[Passageiro #93] O prazer de estar perdendo algo
Primeira vez em Amsterdam; do FOMO ao JOMO; aceitando os 40 aos 35.
🎧 Para ler ouvindo1: Amsterdam, por Scott Walker.
1.
“No porto de Amsterdã
Há um marinheiro que canta
Sobre os sonhos que ele traz
Do imenso mar aberto.No porto de Amsterdã
Há um marinheiro que dorme
Enquanto a margem do rio chora
Com o velho salgueiro.”
Scott Walker em Amsterdam, faixa do álbum Scott, uma joia perdida dos anos 1960.
2.
Minha primeira viagem ao exterior foi em 2007. Eu estava no primeiro ano da faculdade de Relações Internacionais quando surgiu a oportunidade de participar do III Encuentro Iberoamericano de Relaciones Internacionales (IBERAM), em Buenos Aires, sobre as “perspectivas políticas y económicas en una Iberoamérica presente”; não lembro absolutamente nada do congresso, mas jamais esquecerei a sensação de pisar em território estrangeiro pela primeira vez; eu, um jequinha de Imbituba.
Chegamos lá de ônibus; a faculdade bancou a passagem. Foram 30 incontáveis horas de viagem e algumas noites dormindo no chão de um quarto compartilhado em um hostel qualquer de San Telmo; contei a história em mais detalhes na 75ª edição desta Passageiro.
Lembro deste causo quando o desconfortável ônibus pinga-pinga da FlixBus, linha Paris-Amsterdam, faz uma parada em Bruxelas, na Bélgica; em outros tempos eu teria ficado ansioso por estar em um país novo – ainda que não tenha descido do meio de transporte em questão –; a ansiedade por algum registro, qualquer registro que comprovasse minha passagem pela Bélgica; não desci do ônibus; nem na volta.
3.
Desde que o Twitter virou X e beira o R.I.P, tenho usado bastante o Threads. Meu algoritmo parece estar bem calibrado, de modo que meu feed é composto, não necessariamente nessa ordem, por conteúdos sobre: escrita, monetização, saúde mental, viagens, música, Flamengo e, claro, Gabigol.
Peço dicas sobre “o que fazer em Amsterdam”, “primeira vez na cidade”, aquela coisa toda, para os pouco mais de 5 mil leitores que me acompanham por lá e recebo 43 respostas, também não necessariamente nessa ordem, de itinerários que eu encontraria facilmente no Google, mas que parecem ter feito as viagens daquelas pessoas mais felizes.
Numa ordem aleatória:
– Heineken Experience;
– Red Light District;
– Alguma opção de Coffee Shop (aquele tipo de Coffee Shop);
– Museus (Van Gogh; Rembrandt);
– A casa de Anne Frank;
– Um passeio de barco pelos canais de Amsterdam.
4.
Já em Amsterdam, Holanda (primeira vez; ainda acho difícil dizer “Países Baixos”), olhando o movimento pela janela do 16º andar de um aparthotel numa área meio Faria Lima em que trabalhadores pilotam guindastes na construção de mais um prédio espelhado, lembro da minha primeira vez na Europa; em frente ao aparthotel de Frankfurt, em 2013, trabalhadores alemães também trabalhavam na construção de mais um prédio espelhado; o clima também estava cinzento; e passava devagar.
O tempo todo, ao observar os trabalhadores lá embaixo no aparthotel de Frankfurt, eu, um mochileiro, me pegava pensando: “caramba, estou na Alemanha”.
Pergunto-me como aquele prédio deve ter ficado ao fim de sua construção.
5.
Eu tinha 24 em Frankfurt; tenho 35 em Amsterdam – 36 em alguns meses; não sou mais mochileiro; moro em Paris.
Em algum momento entre Frankfurt e Amsterdam perdi algo; algo figurado, um sentimento de “ok, pouca coisa agora me impressiona”, “nada é novidade”, de modo que todas essas dicas de Amsterdam – que eu mesmo pedi – não me importam, quero apenas andar pela cidade; não quero um roteiro pré-definido; não quero obrigações.
Quero ser o marinheiro da música de Scott Walker; e, da janela do 16º andar do aparthotel, ao tentar recriar o sentimento de Frankfurt, um “caramba, estou na Holanda/Países Baixos”, percebo que talvez eu realmente seja o marinheiro da música de Scott Walker; não aquele que conta sobre os seus sonhos, mas o que dorme enquanto a margem do rio chora.
6.
Fiz 30 em 2019. 25 de maio. Até a data em questão, sofri a tal Crise dos 30; passei, na época, a olhar para os meus 20, a minha juventude, com um certo saudosismo; foram várias primeiras vezes nesse período e talvez eu tenha vivido os melhores anos da minha vida; talvez.
