#128 – Fome de Japão
Tomar banho com a Yakuza em Osaka; fugir da polícia em um drift em Nagoya; beber até às 5h com um salaryman em Tóquio; e mais; muito mais.
A newsletter Passageiro é um veículo independente e gratuito cujo conteúdo é escrito de maneira orgânica por um único humano – sem a ajuda de outras “inteligências”. Os textos aqui publicados têm como público-alvo pessoas reais – e não mecanismos de busca ou algoritmos –, de modo que, caso você seja um outro humano, talvez se identifique com o que é escrito neste espaço.
Considere assinar um dos planos pagos para ter acesso a textos exclusivos e outros bônus – incluindo encontros mensais com convidados (humanos) do mais alto calibre (já passaram pelo Clube Passageiro nomes como Carol Bensimon, J.P. Cuenca, Pe Lu, Tira do Papel, Arthur Miller, No Plans For Tomorrow, entre outros).
🎧 Para ler ouvindo1: When the Sun Hits, por Slowdive; Honey Moon, por Haruomi Hosono; Space Song, por Beach House; Parachute, por Hayley Williams – como a edição de hoje é mais longa que o habitual, precisamos de uma trilha à altura.
📍 Japão
✍️ por Matheus de Souza
Escritor e viajante. Autor de Nômade Digital, livro finalista do Prêmio Jabuti.
Prólogo
A pior coisa para um viajante é criar expectativa. A Tóquio da minha cabeça era uma mistura de Lost in Translation, Perfect Days, Velozes & Furiosos, Haruki Murakami, bares de jazz, painéis de neon, luzes estroboscópicas e Anthony Bourdain, que certa feita disse que “conhecer Tóquio é tipo tomar ácido pela primeira vez; um momento transformador, que muda o seu jeito de ver o mundo”, de modo que assim como aconteceu com Bangkok há uns anos – hoje uma das minhas cidades favoritas do mundo –, demorei a reconhecer aquela Tóquio Idealizada & Romantizada a partir das minhas referências.
Em cidades assim, onde tudo e nada acontece, é preciso conquistar territórios como em War, o jogo de tabuleiro que costuma gerar conflitos entre casais. Começo por Shibuya, parece o certo a ser feito, a Shibuya de A. que me indica um standing sushi, pequenos restaurantes frequentados pelos apressados trabalhadores japoneses em que você come em pé, apoiado no balcão, os chefs igualmente apressados vestindo jalecos no estilo happi, belíssimos casacos sem gola de manga 3/4 que lembram um kimono, cortando tiras de salmão com precisão cirúrgica, servindo Asahis na pressão estupidamente geladas, a conta bancária ficando mais magra enquanto engordo a pança com deliciosos sushis e sashimis; e no fim da noite ainda há o melhor ramen que provavelmente comerei na vida; até ter a chance de voltar à Tóquio e comer novamente esse mesmo ramen, também indicação de A., mas antes de Tóquio, antes de Shibuya, antes do standing sushi, antes do ramen, H. e eu cruzando o Japão de carro, e depois Y., japonês de Porto Alegre, levando H. e eu por um Japão que gaijins2 raramente tem a chance de conhecer, e antes ainda Okinawa e os amigos que lá fizemos.
Ainda haverá Tóquio nesse texto, gosto de pensar que sempre haverá Tóquio, mas a partir de agora tento seguir alguma ordem cronológica nesta que é a última edição de Passageiro em um interminável 2025.
1.
“Primeira vez no Japão?”, questiona um simpático e jovem oficial de imigração no aeroporto de Naha, em Okinawa. Entre as perguntas de rotina, todas feitas no tom mais sereno possível, “quanto tempo você pretende ficar no Japão?”, “qual o endereço do seu hotel em Okinawa?”, “você tem uma passagem de volta para o Brasil?”, “ah, você mora em Paris, está indo para lá depois daqui?”, um diálogo inusitado.
“Você está viajando sozinho?”
