[Passageiro #100] Nada a perder
Cheguei longe demais para não continuar arriscando; 837 inscritos na PassageiroTV; 100 edições na newsletter.
🎧 Para ler ouvindo1: Time Moves Slow, por BADBADNOTGOOD & Samuel T. Herring.
✍️ Por Matheus de Souza
Escritor, educador e TEDx Speaker. Autor de “Nômade Digital”, livro finalista do Prêmio Jabuti.
1.
A escrita me levou mais longe do que sequer imaginei chegar; escrevo isso de Paris assim como já escrevi centenas de linhas em algumas dezenas de lugares no estrangeiro. O que tento dizer aqui é que, caras como eu, caipiras nascidos no interior do interior de estados como Santa Catarina – estados em que a literatura, essa coisa de esquerdista, está longe de ser valorizada –, nascem e morrem na maioria das vezes sem qualquer pretensão artística e, em caso de sorte, isto é, em caso de nascerem nas casas certas e com os sobrenomes certos, acabam tornando-se engenheiros, médicos ou advogados, compram seus HB20s brancos, livros de colorir para adultos, Café com Deus Pai, Café com Deus Pai Teens, Café com Deus Pai Kids, beach tênis, descem para BC com suas JBLs tocando As Melhores do Sertanejo Universitário, grupos de corrida, férias em Orlando, apartamentos na planta em Itapema – porque em BC está muito caro –, filhos batizados com nomes curtos – Enzo, Noah, Gael, Ravi, Theo – e, durante toda a sua existência na Terra, não perdem tempo questionando porque as coisas são do jeito que são; essas pessoas aceitam e amam o status quo; essas pessoas são felizes; e eu, de certa forma, as invejo.
2.
Os mais estudiosos dentro desse contexto de caras como eu, geralmente aqueles nascidos nas casas erradas e com os sobrenomes errados, tentam uma aprovação em concursos públicos tipo Polícia Federal, INSS ou Banco do Brasil (em 2012 fiquei em 3º lugar num concurso para escriturário do BB e nunca fui chamado; eram 2 vagas) que garantirão estabilidade financeira e, quem sabe, o mesmo estilo de vida dessa outra turma que teve um pouquinho mais de sorte na loteria dos CEPs e, bem, de verdade, que bom que nada disso aconteceu comigo. E nada contra, ok? Absolutamente nada contra. De verdade. Tá tudo bem viver assim; o problema, para um outro tipo de caras como eu, um terceiro grupo, esses sonhadores utópicos fodid** com suas pretensões artísticas, é que é praticamente impossível encontrar qualquer tipo de felicidade ou propósito nesse tipo de vivência. E que fique claro: o problema sou eu; não eles.
3.
Além de desbravar o estrangeiro, a escrita me deu um outro privilégio: a honra e o prazer de trocar ideia com pessoas que fizeram (e ainda fazem) parte da minha formação como leitor e escritor.
Num café qualquer de Porto Alegre, pede um cappuccino (se me lembro bem foi um cappuccino; eu estava nervoso com o encontro, de modo que ela pode ter pedido outra coisa), eu peço um negroni (lá pelas 16h30; uma tentativa de intoxicar o nervosismo e me tornar mais falante), o negroni faz efeito e falo pelos cotovelos sobre um dia, quem sabe, viver só de livros, mas chego à conclusão que “esse dia provavelmente jamais chegará” e, no Uber, já no pós-rolê, penso no que eu disse (tentando repassar no caminho se não falei alguma besteira durante a conversa, se não passei vergonha) e é naquele Uber, naquele Uber em Porto Alegre, curiosamente um HB20 branco pilotado por um motorista chamado Enzo (!!!; já temos Enzos dirigindo!!!), que, aparentemente do nada, assim como Haruki Murakami certo dia decidiu ser romancista durante uma partida de beisebol, eu, Matheus, decido: terei um canal no YouTube.

4.
Também sobre a honra e o prazer de trocar ideia com pessoas que fizeram (e ainda fazem) parte da minha formação como leitor e escritor:
“O realizador português Miguel Gonçalves Mendes e os escritores brasileiros Tatiana Salem Levy e João Paulo Cuenca viajaram até ao Extremo Oriente para uma troca de experiências com artistas e pensadores de Macau, Hong Kong, Vietname, Cambodja e Tailândia. Desse contacto, que surgiu depois dos 3 autores terem sido convidados a estar presentes no ‘1º Festival Literário de Macau - Rota das Letras’, nascerá a série de vídeos Nada tenho de meu, descrita pelos seus autores como ‘uma mistura de caderno de viagens e ficção’.”
“Mistura de caderno de viagens e ficção”.
Lembro de ter assistido os vídeos de Nada tenho de meu na época de seu lançamento (2012; eu tinha 23 anos!), uma época em que eu ainda não havia empreendido a minha própria jornada pelo estrangeiro, de modo que revisitar os vídeos uma década depois após o próprio enviar o link nessa mesma Passageiro em um texto sobre a Tailândia, me deixou pensativo sobre o papel do escritor; e isso aconteceu 1 mês antes do café com a Carol.
5.
Desde que me mudei para Paris, na metade de 2023, tenho tentado fazer amigos na cidade. Não é fácil. Não é fácil por conta da idade (faço 36 em maio!), por eu não ser fluente em francês – de modo que tenho tentado fazer amizade com outros brasileiros – e, principalmente, por conta de gente da minha faixa etária já ter suas panelinhas e não sentir a necessidade de gastar sua energia social com mais uma pessoa.
