[Passageiro #75] A descoberta da metafísica
Ayrton Senna, Dia do Trabalho e privilégios geográficos.
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🎧 Para ler ouvindo1: Dreams from Yesterday, por Mac DeMarco.
1.
Foi Ayrton Senna quem me apresentou a metafísica. Eu tinha quatro anos de idade – quase cinco – naquele fatídico 1º de maio de 1994 quando a Williams FW16 de Senna passou reto na curva Tamburello e chocou-se violentamente contra o muro do autódromo Enzo e Dino Ferrari a 300km/h. Lembro de Senna mexendo a cabeça dentro do cockpit da Williams FW16, provavelmente um último espasmo, seu amigo Galvão Bueno falando “vai com Deus” quando Senna deixou Ímola em um helicóptero em direção ao Hospital Maggiore em Bologna, Roberto Cabrini anunciando a morte cerebral de Senna, eu dizendo para a minha mãe que “só o que morreu foi o cérebro, ele ainda está vivo!”, “Senna ainda apresenta batimentos cardíacos, respira por conta própria e tem funções vitais estáveis”, “viu, foi só o cérebro!”, eu chorando escondido após Leo Baptista confirmar que Senna não resistiu aos ferimentos e que, sim, ele morreu, não foi apenas o seu cérebro.
A Seleção Brasileira de futebol ainda não havia conquistado o tetra na Copa de 1994 nos Estados Unidos que seria disputada pouco tempo depois da morte de Senna, de modo que, naquele contexto, para um menino nascido nos anos 1980 (ainda que eu tenha nascido no apagar das luzes da década), o sonho não era ser jogador de futebol; não, nós queríamos pilotar carros de F12; queríamos ser o Senna, o Ayrton Senna do Brasil.
2.
Nesse sentido de sonho de criança, digamos que o futebol seja um esporte mais democrático que a F1. Ainda que pouquíssimas crianças que sonham com isso tornem-se profissionais na vida adulta, há um campinho de futebol em toda e qualquer cidadezinha brasileira, há a esperança de ser descoberto por um olheiro em uma peneira ou em um dos tantos campeonatos de escolinhas que participei entre os 9 e 17 anos (a gente dava o sangue sempre que rolava jogo contra as categorias de base do Avaí, do Figueirense ou do Criciúma; isso sem falar do campeonato em que enfrentamos os juvenis da dupla Gre-Nal – e fomos massacrados; assim como os nossos sonhos futebolísticos).
Senna conquistou sua primeira vitória no kart aos 13 anos; Rubens Barrichello ganhou o seu primeiro kart aos 6; ambos nasceram em São Paulo. Além do fator financeiro – um kart custa bem mais que uma bola de futebol –, há o geográfico; diferente dos campinhos, não existem autódromos em toda e qualquer cidadezinha brasileira. Os privilégios começam com a loteria dos CEPs; nascer onde nascemos, muitas vezes, determina a nossa sorte.
3.
Eu aprendi a ler com os gibis do Senninha3. Quer dizer, as prôs do jardim de infância me ensinaram a juntar as sílabas e formar palavras, mas a leitura começou com as histórias de um garoto de oito anos que adorava corridas e disputava provas numa mini-pista do seu bairro (que provavelmente não era Nova Brasília, em Imbituba).
Minha mãe guarda a coleção até hoje.
4.
Ser piloto de F1 em 2024 continua sendo algo que depende quase que exclusivamente de ter nascido com alguns privilégios, mas em outras profissões a internet, felizmente, encurtou alguns deles (os geográficos, pelo menos); é por isso que fico feliz da vida quando vejo alguém como o Whindersson Nunes, nascido em Palmeira do Piauí, cidadezinha com pouco mais de 5 mil habitantes nos cafundós (essa palavra é muito boa) do Piauí, fazendo sucesso por aí.
Quando escrevi Nômade Digital: um guia para você viver e trabalhar como e onde quiser, escrevi porque 1) fui contratado para tal e 2) porque eu queria mostrar para outras pessoas nascidas em cidadezinhas minúsculas no Brasil que, sim, com muito trabalho duro e um pouquinho de sorte é possível desbravar o mundo e escrever a nossa própria história, independentemente de qual seja a cidade natal que consta em nossa certidão de nascimento.
Mas quase não existiu o livro. Ou a história de superação. Ou mesmo essa newsletter.
5.
No feriado de 1º de maio de 2016, eu estava em Jaguaruna, uma cidade de praia em Santa Catarina, completamente desiludido com os rumos da minha carreira e sem sucesso algum com o meu projeto paralelo de produzir conteúdo no LinkedIn para que algo milagrosamente acontecesse e eu pudesse, enfim, me demitir de um emprego que, além de pagar pouco (R$ 1.632,00), me fazia mal; eu tinha 27 anos.