“Sim”.
“Conhece alguém no Japão? Algum amigo seu está aqui?”
“Um amigo brasileiro chegou em Okinawa anteontem, vamos viajar juntos pelo Japão.”
“Por onde vocês vão viajar?”
“Temos um voo para Osaka em cinco dias. Alugamos um carro pela internet e vamos seguir de Osaka até Tóquio, parando no caminho.”
“Você tem uma foto do seu amigo?”
“Uma foto do meu amigo?”
“Isso. No seu celular.”
Por algum motivo a estranha pergunta me paralisa. Se tenho uma foto de H.? Uma ou outra, talvez, registros de nossas viagens para Tailândia e Índia, algumas da época em que ambos moravam em Paris, mas nunca é uma boa ideia abrir o rolo de câmera do celular na frente de um estranho; ainda mais um oficial de imigração.
“Pode ser a do WhatsApp?” – H. está de boné e óculos, revelando pouco do seu rosto.
“Hum. Ok. Muito obrigado. Você pode seguir para a inspeção.”
Ao longo desses anos viajando já passei por algumas inspeções em aeroportos. Já fui para a temida salinha na Etiópia e na Geórgia e repetidas vezes, principalmente quando viajo sozinho, me vejo tentando explicar meu trabalho e porque tenho tantos carimbos em meu passaporte. Não sei se é o cabelo, as tatuagens, ambos ou neste caso a foto de WhatsApp de H., mas os homens da lei costumam desconfiar que tenho certo envolvimento com atividades ilícitas, de modo que, não tendo nada a esconder, mantenho a calma e um sorriso no rosto porque sei que as autoridades estão apenas fazendo o seu trabalho.
A oficial responsável pela inspeção, também simpática e também jovem, tenta explicar que não fala inglês e mostra um aviso plastificado na língua de Shakespeare pedindo permissão para revistar minha bagagem em busca de drogas. O aviso fala especificamente sobre drogas. A lei japonesa é bem rigorosa neste sentido e proíbe a entrada de qualquer estrangeiro que já tenha tido algum envolvimento com entorpecentes.
“Você alguma vez transportou drogas nessa mochila? Eu saberei.” – ela escreve no Google Tradutor.
Em 1994, durante a Copa Kirin, quando era capitão da seleção argentina, e em 2002, durante a Copa do Mundo, já aposentado dos gramados, Diego Maradona foi impedido de entrar no Japão por ter sido processado criminalmente na Argentina em 1991 por posse de cocaína. Na segunda vez em que teve sua entrada no país negada, Maradona mexeu num vespeiro3: “Eu não matei ninguém e respeito as leis japonesas. Eu não joguei nenhuma bomba nuclear neles. É um contra-senso: se eles querem proteger os japoneses, eles não deveriam permitir a entrada de pessoas dos Estados Unidos."
2.
É impossível falar de Okinawa sem mencionar a Segunda Guerra Mundial. Ou os Estados Unidos. Em 1945, mais de 200 mil pessoas, a maioria civis, tiveram suas vidas ceifadas na maior batalha marítimo-terrestre-aérea da história. Não bastasse isso, a administração de Okinawa foi entregue aos americanos após a Guerra, separando a ilha administrativamente do restante do Japão. O que muitos talvez não saibam é que, antes da Guerra e antes dos Estados Unidos, Okinawa era Ryūkyū, um reino com língua, costumes e sabores próprios que foi anexado ao Japão pela primeira vez em 1879, de modo que os okinawanos não se consideram japoneses – e os japoneses não consideram os okinawanos japoneses.
Dito isso, por esses lados a pergunta “de onde você é?” vem carregada de significados.
“Sou de Tóquio”, responde M., 23 anos. “Mas minha família é toda de Okinawa.”
