[Passageiro #83] Como é viver em uma das cidades mais turísticas do mundo
Não sou local, mas pago aluguel igual; rimou.
A newsletter Passageiro é gratuita, porém, ao assinar o Clube Passageiro você tem direito a benefícios exclusivos – incluindo workshops mensais, uma comunidade no Telegram e os bastidores do processo de escrita de Há algo de podre no reino da Tailândia, meu primeiro romance.
🎧 Para ler ouvindo1: Just Like Honey, por The Jesus and Mary Chain.
1.
Um ano depois ainda soa estranho. Passo a maior parte dos meus dias dentro do apartamento – (des?)vantagem do home office –, de modo que frequentemente esqueço que moro em Paris – e do que a cidade representa no imaginário das pessoas. Às vezes, perco a noção do tempo escrevendo qualquer coisa, o estômago ronca, desço as escadas para buscar comida no meu restaurante tailandês favorito e ao pisar na rua, Paris.
2.
Paris recebeu cerca de 15,5 milhões de turistas em 2023, ficando atrás apenas de Antália (16,5 milhões), Dubai (16,8 milhões), Londres (18,8 milhões) e Istambul (20,2 milhões) em um top 5 com as cidades mais visitadas do mundo.
Nos Jogos Olímpicos que começam no próximo dia 26 – e que a newsletter Passageiro estará presente em uma inédita cobertura literária (seria Passageiro a única newsletter brasileira – quiçá do mundo – cobrindo os Jogos?) –, o público esperado é de pouco mais de 10 milhões de pessoas – some isso aos 2 milhões de habitantes da cidade e aos outros 11 milhões de sua área metropolitana e até que dá para entender o mau humor dos parisienses.
2.
Moro no 9e arrondissement de Paris, em uma região chamada South Pigalle, cujos hipsters parisienses chamam carinhosamente de SoPi. É uma área boêmia, cheia de bares, cafés e teatros, frequentada principalmente por locais, mas basta andar uns poucos minutos (daqui de casa são cinco) até o Boulevard de Clichy para encontrar eles, os turistas, apontando seus celulares para o Moulin Rouge, o cabaré mais famoso do mundo.
Do Moulin Rouge os turistas seguem para Montmartre, o bairro da Amélie Poulain, procuram pelo Café des Deux Moulins, o café em que ela trabalhava no filme, pelo Le Mur des Je t'aime, o “Muro do Eu Te Amo”, uma parede com “eu te amo” escrito em vários idiomas, indo na sequência para o La Maison Rose, o restaurante mais instagramável de Paris, e finalizando o tour subindo a lomba – pelas escadas ou de bondinho – até a Basilique du Sacré-Cœur. Se formos amigos e você estiver em Paris pela primeira vez, provavelmente faremos esse caminho juntos.
3.
Ser estrangeiro em Paris é ser tratado como turista o tempo todo. O taxista que tenta lhe aplicar um golpe na saída do aeroporto, o artista de rua que se oferece para desenhar uma caricatura, o garçom que pergunta se você está gostando da cidade, o gentil voluntário dos Jogos Olímpicos que lhe explica as linhas do metrô e, ainda que esteja mais do que habituado à elas, você ouve atentamente porque não tem mais energia para outra conversa sobre morar em Paris e ainda não falar francês. Uma vez ao mês, no entanto, você sente-se um parisiense nato: até o dia 5 tem que pagar o aluguel.
4.
Em Barcelona, milhares de pessoas se manifestaram no último sábado (6) contra o turismo de massa e seus efeitos. Bradando frases de ordem como "Fora, turistas!" e "Barcelona não está à venda!", os manifestantes usaram pistolas de água para molhar viajantes desavisados que comiam tranquilamente em restaurantes nas áreas turísticas da cidade.
O aumento nos preços dos imóveis em Barcelona – cujos aluguéis subiram 68% na última década – é uma das questões que mais preocupam os manifestantes, assim como os efeitos do turismo no comércio local, no meio ambiente e nas condições de trabalho dos seus 1,6 milhão de habitantes.
"Os comércios locais estão fechando para dar lugar a um modelo de negócio que não é o que o bairro precisa. As pessoas (...) não conseguem pagar os aluguéis, têm que sair", explicou Isa Miralles, uma musicista de 35 anos que mora no bairro de La Barceloneta, em entrevista à AFP.
Recentemente, o prefeito da cidade, Jaume Collboni, disse que, até novembro de 2028, Barcelona eliminará as licenças dos 10.101 apartamentos atualmente aprovados para aluguéis de curto prazo – ou seja, Adiós, Airbnb!
5.
No começo do mês uma influenciadora brasileira foi expulsa do seu trabalho voluntário no Japão. Ela contou em entrevista à Band que “que não tem tempo para estudar e buscar detalhes tão extensos sobre a cultura dos lugares que decide ir”. Segundo a influenciadora, ela teria sido expulsa por conta do seu “jeito brasileira de ser”.
“Não tem nada que os japoneses aprovem mais do que o próprio espaço, a paz, o espaço e o silêncio deles. Eles ficam ofendidos se você invade o espaço deles”, contou a influenciadora.
Eu escrevi, reescrevi, apaguei, escrevi de novo e tornei a apagar um comentário sobre a frase que está em negrito.
6.
Entendo os efeitos do turismo de massa, sofro todo dia 5 com o preço do aluguel em Paris, mas de certa forma tenho empatia, me coloco no lugar de quem junta uma grana durante anos para realizar o sonho de conhecer determinado destino e, ao chegar lá, é recebido com pistolas de água e gritos de “Fora!” ainda que não invada o espaço alheio.
