[Passageiro #106] De correspondente olímpico a correspondente de guerra
Escapei de um terremoto em Bangkok para flanar em uma Paris que se prepara para a Terceira Guerra Mundial.
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🎧 Para ler ouvindo1: April in Paris, por Charlie Parker.
📍 Paris, França.
✍️ Por Matheus de Souza
Escritor e viajante. Autor de “Nômade Digital”, livro finalista do Prêmio Jabuti.
1.
Há cerca de uma semana minhas caixas de entrada do Instagram, LinkedIn, Substack e do bom e velho e-mail estão entupidas com mensagens não respondidas (nada pessoal) de amigos e leitores preocupados com o terremoto de 7,7 graus que atingiu Bangkok; escrevo mais uma vez: estou bem, felizmente saí da cidade dois dias antes do acontecido e voltei para o meu apartamento em Paris.
Um pouco de contexto para quem chegou agora nesta Passageiro:
Estou escrevendo um romance que se passa na Tailândia e mudei-me temporariamente para dentro do próprio livro com o objetivo de sentir as palavras e viver (uma vez mais) o ambiente onde se passa a história que quero contar; minha residência literária em Bangkok encerrou-se no último dia 26 após 1 mês vivendo na capital tailandesa.
2.
83% dos franceses estão preocupados com uma eventual Terceira Guerra Mundial; é o que diz uma pesquisa divulgada no início de março, logo após o discurso em tom marcial de Emmanuel Macron na TV francesa.
Em sua fala, o presidente francês afirmou que “não podemos mais acreditar na Rússia” e apelou ao patriotismo da população.
“O país precisa de vocês, do engajamento de vocês”, disse ele.
3.
Com a volta de Donald Trump à Casa Branca e a aproximação entre os Estados Unidos e a Rússia, o medo que o conflito na Ucrânia se estenda a outros países da Europa tem assombrado o continente europeu.
Em 26 de março, dois dias antes do terremoto em Bangkok, o dia em que voltei para Paris, a União Europeia apresentou um plano de preparação civil recomendando que todas as famílias do Bloco estejam aptas a sobreviver por pelo menos 72 horas sem apoio externo em caso de crises extremas – guerras, pandemias, ciberataques e eventos climáticos severos.
No dia seguinte, preocupado com as recentes tensões com a Rússia, o governo francês anunciou que pretende distribuir, antes do verão europeu (que começa em junho), um “manual de sobrevivência” a todos os residentes do país.
Os itens do manual francês incluem: seis litros de água por pessoa, uma dúzia de latas de comida, lanternas, pilhas, suprimentos médicos como paracetamol, compressas e soro fisiológico, rádio, canivete suíço, roupas de frio, cópias de chaves de casa e de veículos, cópias de documentos e dinheiro em espécie, além de jogos para passar o tempo.
4.
“O diário de Anne Frank” é um dos primeiros livros que tenho lembrança de ter lido por livre e espontânea vontade. Na adolescência, eu era fascinado com histórias sobre a Segunda Guerra Mundial. Aquilo tudo parecia tão distante, tão longe da realidade, “como as pessoas podem ser tão cruéis?”, parecia que jamais aconteceria novamente.
5.
Quando esta Passageiro ainda dava seus primeiros passos e eu recém havia chegado em Paris, escrevi sobre a Geração Perdida – jovens expatriados com pretensões artísticas que viveram a adolescência na Primeira Guerra e a vida adulta durante os Roaring Twenties2, a Grande Depressão e a Segunda Guerra.

Em 1919, Sylvia Beach fundou um dos meus lugares favoritos de Paris: a livraria Shakespeare and Company. Na época de sua fundação, livros em inglês eram caros e difíceis de se encontrar na capital francesa, de modo que a livraria acabou tornando-se ponto de encontro de nomes como Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Aimé Césaire, Simone de Beauvoir, Jacques Lacan, Walter Benjamin e James Joyce – este último, inclusive, publicou sua obra-prima “Ulisses” graças à generosidade de Beach.