“Desculpa perguntar isso…”, esse tipo de frase geralmente vem acompanhada de algum questionamento indiscreto, mas a mesa de bar e a hospitalidade de meus novos amigos okinawanos/japoneses me deixa confortável, “…você não sente raiva dos americanos passando pra cima e pra baixo com esses veículos militares?”, me refiro aos jipes da ainda operante base dos Estados Unidos em Okinawa.
“Não. Para ser sincera, não acho que a minha geração ligue para isso. Sabemos da história, claro, mas é passado. Meu avô, nascido e criado aqui, odeia os americanos.”
Ela dá um gole em sua cerveja.
“Mas ele também odeia os japoneses.”
3.
Se por um lado estrangeiros como o saudoso Maradona não são, digamos, bem-vindos no Japão, por outro os oficiais da lei costumam fazer vista grossa para membros da Yakuza, uma organização que teve origem ainda no Japão feudal, no século XVII, e atua em atividades variadas (legais e ilegais) que vão de bares a tráfico de drogas e prostituição.
Por conta da Yakuza e de suas tatuagens características, as irezumi, desenhos que são uma espécie de “uniforme secreto” de seus membros, cidadãos de bem tatuados acabam geralmente sendo associados ao crime organizado, sendo inclusive proibidos de frequentar alguns estabelecimentos públicos como casas de banho, piscinas e até academias.
Felizmente para H. e eu, dois cidadãos de bem tatuados em busca de um sento, as tradicionais casas de banho japonesas, temos agora a companhia de Y., filho de um japonês com uma brasileira que viveu a infância e adolescência em Porto Alegre até se mudar para Hiroshima há oito anos.
Y. é fluente em japonês e será nosso guia na segunda parte da viagem pelo Japão. Ele liga para vários sento e, após ouvir negativa atrás de negativa, encontra um que aceite tatuados, mas avisa que “nessa região é bem provável que tenha alguns caras da Yakuza tomando banho lá. Só tentem não fazer contato visual. E, se virem outros caras massageando as costas deles, é normal, é sinal de respeito.”
4.
Os sento surgiram historicamente para atender moradores que não tinham banheiro em casa, mas permanecem até hoje como um espaço comunitário nos bairros residenciais japoneses, tendo principalmente uma função social; os caras realmente vão lá para trocar ideia (só que pelados).
Antes mesmo de entrarmos, regras são definidas entre os três gaijins: sentarmos longe um dos outros para melhor aproveitarmos a experiência – nada de manjar o gaijin do outro.
O senhorzinho que nos atende fica confuso ao ver três estrangeiros, mas sorri ao perceber que Y. fala um japonês impecável; ele serve de tradutor e nos explica como tudo funciona.
Cada um de nós recebe uma toalhinha, um balde e a chave de um armário – por uns ienes a mais é possível alugar toalha de banho e comprar sabonete e shampoo, mas somos viajantes preparados e fomos equipados com esses itens. Chego no vestiário e dou de cara com os primeiros japoneses pelados. Por que a nudez causa tanto constrangimento?, penso. Tiro primeiro o moletom e a camiseta, depois as meias, até finalmente abaixar as calças e a cueca. Seguro a toalhinha de maneira que minhas partes íntimas fiquem minimamente protegidas de olhares curiosos e me dirijo até o salão com os chuveiros. Escolho meu banquinho de plástico, banquinho similar aos dos restaurantes de rua do Sudeste Asiático, ligo o chuveiro e encaro minha imagem no espelho – as paredes são todas espelhadas, o que causa um estranhamento inicial que rapidamente dá lugar a um certo… conforto?
Foco em aproveitar a experiência de cabeça aberta, ensaboo meu corpo, uma leve espiada num dos vizinhos de chuveiro para aprender alguns movimentos, imito o jeito que ele usa o balde para tirar a espuma das costas, até o inevitável acontecer: dar uma ou outra manjada4 quando algum japonês pelado passa em meu campo de visão.
