu não fizesse a menor ideia do que isso significava.
4.
Desde 1495, a França participou em 50 dos 125 principais conflitos europeus; isso sem contar o estrago feito na África, no Oriente Médio e nos países do Sudeste Asiático que compunham a infame Indochina Francesa.
Em 26 de fevereiro deste ano, Emmanuel Macron, o presidente francês, não descartou a possibilidade de enviar tropas para a Ucrânia. Vladimir Putin, o presidente russo, prometeu a Macron que se ele passasse das palavras às ações, seria como o imperador francês Napoleão, que foi derrotado na sua tentativa de invadir o Império Russo em 1812. "As consequências destas intervenções seriam verdadeiramente trágicas", acrescentou Putin.
5.
Os inimigos da França são muitos; o que faz o governo francês estar sempre em estado de alerta.
Após o Estado Islâmico reivindicar o atentado terrorista ocorrido em 22 de março em uma casa de shows nos arredores de Moscou, a agência de inteligência francesa (DGSI) emitiu um alerta sobre o risco de um atentado “em massa” na abertura dos Jogos Olímpicos; cujos ingressos custam a bagatela de 2.700 euros.
A DGSI teria constatado uma movimentação “fora do normal” entre suspeitos chegados de países como Cazaquistão, Quirguistão e Turcomenistão. O serviço de contraterrorismo francês quer evitar um eventual ataque coordenado em 26 de julho, dia da abertura dos Jogos, diante das câmeras do mundo todo; pela primeira vez na história o evento de abertura não será em um estádio, mas a céu aberto – às margens do Rio Sena.
Há uns meses eu estava em um ônibus de linha nas proximidades do Museu do Louvre quando ouvi um estouro seguido de cacos de vidro voando pelo corredor. Meu primeiro instinto – e imagino que o da maioria dos passageiros – foi um “fodeu, isso é um ataque terrorista”. Por sorte, foi “apenas” um acidente normal de trânsito; um outro ônibus bateu na traseira do nosso; ninguém se feriu. Jamais tive um instinto parecido vivendo no Brasil.
6.
Quando você, querido(a) leitor(a), estiver lendo essas linhas, provavelmente estarei curtindo uns dias de férias nas Ilhas Canárias; um arquipélago na costa da África que pertence a Espanha – os espanhóis escravizaram e posteriormente dizimaram os guanches, o povo nativo canário.
É a primeira vez em muito tempo que viajarei sem o meu computador a tiracolo. Meu objetivo é fazer um detox digital, aumentar meu índice de vitamina D e relaxar (se alguém que me lê ficar sem resposta em aplicativos de mensagens instantâneas durante a semana, já sabe o motivo).
Quando voltar para casa trabalharei no conteúdo da primeira edição de Medo e Delírio nas Olimpíadas de Paris; farei uma espécie de aquecimento até o início dos jogos; tô com umas ideias malucas que não vejo a hora de compartilhar com vocês. Acho que acertei no título2 do projeto.
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🧠 Para ler, assistir e ouvir
“Creators estão recorrendo ao texto, em blogs e newsletters, para escapar dos algoritmos e construir uma comunidade fora das redes sociais”. É o tipo de coisa que venho falando há um tempo, mas as aspas não são minhas; são dessa matéria (em inglês) da Business Insider.
“Por que nem todo conhecimento valioso é facilmente monetizável?”, pergunta a
em sua newsletter.Sempre Paris: Crônica de uma cidade, seus escritores e artistas, estou lendo esse livro da ex-correspondente internacional Rosa Freire d'Aguiar.
Uma série na Netflix: O Problema dos 3 Corpos.
Um reality show coreano na Netflix: A Batalha dos 100.
Aos poucos vou soltando spoilers da cobertura que farei das Olimpíadas. A novidade pra hoje é que estarei nos eventos da esgrima (!!!) feminina. Nathalie Moellhausen, representante do Brasil em Paris, além de esgrimista é diretora de arte e fez um vídeo incrível para comemorar a sua vaga.
Moanin’ In The Moonlight, álbum de 1958 do Howlin’ Wolf, figurão do blues. Boa trilha para cozinhar.
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✍️ Notas de rodapé
Você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Que, no caso, é inspirado no livro Medo e Delírio em Las Vegas, do Hunter S. Thompson; e não no podcast de Brasília.
Me senti muuuito identificada com a parte da carreira acadêmica não-convencional. Eu já passei pelas Ciências Sociais, Agronomia (?) e agora tô na História; ainda não trabalho na área mas pela primeira vez me sinto um pouco mais identificada com o que tô estudando... ou pelos novos horizontes que têm se mostrado. Como adulta, me senti culpada durante bastante tempo por não ser uma pessoa linear num sentido amplo (não só no acadêmico), essa pressão por fazer uma ''escolha acertada e definitiva'' aos DEZESSETE (!!) anos de idade é uma doidera.
Na adolescência eu sentia prazer em ser meio fora da curva, sempre tive consciência dessa minha característica; agora, estou aproveitando o meu ''retorno de Saturno'' pra voltar pro meu próprio eixo descarrilhado hahahah!
Boa viagem :)
que edição!!!