[Passageiro #88] Tomei um bolo do Jared Leto
Ainda na dúvida se essa história é aleatória ou só deprimente, mas fui do luxo ao lixo durante a Paris Fashion Week.
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🎧 Para ler ouvindo1: From The Ritz To The Rubble, por Arctic Monkeys.
1.
Caso as coisas tivessem saído como o planejado eu não estaria contando essa história – e não, isso aqui ainda não é sobre o Jared Leto; sei que você abriu o e-mail querendo saber a fofoca, porém, preciso segurar a sua atenção até lá.
Feito o disclaimer, começarei do começo.
Giverny é uma comuna com menos de mil habitantes na Normandia cujo turismo resume-se basicamente à casa e os jardins do falecido pintor Claude Monet – o local recebe mais de 500 mil turistas por ano e, na região, só perde para o Mont Saint-Michel em termos de popularidade.
Tínhamos tudo planejado.
A ideia era alugar uma bicicleta ao chegar em Giverny e pedalar pelo cenário bucólico que nos levaria até a casa e os jardins de Monet – e que renderia ótimos “conteúdos” para o Instagram.
I. ficaria encarregada das fotos e eu escreveria uma edição da newsletter parecida com aquela sobre o dia em que passei uma tarde na casa de José Saramago em Lanzarote, nas ilhas Canárias, encontraria algo de poético na paisagem que seria transformado em um parágrafo, aquele parágrafo nunca antes pensado e que hoje o ChatGPT ainda não consegue escrever.
Os mais emocionados com a cativante experiência comprariam meu curso de Escrita Criativa, quem sabe o de Escrita de Viagem, eu não teria que mencionar os cursos aqui como quem não quer nada – mas que na verdade quer tudo –, com sorte eu teria um dinheirinho sobrando na virada do mês para tomar um ou até dois drinks de 30 euros no Bar Hemingway do Hotel Ritz para comemorar nosso aniversário de quatro anos juntos, os leitores seriam inspirados a cair na estrada e escrever suas próprias histórias.
Seria perfeito. Perfeito. Seria.
“Seria” porque a vida, a vida, ah, a vida, meus amigos e minhas amigas, a vida não está nem aí para o nosso planejamento.
2.
Chegamos meio em cima da hora na estação Saint-Lazare, mas não foi por isso que não conseguimos embarcar no trem para Giverny. Ao tentar comprar nossos bilhetes descobriríamos, I. e eu, que os ferroviários estão em greve; os franceses, de fato, adoram uma greve; dessa vez, no entanto, nenhum carro foi queimado.
“Bom, é sábado e moramos em Paris, vamos dar uma volta na cidade.” – sugiro para I. tentando salvar o dia.
É quase meio-dia e I. percebe que estamos perto do restaurante brasileiro que vende nosso pastel favorito em Paris. O relógio marca 11h45 quando chegamos ao estabelecimento – que abre apenas às 12h. O menu dos pastéis está em uma plaquinha em cima do balcão, um pastel melhor que o outro, de modo que, indecisos, passamos os próximos quinze minutos decidindo os sabores; um de pizza para I., um de carne para mim, um de queijo para dividirmos.
“Opa, tudo bom? Pra gente vai ser um pastel de piz…” – sou interrompido pelo atendente. Ele retira a plaquinha dos pastéis do balcão e aponta para um quadro fixado na parede.
“Então, hoje não temos pastel. O prato desse final de semana é caruru. Avisamos nas redes sociais.”
3.
Sem trem para Giverny e sem pastel, decidimos almoçar em um restaurante japonês de nossa confiança; não digo que o melhor yakisoba de Paris porque evidentemente não provei todos os yakisobas de Paris, mas justamente por ele ser tão bom sinto que não preciso provar os outros.
O restaurante japonês fica em uma das áreas mais ricas da cidade, próximo à Rue Saint-Honoré, a rua das marcas de luxo, aquelas com segurança na porta, com bolsas que custam um apartamento no Brasil.