Não demora até eu ver um primeiro membro da Yakuza, e não, não falo do membro em si, mas de um japonês corpulento com tatuagens de dragões e carpas nas costas. Ele escolhe um banquinho do outro lado do sento e não consigo desviar o olhar de suas tatuagens. Pouco tempo depois um outro tatuado, esse com corpo atlético e os dois braços e o torso completamente preenchidos por desenhos de flores e animais que não consigo identificar, escolhe um banquinho ao meu lado. Tento não mover meu pescoço pelos próximos quinze minutos, presto atenção em minhas próprias tatuagens, será que tem alguém olhando para elas em algum dos espelhos?, até que um japonês de meia idade surge como uma aparição e massageia as costas do meu vizinho tatuado. Os pensamentos intrusivos vencem e dou uma olhadinha. Nossos olhares se cruzam. Vou embora.
5.
Aquela impressão de que “parece que todo mundo está indo para o Japão” quando abrimos o Instagram não é apenas impressão; o país deve registrar mais de 40 milhões de turistas estrangeiros em um único ano pela primeira vez em sua história. Dados divulgados pelo governo japonês revelam que o país contabilizou 39,06 milhões de chegadas entre janeiro e novembro de 2025.
Do lado do turista brasileiro, duas coisas favoráveis: 1) desde 2023 não precisamos mais de visto para entrar no Japão e 2) a desvalorização do iene vem batendo recorde atrás de recorde, o que torna o país uma opção atrativa para quem ganha em real.
Tento não ser o turista chato que chega em um lugar turístico e reclama que, veja só, tal atração está abarrotada de outros turistas, mas Kyoto talvez tenha sido minha maior decepção nesses termos; em 2025, a instagramável cidade viu seus hotéis atingirem quase a capacidade máxima. A solução para frear o turismo massivo? O governo japonês autorizou Kyoto a cobrar uma “taxa de visita” a partir de março de 2026 de até 10.000 ienes (352 reais) por pessoa e por noite em hotéis de luxo5 (bem acima do limite anterior de 1.000 ienes/35 reais); se não pode evitar as multidões, o governo avalia que, pelo menos, pode forçá-las a ajudar a cobrir os custos sociais, físicos e administrativos que o turismo em massa está gerando na cidade.
6.
Das coisas que viajar me ensinou, uma delas é que os melhores restaurantes são aqueles em que não há menu em inglês. Para a nossa sorte, minha e de H., Y. nos leva em vários deles.
Ainda em Kyoto, após as expectativas frustradas na parte turística, vamos parar em uma churrascaria de beira de estrada estilo yakiniku, uma espécie de rodízio de carnes em que você senta em uma mesa com uma grelha e tem 1h30min para comer tudo o que conseguir do menu por 3.000 ienes, cerca de 105 reais na cotação atual (!); basta utilizar um tablet para realizar os pedidos e ser servido por um robô (!).
As bebidas alcoólicas, que não estão inclusas no valor, são servidas por atendentes humanos. Ao deixar três pints de Asahi em nossa mesa, 500 ienes/17 reais cada, o garçom que não fala inglês diz para Y. que não é comum ver gaijins por ali, engata um papo, curioso, sobre o quê diabos três branquelos – um deles que fala japonês – estão fazendo por esses lados.
“Estamos a caminho de Nagoya para assistir um drift.”
O robô deixa vários pedaços de wagyu em nossa mesa já lotada de comida. O garçom dá uma risadinha.
“Acho que eles também não estão acostumados com tamanha falta de educação”, falo em português e Y. traduz para o garçom, que dá outra risadinha.
7.
Eu tinha 17 anos e estava no último ano do ensino médio quando Velozes & Furiosos: Tokyo Drift (2006) foi lançado. Lembro a febre que foi no colégio. DVDs piratas circulando, a inesquecível trilha sonora em pendrives e tocadores de mp3, a ansiedade e o sonho utópico adolescente de completar logo a maioridade, tirar a CNH e sair fazendo drift por aí, de modo que quando Y. nos disse que conhecia uns pilotos em Nagoya, não pensamos duas vezes e colocamos a cidade no roteiro.