Dado o contexto, trago uma curiosidade: em conversas com outros brasileiros expatriados, em que reclamo sobre ganhar em real e gastar em euro, costumo ouvir “mas você não pensa em tentar um trabalho aqui?”; “não”, respondo, “já cheguei longe demais com a escrita”. A pergunta costuma ser genuína, ela faz sentido, essas pessoas não conhecem a minha história, não sabem que foi justamente a escrita (em português!) que me trouxe até aqui, de modo que não levo para o lado pessoal, jamais levei, porém confesso que isso tem me feito enxergar as coisas com outros óculos: já fiz coisa para cace**, já fiz meu nome, e é justamente por já ter feito meu nome que não devo me limitar ao rolê do escritor: é preciso pensar além.
6.
Celebramos autores do passado que, supostamente, viviam dos seus livros, mas a realidade é que a grande maioria dos nomes que cultuamos hoje tinham um segundo emprego (que no caso era o primeiro!) – sem contar aqueles e aquelas que ficaram famosos(as) depois de baterem as botas.
Estou cada vez mais convencido que o papel do escritor em 2025 – e daqui para frente – é bem diferente do papel do escritor na época em que escritores que cultuamos viviam; e vou além: ao mesmo tempo em que estou sempre reclamando da lógica utilitarista das redes sociais, dos seus algoritmos e etc., sou o primeiro a reconhecer que foi justamente a junção de tudo isso que me trouxe até aqui; que me deu uma voz; que me tirou de um emprego que me fazia mal no interior do interior de Santa Catarina. E, pensando nesses autores e autoras do passado que amamos, não consigo deixar de imaginar uma Clarice Lispector influenciadora no Instagram com frases de efeito ou mesmo um Charles Bukowski fazendo barulho – para o bem e para o mal – com vlogs inconformados no YouTube sobre o mercado literário.
7.
Respondendo aos aspirantes a amigos em Paris: começar uma carreira internacional nessa altura do campeonato seria começar tudo de novo do zero – e em outra língua.
8.
Desde que me mudei para este lado do mundo, tenho dado mais atenção aos autores franceses contemporâneos; Emmanuel Carrère, Annie Ernaux, mais recentemente Édouard Louis; autores com um projeto autobiográfico (autoficção?) que têm documentado suas vidas no papel. Penso alto: em 2025, com as ferramentas que temos, com as redes sociais, as mesmas redes sociais que tanto reclamamos, por que nós, escritores e escritoras, não nos assumimos como artistas e adaptamos nossa escrita para outros formatos?
É com base nesses questionamentos – e num negroni que me deixou falante – que nasce a PassageiroTV, um espaço além do texto em que vocês, a partir de agora, poderão viajar comigo não apenas através das palavras, mas também pelos meus olhos; quero trazer bastidores, reflexões e conversas que não cabem na newsletter; quero levar vocês para viajar o mundo comigo, quero que vocês acompanhem o processo de escrita de um livro (ok, fui bem específico aqui e talvez isso seja um spoiler do que está por vir… 👀).
9.
São 16 anos (!!!) produzindo na internet (o matheusdesouza.com é de 2013, mas antes tive um blog em 2009), de fato cheguei muito longe em português para começar em outra língua do zero, de modo que faço um apelo a você que acompanha e gosta do meu trabalho: assine a PassageiroTV. É gratuito. O comprometimento será o mesmo da newsletter – que comemora 100 edições hoje!; com a diferença que lá, no YouTube, consigo monetizar o canal em dólar! – carreira internacional!; mas para isso acontecer tenho que ter, no mínimo, 1 mil inscritos (nenhum vídeo foi ao ar e já temos 837!; MUITO OBRIGADO, de verdade!).
Meu ponto com esse texto não é uma autocelebração, uma autopromoção, uma autoqualquercoisa: é uma constatação. A constatação de que a escrita é apenas o fio condutor daquilo que realmente gosto e quero fazer até o fim dos meus dias: contar histórias através da arte.
Como David Bowie cantou em Lazarus, como Anthony Bourdain costumava falar na abertura de seu primeiro programa de TV: eu não tenho nada a perder.
PS:
Um PS a quem interessar: esse começo de ano tem sido desafiador por aqui. Acho que essa é a palavra: desafiador. Essa é mais uma edição sem dicas do que ler, assistir e ouvir porque eu não tenho tido muito tempo pra isso. Minha cabeça, em termos de trabalho, está focada em criar; não em consumir. Mas voltamos em breve ao normal. Juro. Adoro quando vocês curtem as dicas que eu dou.
PPS:
100 edições de Passageiro! Teve alguma que te marcou? Conta aí!
💰 Mentoria Monetize
Um programa individual e personalizado com 6 meses de duração para te ajudar a monetizar o seu conteúdo/conhecimento; e que em 2024 ajudou mais de 20 criadores dos mais diversos nichos.
🏴☠️ Faça Você Mesmo
Um curso online e gravado com a mesma metodologia que ensino na Mentoria Monetize; sem o acompanhamento e os encontros individuais ao vivo, mas por um valor mais acessível.
Sou seu fã na Newsletter, suas Crônicas prendem minha atenção e vou me tornando um membro contribuinte. Me inscrevi na TV, sigamos.
medo e delírio foi incrível, mas o que me fez pegar o gancho de ler, não só a sua, mas outras newsletters também, foi o texto da casa do saramago. um dos meus autores favoritos, com uma casa ilhada e sua escrita poética pra descrever o caminhar nesse espaço. é um texto que já compartilhei com várias pessoas, por sinal. hoje em dia não deixo de abrir um e-mail sequer; massa demais ser passageira dessa trajetória. que venha passageiro.tv!