Atravessamos a Rue Saint-Honoré até a Place Vendôme, uma praça cercada por marcas que são o luxo dentro do próprio luxo, relógios e joias pelo montante de dinheiro que alimentaria cidades inteiras na África, na América do Sul e na Ásia durante meses, talvez até anos, uma praça que poderia (e deveria) ser considerada um museu a céu aberto em celebração à desigualdade social na mesma Paris em que imigrantes (os árabes e os africanos, não eu que sou branquinho) são apontados como a causa de todos os problemas, e o Ritz, o famoso Hotel Ritz, cujas diárias começam em 2 mil euros e chegam até 42. 42. 42 mil. 42 mil euros. Para dormir. Dormir por uma noite. Uma noite. Uma noite na mesma Paris em que você não precisa andar muito para ver pessoas dormindo na rua em um inverno congelante; mas não na Rue Saint-Honoré; ah, não, na Rue Saint-Honoré não; a polícia não deixa.
4.
O Ritz.
Antes do Ritz o Boulevard Saint-Germain – e depois volto ao Ritz.
Todos esses lugares hoje icônicos que lemos em Paris é uma festa, a Paris dos anos 1920, ou na Paris dos jovens de maio de 1968, ou na Paris de Julio Cortázar ou mesmo na Paris de Annie Ernaux e Emmanuel Carrère (esse último já nasceu rico), essas Parises não existem mais; quer dizer, elas até existem, existem para um grupo bem específico que segue fazendo suas compras na Rue Saint-Honoré e bebendo até o amanhecer no Boulevard Saint-Germain sem fazer contas – “no mercado dá para comprar uma garrafa de vinho por três euros”; é o que eu sempre falo para mim mesmo –, mas não consigo deixar de pensar em Ernest Hemingway, um Hemingway que viveu aqui há 100 anos com a Geração Perdida (bem antes do Prêmio Nobel) e que provavelmente não teria dinheiro para pagar um drink no bar que hoje leva o seu nome.
Mas vamos ao Ritz.
“Ritz”, a palavra, pode ser traduzida para o português como “ostentação”.
Ao chegarmos na Place Vendôme percebemos uma movimentação incomum na entrada do Ritz.
“Será que tem a ver com a Paris Fashion Week?” – pergunto para I.
“Talvez. Vamos até lá.” – ela responde.
Um jovem segura uma revista com a modelo Kate Moss na capa. Outro tenta espiar o hall de entrada, aponta a câmera do celular aparentemente para o nada na espera de algo (ou alguém) que não sabemos exatamente o quê (ou quem).
As pessoas vão se aglomerando em frente ao Ritz por curiosidade.
“O que está acontecendo?”
Um senhor pergunta em espanhol para uma jovem que eu descobriria mais tarde ser das Ilhas Canárias; não de Lanzarote, mas de Tenerife.
“Uns famosos estão hospedados aqui por causa da Paris Fashion Week.”
“Algum nome em especial?” – ele pergunta.
“Não. Mas ontem o Pharrell e o Jared Leto estiveram aqui.”
Ele faz cara de quem não sabe quem é Pharrell ou Jared Leto, mas parece se contentar com a resposta.
A jovem escreve para a sua abuelita no WhatsApp que já está indo, “têm uns famosos aqui no Ritz, estou esperando eles saírem”, “eu sou famosa”, a avó responde; e eu sei de tudo isso porque, entediado, espio a tela do celular e leio a conversa sem nenhum constrangimento.
5.
A aglomeração torna-se um evento. É nossa Fashion Week popular. Estamos falando de centenas de pessoas paradas em frente ao Ritz. Fãs da Kate Moss, pessoas que souberam que Pharrell e Jared Leto estiveram por ali no dia anterior, pessoas que não souberam de nada mas ainda sim estão ali, curiosos, muito curiosos e paparazzis.
“Pra ter paparazzi aqui é porque tem famoso aí dentro.” – comento o óbvio com I.
O tempo vai passando. Ricos vêm e vão. Uns apenas ricos que parecem estar na cidade – e no Ritz – por acaso, e que acham graça da aglomeração, “o que esses pobres estão fazendo?”, eles devem pensar, outros que, pela produção, parecem estar indo para a verdadeira Fashion Week – e devem ser famosos em alguma bolha, mas não tanto quanto Pharrell ou Jared Leto.
“As Kardashians estão aqui.” – a jovem das Ilhas Canárias comenta com uma amiga; mas não sabe dizer exatamente qual (ou quais) dela (ou delas) está (estão) no Ritz.
6.
O segredo em casos como esse é prestar atenção na conversa dos outros. Um pessoal ao nosso lado fala que o desfile da Hermès começará em breve e que os famosos terão que deixar o hotel para ir até o local do evento.