Assim que os 30 foram ficando mais próximos, busquei no Google aquelas famosas listas de "coisas para se fazer antes dos 30". Elas geralmente começam com "pular de paraquedas". E foi o que fiz em janeiro de 2019.
Também fiz aulas de windsurf, fiquei solteiro pela primeira vez em uma década, viajei sozinho para o exterior (12 países em 12 meses), publiquei meu primeiro livro2, além de outras primeiras vezes impublicáveis aqui – mas não pense besteira.
Em 2019, assombrado pelo fantasma dos 30 anos, fiz várias coisas pela primeira vez. Abracei, pra valer, a Crise dos 30; tentei me descobrir, tentei recuperar um suposto tempo perdido, tentei me sentir vivo; senti FOMO3.
7.
Talvez esse excesso de experiências acumuladas entre os 28 (idade em que caí na estrada) e os 35 tenham me preparado, de certa forma, para o que está por vir; a Crise dos 40.
Essa Crise, no entanto – e no meu caso –, parece seguir um caminho diferente: se antes sentia FOMO, hoje sinto o JOMO4, o prazer de estar perdendo algo.
Enquanto flanava por Amsterdam, caminhando entre os canais, desviando das bicicletas, espiando o interior dos apartamentos com seus janelões convidativos, conversando com novos e velhos amigos, todos mais jovens que eu, percebi que, pouco me importa dar check nesse ou naquele ponto turístico específico; a vida me mostrou que eu sempre posso voltar; e, caso não volte, o que lembrarei de uma cidade será sempre as pessoas; perto dos 40 eu não tenho mais tempo a perder em filas geradas ou não por vídeos virais do Tik Tok; eu prefiro ver o tempo passar pela janela de um café qualquer em Amsterdam; e não aquele tipo de café.
8.
Desde a minha última Crise, percebi que o momento certo é sempre o agora; o agora é a nossa única certeza. Por isso, escrevo sem o menor medo de tornar este texto uma peça de autoajuda: não espere uma Crise dos 30, 40, 50 ou 60 anos para começar a viver, para tirar seus planos do papel. Não espere o momento certo; não se apegue aos conceitos LinkedIanos do tipo FOMO ou JOMO; viva; do seu jeito; mas viva.
Sabe aquele curso que você quer tanto fazer? Faça.
O livro que você pensa escrever? Escreva.
O esporte que você sempre pensou em praticar? Pratique (comecei boxe aos 35; e o Jake Paul acabou de dar um pau no Mike Tyson).
O idioma que você quer aprender? Aprenda.
A viagem que você tanto sonha? Dê um jeito, economize uma grana e vá. Apenas vá – mesmo que num busão da FlixBus.
E, se um dia tudo isso te encher o saco, maravilha; você sempre pode tentar algo novo; você sempre pode fazer algo pela primeira vez; se hoje escrevo essas linhas é porque peguei o ônibus da linha Paris-Amsterdam; mesmo não tendo descido em Bruxelas.
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No encontro de novembro do Clube Passageiro tenho a honra de receber , autor, entre outros, de “Corpo presente” (2003), “O único final para uma história de amor é um acidente” (2013) e “Descobri que estava morto” (2016), eleito o melhor romance do ano pelo Prêmio Literário Biblioteca Nacional.
O tema do nosso papo será processo criativo e, pela primeira vez na história do Clube Passageiro, o encontro será aberto ao público em geral. Saiba como participar.
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Fear of missing out. O medo que algumas pessoas sentem quando acreditam que estão perdendo algo importante.
Joy of missing out. O prazer de estar perdendo algo.
Dá-lhe um retorno de Saturno bem vivido (a famosa crise dos 30) hehe! “Pretende entrar numa mentoria? Entre!” Haha! Viver o agora é sempre um grande ensinamento aqui também 👏🏼
Matheus, é tão bonito ver um conterrâneo de Imbituba vivendo da escrita e dividindo com a gente suas experiências de forma tão genuína.
Seu texto me fez revisitar aquela sensação mágica de estar em um lugar pela primeira vez, algo que só quem já se permitiu o novo pode compreender. Quando estivemos em Paris, eu e meu marido caminhávamos pelas ruas e muitas vezes eu me beliscava pra ter certeza de não estava sonhando…
A impressão que tenho é que você abraçou o mundo com curiosidade tendo que lidar com situações e emoções desafiadoras. E agora, morando em Paris, me pergunto: Por que você escolheu morar em Paris?
Fiquei pensando sobre quando o extraordinário se torna cotidiano, ainda podemos nos reinventar para enxergar a beleza que nos cerca?
Que sua jornada siga nos mostrando o quanto é possível encontrar novas formas de viver e sentir. Abraços de Imbituba!