Em dezembro de 1941, a Shakespeare and Company fechou suas portas depois que Beach recusou-se vender a última cópia de “Finnegans Wake”, de Joyce, a um oficial nazista – Paris estava sob domínio dos alemães. Ela seria detida e internada por seis meses na comuna de Vittel, até sua libertação no início de 1942.
Hemingway, que participou do desembarque da Normandia como correspondente de guerra para a revista Collier’s, acompanhou em junho e julho de 1944 as tropas estadunidenses que avançaram até Paris – reza a lenda ele teria “libertado” pessoalmente a Shakespeare and Company e o bar do Hotel Ritz que hoje leva seu nome.
Em 1951, a Shakespeare and Company reabriria em um novo local sob a administração de George Whitman3.
6.
A primavera chegou em Paris. O horário de verão também. Os dias têm amanhecido mais cedo e o sol está se pondo cada vez mais tarde. Caminho em frente à catedral Notre-Dame, atravesso o rio Sena até a Shakespeare and Company.
Tudo parece estar no lugar. Turistas enfrentando filas – na catedral e na livraria –, parisienses sentados nos cafés aproveitando o sol que não dava as caras há meses, motoristas impacientes buzinando nos congestionamentos.
Há um ano, na primavera passada, eu me preparava para cobrir os Jogos Olímpicos de Paris. Observando a vida parisiense voltar ao normal após um longo inverno, não consigo deixar de pensar que, em breve, posso ir de correspondente olímpico a correspondente de guerra e, assim como o Repórter Esso, tornar-me testemunha ocular da história; antes, no entanto, preciso aprender a sintonizar rádios de comunicação caso a Cidade fique sem Luz em algum bombardeio; essa é uma das recomendações do manual de sobrevivência; que ainda inclui: manter uma lista de contatos de emergência, fechar todas as portas durante um acidente nuclear e até considerar o voluntariado em forças de reserva locais.
Os bilionários, por outro lado, não precisam se preocupar com nada disso: seus bunkers apocalípticos têm suíte de luxo e até funcionários-robô. A notícia, claro, é da Forbes – que hoje nos trouxe uma informação importantíssima sobre os bilionários que mais perderam dinheiro com a Guerra Tarifária de Trump; acesse este link para descobrir se a queda do mercado afetou o seu bilionário favorito.
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Os “loucos anos 20”.
A Shakespeare and Company hoje é administrada por Sylvia Beach Whitman, filha única de George Whitman, batizada em homenagem à Sylvia Beach da livraria original.
É, meu amigo, não é fácil. Bem dizer, a França já está em guerra contra a Rússia há anos, se levarmos em conta o que tem rolado em território africano e ucraniano – as famigeradas proxy wars, muito comuns neste século (o princípio da não-ingerência não vale nada mesmo). Já o tarifaço do Trump, isso me pegou. A própria Tesla perdeu valor de mercado, junto com outras empresas cujos bilionários o apoiaram. Logo vão correr atrás de isenções, né? Mas, a despeito de qualquer cálculo burro do governo Trump e das diferentes interpretações sobre o sentido dessas guerras, tenho a impressão de que esses líderes se preparam pra algo, sim. Reindustrializar os Estados Unidos e colocar em risco toda a cadeia de suprimentos global que sustentou as maiores marcas deles até hoje; distribuir guia de sobrevivência na França; a Alemanha expandindo a rede de bunkers, dentre outras coisas... parece que eles anteveem um perigo iminente. Agora, "fechar todas as portas durante um acidente nuclear e até considerar o voluntariado em forças de reserva locais" soa até ingênuo, do ponto de vista prático, se isso escalar pra uma guerra aos moldes do conflito direto ou nuclear, rs (rindo de nervoso). Enfim. É sempre bom acompanhar seus textos. Espero que você e a Isa fiquem bem por aí.
Bilionário bom é aquele que não existe