Um dos seguranças aproxima-se da jovem das Ilhas Canárias e diz que não há mais nenhum famoso no hotel, que eles saíram mais cedo, que não adianta esperar. O burburinho se espalha, de modo que um turista recém-chegado pergunta em alto e bom tom:
“Estamos esse tempo todo aqui esperando por quem exatamente?”
Ninguém sabe dizer. Todos riem. Um sorriso amarelo de vergonha.
Coloco as coisas em perspectiva. Estou há pouco mais de uma hora parado na frente de um hotel esperando alguma celebridade, qualquer celebridade, aparecer e andar menos de dez metros até uma van com películas pretas nos vidros para eu gravar um vídeo com menos de 15 segundos que será publicado no Instagram com a desculpa de que aquilo é “conteúdo”.
Já fiz algumas coisas bem deprimentes na minha vida, mas essa certamente está no top 5.
7.
O segurança reforça que não há nada o que ver ali e, aos poucos, o povo vai se dispersando. Uma última espiada antes de irmos embora. Agora estamos próximos ao hall de entrada. Elaboramos uma teoria de que, talvez, o segurança esteja apenas tentando dispersar o público, que os famosos na verdade ainda estão no hotel.
“Isso aí é mind games, ele tá mentindo.” – um fortalezense de pouco mais de 20 anos, que chamarei de B., nos ouve conversar em português e intervém.
“Ontem ele falou isso e tirei foto com Sofia Vergara. Tá cheio de famoso aí. Victoria Beckham, Gwyneth Paltrow…” – ele diz outros nomes de influenciadoras (?) que julgo serem incrivelmente famosas dentro da bolha da Geração Z (dá para sentir no tom de voz de B. que elas realmente são famosas), mas que não faço a menor ideia de quem sejam.
Mais que isso: B., nosso novo amigo, conhece os amigos e funcionários das celebridades. Ele nos dá alguns hacks para avistar um famoso em seu habitat natural.
“Tá vendo esse que saiu aqui? Melhor amigo de Kylie Jenner. Ontem eu tava indo embora e vi o cabeleireiro de Kylie esperando um carro. Não é que ela tava no carro que pegou ele? Ou seja, ela deve estar por aqui.”
“Tu viu a bolsa ali no carrinho? É a bolsa de Victoria Beckham. Olha aqui no Instagram.”
“Aquela bolsa tá escrito ‘GP’. Quem é ‘GP’? Gwyneth Paltrow. Ela tá aqui.”
“Olhe aqui o story da nora de Victoria. Dez minutos atrás postou essa vista da Place Vendôme. Isso é no Ritz.”
“Conhece Luca Guadagnino?”
“O nome não me é estranho.” – respondo.
“O diretor de Call Me By Your Name. Pedi pra tirar uma foto, mas ele não me deu bola.”
Um turista curioso pergunta para B. o que está acontecendo.
“Paris Fashion Week. Alguns famosos estão no hotel.”
“Algum famoso em especial?”
Ele responde “Damiano” alguma coisa, que num primeiro momento achei que fosse o rapaz do Måneskin, mas não, aparentemente é um Damiano muito famoso no mundo da moda – que só alguém por dentro desse universo conheceria.
“Quando vem gente assim perguntar eu falo o menos famoso pra não aglomerar. Imagina se digo que tirei foto com a Sofia Vergara? Ia ser um furdunço que só!”
9.
Após algumas boas risadas na companhia de B. e nenhuma celebridade saindo pelas portas do Ritz, I. e eu decidimos que a vida é muito curta.
10.
O domingo amanhece nublado, um bom dia para colocar o The Velvet Underground & Nico na vitrola para ouvir Sunday Morning, mas não temos esse vinil.
O plano era ficar em casa e maratonar Ninguém quer, a nova série da Netflix com Adam Brody, o eterno Seth Cohen de The O.C., mas aí surgiu o convite de Jared Leto.
“6 Rue des Hospitalières Saint-Gervais. Estarei aqui às 17h.”
Ainda que na maior preguiça de domingo, conseguimos pegar o metrô dentro do horário e chegar às 17h em ponto no local indicado.