Nagoya não é uma cidade turística, mas tem atraído muitos brasileiros por conta de suas oportunidades de trabalho principalmente no setor de construção civil e no porto de Nabeta; e é exatamente próximo ao porto, numa área ocupada por fábricas que fica deserta e escura durante a noite, que o pessoal do drift costuma se reunir nas madrugadas de sábado para domingo.
Chegamos por volta da meia-noite nas proximidades do porto de Nabeta e encontramos alguns jovens japoneses próximos a mureta de proteção da estrada. Um carro tunado está escondido numa rua lateral. No asfalto, marcas de pneus. O tempo vai passando e nada de drift. Os jovens entram no carro tunado e saem em disparada. Y. entra em contato com um amigo.
“Tá rolando uma batida policial, de vez em quando eles fazem isso, mas geralmente lá pelas 3h da manhã os policiais vão embora e o pessoal faz o drift.”
No momento em que resolvemos dar uma volta para matar tempo, dois carros tunados passam em disparada e fazem o retorno deslizando os pneus e levantando fumaça – igualzinho em Velozes & Furiosos! Pelo retrovisor vemos as sirenes da polícia. Esses dois carros seriam o máximo de drift que veríamos naquela noite.
Conforme avançávamos por Nagoya, mais e mais sirenes. Ruas fechadas, barreiras policiais. Carros tunados andando devagar, alguns com os faróis desligados.
“O pessoal está matando tempo no Lawson perto do porto, vão pra lá.” – escreve o amigo de Y. no WhatsApp; Lawson é uma konbini, as lojas de conveniência 24h do Japão.
No estacionamento do Lawson, vários carros tunados estacionados. Ao ouvir pessoas conversando em português, decidimos nos enturmar.
“Um cara morreu semana passada no drift, acho que é por isso que tem tanta polícia na rua.” – diz um piloto brasileiro.
A operação policial, saberíamos no dia seguinte, foi a maior já realizada na história do Japão; 120 pilotos foram autuados; 1 jovem foi preso e teve seu carro apreendido.
8.
Na tarde seguinte, após dormirmos num motel de beira de estrada, deixamos Y. na estação de trem e seguimos, H. e eu, para Fujinomya.
Chegamos na cidade no fim da noite e resolvemos dormir apertados no carro num michi-no-eki, áreas de descanso gratuitas.
Acordo com dor nas costas, mas vale a pena. Da janela vejo o Monte Fuji.
9.
Já em Tóquio, ando a esmo durante a noite por Kabukichō, em Shinjuku, o bairro onde a Yakuza opera a maior parte dos seus negócios na cidade. Desvio de traficantes que insistentemente me oferecem os mais variados tipos de droga, recuso os mais variados tipos de serviços sexuais, entro num bar de jazz.
De volta a Shibuya, perco a noção do tempo conversando com A. pelo WhatsApp e fico trancado do lado de fora da acomodação – a regra é clara: ninguém entra depois das 00h; o relógio marcava 00h03.
Sem lugar para dormir e não podendo voltar para o hotel até às 5h, resolvo explorar a madrugada. Devido à sua alta densidade populacional e escassez de espaço, Tóquio é uma cidade vertical; na madrugada, a vida acontece no interior dos arranha-céus.
Procuro um bar que fique aberto até às 5h para que eu possa matar tempo, tento, em vão, ler letreiros em fachadas, até que encontro algo promissor no Google Maps. O lugar fica no 6º andar, subo as escadas, vejo o que parece ser um outro bar no 4º andar, dou uma espiada, vários salarymen tomando uísque na companhia de mulheres vestindo as tradicionais roupas de gueixa, parece promissor, uma delas vem em minha direção, pergunta em inglês se falo japonês, respondo que não, ela aponta para um sinal na porta, “proibido a entrada de pessoas que não falam japonês”, sigo para o 6º andar.