Lembro claramente do momento em que, durante uma epifania de que minha vida é uma merda, nunca serei alguém na vida, ter desistido da ideia de produzir conteúdo e ter decidido enviar currículos do modo tradicional para empresas de Tubarão, a cidade em que eu morava na época.
Passado o feriado, já em Tubarão, acordo em uma manhã preguiçosa de uma segunda-feira qualquer; meu horário era meio maluco e eu trabalhava das 12h30 até às 22h (com um intervalo das 16h30 às 17h30; nem um minuto a mais nem um a menos; deuzolivre ter que lidar com a Andresa do RH). Rolando o feed do Facebook (outros tempos), leio que o Radiohead havia adotado uma estratégia de marketing inusitada para o lançamento do seu próximo álbum. Fico com aquilo na cabeça. Durante o banho um texto desce do chuveiro. Escrevo o mais rápido que posso para não me atrasar para o trabalho e ter que me explicar para a Andresa do RH. Clico em “publicar”, pego a minha bicicleta e sigo para o trabalho. Às 16h30 bato o ponto e saio para o intervalo, dou aquela checada no LinkedIn e percebo que o texto sobre o Radiohead viralizou; mais que isso: textos antigos viralizaram por tabela. Minha audiência subiu de 1 mil seguidores para 18 mil. Desisto da ideia de desistir e, no final do mesmo ano, saio na primeira lista de Top Voices do LinkedIn. Me demito logo em seguida e passo os próximos seis anos viajando pelo mundo e trabalhando de forma remota por conta própria até fixar residência em Paris, de onde escrevo essas linhas; e de onde continuo trabalhando por conta própria.
6.
“Seja você quem for, seja qual for a posição social que você tenha na vida, a mais alta ou a mais baixa, tenha sempre como meta muita força, muita determinação e sempre faça tudo com muito amor e com muita fé em Deus, que um dia você chega lá. De alguma maneira você chega lá.”
Ayrton Senna
7.
Ayrton Senna faleceu em 1994 aos 34 anos, a idade que tenho hoje. Em pouco tempo terei vivido mais que ele; ainda que ele seja eterno.
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🧠 Para ler, assistir e ouvir
Pelo terceiro ano consecutivo sou um dos indicados ao Prêmio iBest na categoria “Influenciador LinkedIn”. Eu queria, genuinamente, pedir que vocês não votem em mim. Entendam aqui o porquê.
Falando em LinkedIn, está de volta por lá a minha outra newsletter – que não é bem uma newsletter porque, apesar de eu ter incríveis 69 mil assinantes, não tenho o e-mail dessa turma, então a newsletter é do LinkedIn, não minha. Em Nômade Digital trago os bastidores de quem produz conteúdo na internet (numa pegada mais LinkedIn e menos Substack). O assunto da semana são os mitos e verdades sobre ganhar dinheiro na internet.
Minha newsletter predileta no Substack (ou em qualquer plataforma) é a
da . A edição mais recente, que fala sobre a viagem dela para Utah e o turismo excessivo, já é uma das minhas favoritas.Falando em newsletter, a
está vivendo da ; mas não se engane: o projeto dela que completou 18 meses é fruto de 18 anos de trabalho; leia aqui.“Ex-BBBs deveriam fechar publis apenas por serem ex-participantes do programa?”, pergunta a
. O que vocês acham?Faz quase um mês que comecei a treinar boxe e tô meio obcecado com isso, de modo que quase tudo o que assisti nesse período tem a ver com luta. Curti bastante Lutas ancestrais, série documental da Netflix em que o ator e entusiasta de lutas Frank Grillo viaja pelo mundo e mergulha nas diferentes culturas marciais para entender suas tradições e motivações. O episódio da Tailândia sobre muay thai é o meu favorito – para a surpresa de zero pessoas.
Se vocês gostam das minhas playlists, precisam ouvir as de I., a minha digníssima. calminhas d+ <3 é a sua obra-prima.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento
Quando criança, qual era o seu sonho?
✍️ Notas de rodapé
Você sabia que a newsletter tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Com quantos anos você descobriu que “F1” na gíria dos mais novos significa “fumar 1” e não “Fórmula 1”? Eu já tinha mais de 30…
O Instituto Ayrton Senna disponibilizou gratuitamente a versão digital de todas as edições do gibi do Senninha. Acesse aqui.
Quando criança, meu sonho era ser uma astrônoma. Até hoje não sei bem o que significa, para ser sincera, mas que eu dizia, eu dizia. 😅
Passageiro é muito especial, sou super fã da forma que você conta histórias. Como uma contadora de histórias em iniciação, me inspiro demais. Muito obrigada 🙏🏼🙏🏼🙏🏼
E com o plus de ser de Floripa. Sinto às vezes como se fôssemos da mesma cidade, só de bairros diferentes.. haha
Abraço.
“Durante o banho um texto desce do chuveiro.” ~ adorei isso aqui!
{ escutando a playlist da I. }