O endereço, 6 Rue des Hospitalières Saint-Gervais, fica no Marais, bairro supostamente hipster de Paris que, na minha humilde opinião, é muita onda para pouco surfe. Mas ok, foi Jared quem sugeriu – e Zeca Camargo adora a região, quem sou eu para falar quelque chose do Marais.
11.
Um grupo de teatro de rua se apresenta na praça do número 6 da Rue des Hospitalières Saint-Gervais; eles estão vestidos como soldados da Revolução Francesa e bradam palavras de ordem. Por um momento fico na dúvida se aquele é o endereço exato das coordenadas enviadas por Jared, mas percebo algum merch do Thirty Seconds To Mars entre os presentes; uma mulher vestindo um moletom da banda, outra segurando um vinil do álbum mais recente.
“Acho que estamos no lugar certo.” – digo para I.
Assim como no dia anterior no Ritz, uma aglomeração começa a se formar por curiosidade.
“Que bom que chegamos cedo. Vamos ver ele de pertinho.” – comento com I.; estamos em pé em um dos bancos da praça com uma vista privilegiada para o local onde o grupo de teatro de rua se apresenta; e onde Jared deve cantar The Kill a cappella em breve.
São pouco mais de 17h30 quando uma estadunidense nos pergunta:
“O que está acontecendo aqui?”
“Estamos esperando o Jared Leto. Faz uns 15 minutos que ele fez um story dizendo que estava a caminho.”
No story, Jared aparece dentro de um carro e escreve “a caminho”.
“Acho que ele apagou.” – a estadunidense mostra o seu celular.
Percebo um burburinho. Todos estão de olho em seus celulares. Jared não apenas apagou o story – e os anteriores com as coordenadas para o número 6 da Rue des Hospitalières Saint-Gervais –, mas publicou um outro desculpando-se.
“Desculpe, Paris. Fui informado que as coisas poderiam sair do controle e infelizmente tive que cancelar o nosso encontro.”
Sem ter nada a ver com isso, o grupo de teatro de rua continua a sua apresentação para o maior público que provavelmente já tiveram. Aplausos efusivos, pedidos de fotos e sorrisos. Muitos sorrisos. A vida pode não estar nem aí para o nosso planejamento, mas às vezes ela tem dessas.
🧠 Para ler, assistir e ouvir
Uma leitura para relaxar e contar uma ou outra curiosidade numa mesa de bar: Tóquio proibida: Uma viagem perigosa pelo submundo japonês. Livro que deu origem a série Tokyo Vice da HBO; e que, em termos de estrutura, tem me ajudado em Há algo de podre no reino da Tailândia.
Sendo um brasileiro em Paris, onde a também costumava pisar, concordo com ela: nenhuma nação jamais chegou aos pés de um samba brasileiro.
, um dos meus escritores brasileiros contemporâneos favoritos, chegou chegando no Substack com um texto sobre prêmios literários; e a constatação do óbvio que precisa ser dito: só não perde quem ganha.
Tem uma editoria rolando nos serviços de streaming, talvez iniciada por The White Lotus, que me agrada: ricos se foden**. O casal perfeito, da Netflix, é tipo isso.
Chromatics é bom demais. Ponto. Mas alguém fez uma playlist com as músicas mais “trilha sonora de filmes imaginários” deles. Tenho escrito ouvindo ela.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento
Não é porque esse final de semana de bosta rendeu uma história para contar na newsletter que estou feliz com ele, de modo que minha pergunta hoje é mais um apelo: me conta um final de semana que tudo, absolutamente tudo, deu errado na sua vida? “Um dia você vai rir disso”, eles disseram. Que hoje seja esse dia. Vamos rir.
Vim logo ler por conta do título haha No meu caso, aconteceu o oposto. Me chamam da gravadora, "quer falar com o Jared daqui a 1 hora?". Isso nunca acontece assim - há dias de planejamento, jornalistas pré-aprovados (ou vetados), etc. Nunca tive só 1h pra preparar uma entrevista, sendo que esse tempo eu passaria em uma audição online do disco (o último do 30STM). Foi uma experiência totalmente de ponta cabeça, acabou rendendo mais pela anedota em si. Algo me diz que o moço opera no seu próprio tempo. Nós mortais que demos nossos pulos.
Apesar do perrengue, não desista do passeio a Giverny. Fiz exatamente a sua programação trem-bicicleta-casa do Monet e é muito legal.