O bar consiste em um pequeno balcão e deve ter capacidade máxima para cinco pessoas. Um salaryman solitário toma cerveja. Peço uma. Ele fala um inglês limitado, mas puxa assunto.
“Você de onde?”
“Brasil.”
“Nova Zelândia? Adoro Nova Zelândia.”
Decido não corrigi-lo. Passaríamos as próximas cinco horas tomando cerveja e assistindo vídeos de haka no YouTube.
10.
Dezoito dias viajando de carro pelo Japão, quase seis meses ininterruptos viajando pelo mundo através dos mais diferentes modais, o corpo e a mente dando sinais de cansaço. Um fracasso como YouTuber. Gravo um vídeo e não me reconheço nas imagens.
Decido passar meu último dia no Japão no parque Yoyogi, trinta minutos de caminhada saindo de Shibuya. Faz um lindo dia de outono, folhas caídas pelo chão. No caminho até o parque, os banheiros públicos que o sr. Hirayama limpa em Perfect Days. Pesquiso sobre as locações do filme e descubro que o lugar onde o sr. Hirayama almoça diariamente e aprecia o efeito komorebi, a luz do sol que passa pelas folhas das árvores, fica no parque Yoyogi. Compro qualquer coisa num Lawson e faço o mesmo.
11.
De volta ao Brasil após uma rápida passagem por Paris, lembro de algo que A. escreveu lindamente esses tempos: “A cabeça está aqui, mas a barriga e o coração estão no Japão. Coisa que não te falam, é que você passa a vida pensando em conhecer o Japão um dia. Mas a partir do momento que você conhece, você vai passar a vida pensando em ir para o Japão todo ano. Eu, felizmente, já vivo dessa fome.”
Eu também, A. Eu também.
🧠 Para ler, assistir e ouvir
Infelizmente li pouco em 2025 (poucos livros, é verdade, mas li muitas newsletters). Acabei atropelado pela vida. Li bastante Édouard Louis no começo do ano e meio que foi isso. Não tenho um “livro do ano” para indicar, o que é meio vergonhoso para mim. No momento, estou lendo The Almanack of Naval Ravikant, do Eric Jorgenson; bem diferente do que estou acostumado a ler, mas gostando muito.
Também assisti pouca coisa (passei os últimos seis meses viajando sem parar, talvez por isso). O que mais curti acho que foram as séries da Apple TV+; O Estúdio e Amor Platônico, ambas com Seth Rogen; Seus Amigos e Vizinhos; Acima de Qualquer Suspeita; ainda não assisti Pluribus.
O álbum do ano para mim foi Ego Death At a Bachelorette Party, da Hayley Williams (Paramore). Ouvi muito. Principalmente quando estava no Japão. Também ouvi com certa frequência: SABLE, fABLE, do Bon Iver; Deadbeat, do Tame Impala; NEVER ENOUGH, do Turnstile; Essex Honey, do Blood Orange; portals//polarities, do Night Tapes; Heavy Metal, do Cameron Winter; Getting Killed, do Geese; Private Music, do Deftones.
Decepcionou: Guitar, do Mac DeMarco.
Por fim, uma playlist que fiz em Shibuya para pensar em Shibuya; mas não só.
Você sabia que esta newsletter tem uma playlist no Spotify com todas as músicas indicadas aqui? Pois é. A Rádio Passageiro é atualizada semanalmente.
Gaijin (外人) é uma palavra japonesa que significa “estrangeiro”, “não-japonês” ou “forasteiro”, vindo de gai (外, fora) + jin (人, pessoa), literalmente “pessoa de fora”.
E parece ter dado certo. Os japoneses voltaram atrás e Maradona chegou a tempo de assistir à final entre Brasil x Alemanha.
Eu sei o que vocês querem perguntar, mas vamos deixar pra lá.
Bora taxar os ricos!






Poxa, sou doido pra conhecer. Escrevi um livro que se passa no país.
Gostei tanto do seu texto. Em tempo, feliz 2026!