Sinto que, quando moramos em uma cidade turística como Paris, perdemos um pouco a capacidade de se impressionar com as coisas e nos tornamos mais amargos. Tudo vira banal. A Torre Eiffel torna-se apenas uma torre, a arquitetura haussmanniana vira um monte de prédios todos iguais, o Louvre um lugar para ter cuidado com os pickpockets, o Palácio de Versalhes um prédio antigo cheio de velharias.
Os turistas, ainda que não invadam o seu espaço – raramente os vejo por SoPi –, incomodam; incomodam porque estão de férias, porque estão sempre sorrindo, porque estão felizes, porque falam alto, porque não se importam em ficar 1 hora na fila de um restaurante que nem é nada demais, como o Pink Mamma, aqui na esquina de casa, só porque ele é bombado no Tik Tok. Para os políticos dessas cidades turísticas, o ódio aos turistas é mais do que bem-vindo: serve de cortina de fumaça e ajuda a varrer a sujeira para baixo do tapete – Lisboa que o diga.
Anthony Bourdain, uma das minhas maiores referências, disse certa vez que “nada inesperado e maravilhoso vai acontecer se você tiver um itinerário em Paris preenchido pelo Louvre e pela Torre Eiffel”. Pois dessa vez eu discordo de Tony – e, por mais que entenda o que ele quis dizer, esse pensamento soa até meio elitista.
Talvez minha melhor memória de Paris até aqui, aquela que, se um dia tiver filhos contarei todo babão para eles sobre “a época em que eu e a mãe de vocês vivemos na França”, é do meu aniversário de 34 anos em que, recém-chegados na cidade, I. e eu ficamos bêbados de vinho no Champ de Mars, a área verde em frente a Torre Eiffel.
Felizmente nenhum parisiense nos molhou com uma pistola d’água.
👨🎓 Cursos com inscrições abertas
✍️ Escrita Criativa
(apenas 12x de R$ 58,16)
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
🎒 Escrita de Viagem
(apenas 12x de R$ 39,62)
Aulas gravadas; acesso vitalício. Informações aqui.
🧠 Para ler, assistir e ouvir
Está no ar o primeiro texto de Há algo de podre no reino da Tailândia, edição extra e mensal da newsletter Passageiro exclusiva para assinantes pagos em que compartilho o processo de escrita do meu primeiro romance.
Hostel ou Airbnb? América do Sul ou do Norte? Mochila ou mala de mão? Como bem explica a na edição mais recente de , nem tudo é questão de isso OU aquilo.
, newsletter da , tornou-se uma das minhas leituras favoritas no Substack. Recomendo essa edição sobre medo.
Curti esse experimento do que passou um sábado inteiro sem internet, tecnologia e com detox de dopamina.
Jornalistas “sérios” e sua eterna implicância com creators. Muito boa essa reflexão do em .
Mais tempo, dinheiro e energia para você. Vídeo novo do sobre minimalismo e vida criativa.
Soco no estômago, minissérie tailandesa sobre o submundo do muay thai, é bem interessante.
HOMESHAKE não para: o cara lançou o seu segundo álbum em 2024. Ouça Horsie. Boa pedida para um dia chuvoso.
🗣 Call to action aleatória para gerar engajamento
Você mora ou já morou em uma cidade turística? Como é/era a sua relação com isso?
vou engajar por motivos de (além de saber que é importante): eis um tópico que está constantemente nas vozes da minha cabeça. moro em Fernando de Noronha (sim) há seis anos. No meio desse tempo, morei também nos Alpes Franceses (olala) por uma temporada; mas aqui vou me ater a Noronha.
nessa ilhazinha, a crise envolve tudo que você falou + o eterno vai e vem de peso na consciência por não estar aproveitando o dia morando em Noronha.
sim, a torre Eiffel vira banal, assim como o morro Dois Irmãos vira costumeiro (e para sempre lindo), mas realmente não dá pra morar em lugar turístico e viver como se não houvesse amanhã, à la turistas. eu preciso passar um sábado de sol (sem alugar um caminhão) estudando – e me remoendo pensando que deveria estar na praia curtindo, afinal, moro em Noronha. é um processo difícil de controlar mentalmente e atrapalha minha disciplina interna. é difícil ter rotina por aqui quando as pessoas na rua estão vivendo o presente adoidado; quando sempre tem uma festa de despedida; quando alguém acabou de chegar pra visitar e você acabada cedendo e indo pro rolê (white people problems, eu sei).
e a gente vira mesmo um tiquinho amargo reclamando dos lugares que estão sempre cheios de pessoas fazendo longos ensaios fotográficos e perguntando onde é a piscina que a Bruna Marquezine tirou tal foto. mas aí eu respiro fundo e penso na tal da empatia: cara, as pessoas juntaram uma grana pra vir aqui conhecer esse pedacinho de paraíso que eu tenho o privilégio de temporariamente chamar de casa.
(não cheguei a lugar algum com esse comentário, mas engajei, bjs)
Palpite do comentário sobre a frase em negrito: "o brasileiro ainda está tentando descobrir o significado da "expressão": "o espaço deles". 🤓
Eu acho que a questão do turismo tá mais relacionada ao nível de consciência das pessoas do que o próprio turismo em si.
Morando aqui na Inglaterra, vivemos em cidades como Liverpool por exemplo, que muitos moradores locais não tem a menor consideração pelo bairro onde vivem.