[Passageiro #108] Por que nunca me tornei o influencer que as agências esperam que eu seja
Cronistas e YouTubers de sofá; estar próximo dos 40; ver o mundo com os próprios olhos.
🎧 Para ler ouvindo1: Walk, por Foo Fighters.

📍 Paris, França.
✍️ Por Matheus de Souza
Escritor e viajante. Autor de “Nômade Digital”, livro finalista do Prêmio Jabuti.
1.
Tenho tentado ser uma pessoa mais zen. Estou estudando budismo por conta do livro novo, acabo de retornar de uma viagem de um mês para a Tailândia – em que escapei de um terremoto –, nos fones de ouvido troquei as guitarras distorcidas por violão e voz ou jazz, às vezes piano, apenas o piano, mas tem um lado meu, um lado que me acompanha desde a adolescência, essa fase rebelde da vida, tem esse lado meu mais virado para o punk rock que, bem, estou aqui procurando palavras para esse lado meu, mas a verdade é que tem esse lado meu que é rabugento; ou contestador, apenas contestador, como tenho tentado acreditar ao longo dos anos.
2.
Mês que vem completo 36 anos de idade, o que significa que nasci em 1989. Não me enxergo como alguém dos anos 1980 porque, bem, nasci no apagar das luzes da década, de modo que minhas primeiras referências vêm dos anos 1990 – música, futebol, cinema, TV, moda.
Meu objetivo ao tornar-me oficialmente velho® é não soar como os velhos da “minha época”: aquele tipo de velho reclamão que vive bradando por aí que “no meu tempo era melhor”; sendo eu um rabugento por natureza, digamos que este será um dos grandes desafios da minha iminente velhice.
Não achei o texto original, mas dia desses li no Threads um post de uma Gen Z que disse gostar de comprar revistas porque “parece um Instagram analógico”.
3.
“Cada um de nós vê o mundo com os olhos que tem, e os olhos veem o que querem.”
(José Saramago)
4.
Eu sou o cara que vai num show e pede que a pessoa da frente abaixe a por** do celular porque eu quero assistir a por** do show com os meus olhos e não pela por** de uma tela.
Esses tempos um escritor que gosto (gostava?; além de rabugento sou rancoroso) escreveu no Threads (tenho passado muito tempo no Threads) coincidentemente (ele me lê) após eu ter escrito vários “por**” num texto que “não é escrevendo ‘por**’ no seu texto algumas vezes que você vai desenvolver um estilo mais por** loca de escritor”.
5.
EU VEJO UM POST QUE EU NÃO CONCORDO E EU QUERO COMENTAR!!!
6.
Eu já ganhei um dinheiro legal no LinkedIn fazendo publi, principalmente entre 2017 e 2022, mas o que relato a seguir não é sobre isso; mas talvez explique algumas lacunas na minha carreira como influencer.
Fevereiro de 2018. Pós-golpe contra Dilma Rousseff. É Carnaval. Estou em Santa Catarina. Uma agência de influenciadores me envia uma mensagem no WhatsApp sobre uma ação do governo golpista de Michel Temer no que tange à Reforma da Previdência. Respondo, no privado, que preciso de mais informações, dou um migué para que a pessoa do outro lado do chat me envie um áudio confirmando a proposta e do quê se trata exatamente, “estou no interior de Santa Catarina, o sinal aqui é ruim, não consigo te atender no momento, mas se você me enviar um áudio conseguimos nos comunicar numa boa”, de modo que sim, o rapaz da agência confirma no áudio: ele atende a conta do Governo Golpista Federal, devo criar um post no LinkedIn a favor à Reforma da Previdência; o pagamento é um cheque em branco.
No privado, agradeço ao rapaz pela oportunidade – ele não tem culpa de nada, está fazendo seu trabalho em pleno Carnaval (o que suspeito, devido ao tema da publi, não ser coincidência).
Em público, jogo merda no ventilador. Outros Top Voices2 do LinkedIn fazem o mesmo influenciados por mim – e se fod** junto.
7.
Acontece que a agência que cuidava da conta do Governo Golpista Federal na época era gerenciada por alguns figurões da mídia – não vou citar nomes porque meu advogado não é dos melhores; nas vezes em que precisei recorrer à Justiça, perdi – tempo e dinheiro.
Perdi alguns trabalhos futuros por isso.
Mas o que interessa agora é: tenho alguns prints da repercussão3:
Nessa época eu participava de um grupo de ~ Top Voices do LinkedIn ~, e foi, de certa forma, enriquecedor estar a par do que pensam as cabeças brasileiras supostamente pensantes e mais influentes da maior rede profissional do mundo; exceto por um e outro que concordou com o post chapa branca do Ricardo Amorim, o clima geral era de: “concordo com vocês, acho louvável os posts públicos, mas não quero me queimar com as agências.”
7.
“Do e dont’s”.
Essa é a parte do documento das agências que explica o que o influencer pode ou não fazer em suas redes sociais para fechar a publi:
Isso, supostamente, deveria se aplicar ao conteúdo em si que é entregue para a marca – mas o todo é levado em consideração.
Tipo entregar o esquema do Temer ou escrever “por**” de vez em quando.
Em resumo: quem se posiciona, usa a por** da sua voz para alguma coisa, perde patrocínios; é por isso que a maioria dos influencers fica na sua quando o assunto é sério; talvez até sejam boa gente, tenham suas opiniões, mas dependem do sistema.
Ou você já viu algum influencer (que vive especificamente de publi) fazendo react das merdas que qualquer um dos Bolsonaros fala?
8.
“Popcorn and ice cream sellers sentenced for coup attempt in Brazil.”
(Jair
RousseauMessias Bolsonaro)
9.
React é um fenômeno interessante – e mais uma prova de que eu jamais seria o influencer que as agências gostariam que eu fosse (às vezes o cliente até curte o teu trabalho, mas o cafetão te mantém longe da parada).
Rabugento que sou, nunca confiei – ou sempre desconfiei – daqueles caras que chamo de “cronistas de sofá”. Uma turma, geralmente homens branquelos heterossexuais, apartamento no Leblon ou em Copacabana, bem branquelos – muito branquelos mesmo morando no Rio de Janeiro; provavelmente com falta de vitamina D –, família com sobrenome que diz alguma coisa, que comentam os assuntos do momento no Brasil e no mundo do conforto dos seus sofás; no ar condicionado, acariciando seus gatos, tomando drinks coloridos no fim da noite.
Nunca confiei nesses caras.
E aí tem uma nova geração que faz exatamente a mesma coisa – em assuntos sérios ou não: uns caras que chamo de “YouTubers de sofá”. Uma turma que, geralmente, ainda mora com os pais, cadeira gamer, bonequinhos de anime ou sei lá que por** nas prateleiras, e faz react do conteúdo de quem sai de casa pra ver o mundo com os próprios olhos.
Eu curto react. Curto o Casimiro. Curto o Brino. De verdade.
Mas por**4.
Sai da por** da cadeira gamer. Vai ver a por** do mundo.
Tu tem dinheiro, por**!!!
10.
“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver.”
(Amyr Klink)
11.
O último ponto é: deixando a tal modéstia de lado, eu entendo mais de marketing do que muita gente que trabalha em agência – a galera do combo 1 reels + 3 stories no Instagram; e mais que isso: entendo quanto vale o meu trabalho.
O dinheiro do combo 1 reels + 3 stories é o mais fácil de se fazer nesse mercado, mas eu definitivamente não tô a fim de me prostituir pra isso – que, em linhas gerais e deixando de lado o tipo de serviço prestado, é o que influencers fazem para manter a roda do combo 1 reels + 3 stories girando: criam “conteúdos” que geram engajamento (?) para garantir as métricas (?) que as agências precisam mostrar para seus clientes.
O que me faz pensar, e juro que chego nessa conclusão ao mesmo tempo em que vocês leem, não tinha pensando nisso quando comecei a escrever, é: influencers = prostitutas e agências = cafetões; clientes são sempre clientes; e eles sempre têm razão – é por isso que nunca me tornei a putinha5 que essa turma espera que eu seja.
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🧠 Para ler, assistir e ouvir
Sobre esse rolê de influencers e bastidores, contei o que vi aqui em Paris cobrindo as Olimpíadas ano passado.
Tô lendo “Dias na Birmânia”, do George Orwell – pessoal conhece ele por “1984”, mas por**, o cara inventou o jornalismo literário antes que esse termo tenha sido cunhado.
A melhor newsletter do Substack Brasil é a da e eu posso provar: a edição mais recente bateu diferente.
Sobre vender direitos autorais para o cinema/tv: a da contou a experiência dela e me fez perceber que talvez eu esteja sendo passado para trás num projeto aí…
A da sente saudade de não precisar ser a única responsável por si mesma; eu também.
O filme é de 1987, eu nunca tinha ouvido falar, mas dei play por conta no elenco com Steve Martin e Martin Short: “Três Amigos”, disponível no Prime Video. Bela companhia para um fim de noite qualquer em que você não quer pensar em nada.
Aquele medo de FINALMENTE conseguir; um vídeo do sobre autossabotagem.
Três álbuns que tenho ouvido muito – todos no mesmo estilo (uma coisa calminha pra ouvir numa floresta):”SABLE, fABLE”, por Bon Iver; “Heavy Metal”, por Cameron Winter; “Karaoke Moon”, por Warhaus.
Você sabia que a newsletter Passageiro tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Hoje em dia me sinto muito ridículo escrevendo isso.
Aqui tive a primeira experiência sobre como as coisas acontecem na grande mídia: um portal usou meu post no LinkedIn como furo jornalístico, como se eu tivesse dado uma entrevista – e como se o Vampiro tivesse, pessoalmente, tentado entregar uma maleta cheia de dinheiro para mim; a partir daí, vários portais apenas replicaram a matéria – que gerou outras matérias; inclusive com uma entrevista mentirosa de um dos diretores da tal agência.
Eu tô por** loca demais nesse texto!!!
Foi sem “*” e tudo! Na torcida que aquele escritor não encrenque com o termo – vou ficar de olho perfil dele no Threads!
confesso que eu não tenho nenhuma paciência para influencers, sobretudo os que falam sobre "tudo", sem um foco específico, sem embasamento nenhum, só com as "vozes da minha cabeça".
Bah bicho, esse texto aí bateu muito com algo que vem martelando na minha cabeça há semanas, que é o que venho chamando de O Grande Teatro Corporativo.
Porr*, quase tudo o que diz respeito à trabalho/meio de se sustentar virou (ou sempre foi?) uma grande encenação; trabalhador que finge que gosta da empresa, pra não correr o risco de perder o trampo; empresas que fingem que se importam com os trabalhadores para ficarem minimamente bem na foto (pq se for depender de condições de trabalho, estão fud**); "influencers" que existem só pra faturar; gente que segue influencers, pq... pq mesmo? mas enfim, pra se sentirem iguais a outros.
Porr*, que grande cagad** tudo isso cara. De 10 postagens que eu vejo no LinkedIn, eu dou uma virada de olhos pra 9.
Igual a você, eu tô no time dos rabugentos, digo, contestadores, e acho que tô precisando buscar essa fase zen também, pq se seguir do jeito que tá, rapaz...