[Passageiro #94] Se os brasileiros não leem, por que ainda escrevemos?
Segundo pesquisa recente, 53% dos brasileiros não leram nem parte de um livro em 2024; e isso inclui a 'Bíblia Sagrada'.
🎧 Para ler ouvindo1: Mahashmashana, por Father John Misty.
1.
Mahashmashana, título do novo álbum de Father John Misty, a persona criada pelo músico Josh Tillman, ex-baterista do grupo folk Fleet Foxes, é uma anglicização de mahāśmaśāna (महामशान), termo sânscrito cuja tradução literal significa “grande local de cremação”; as chamas que derretem nossa carcaça antes da próxima vida. Em uma tradução filosófica de boteco, podemos dizer que é um lembrete de que todos vamos para o mesmo lugar; e viraremos poeira, cinzas, adubo; a depender do que farão com os nossos restos mortais; eu espero que algum amigo rico gaste US$ 3 milhões em um foguete que lance as minhas cinzas pelos ares2.
2.
Mais da metade dos brasileiros não lê livros. É o que mostra a 6ª edição da Retratos da Leitura no Brasil, única pesquisa nacional que avalia o comportamento leitor dos brasileiros. A queda no número de leitores aparece em todas as classes, faixas etárias e escolaridade.
“Pela primeira vez na série histórica da pesquisa, a proporção de não-leitores é maior do que a de leitores na população brasileira: 53% das pessoas não leram nem parte de um livro - impresso ou digital - de qualquer gênero, incluindo didáticos, bíblia e religiosos, nos três meses anteriores à pesquisa.”
3.
O bate-papo de ontem do Clube Passageiro, a comunidade de apoiadores desta newsletter, pessoas que fazem parte dos 47% que leem, foi especial por vários motivos.
Já contei aqui e aqui como sou um fã declarado de e, mais que isso, de como o autor de Descobri que estava morto influenciou não apenas a minha formação como escritor, mas também como leitor.
Explico.
Melhor: explicarei a seguir.
Vamos com calma.
Quero que antes você pegue uma bebida quente; um café, um chá, algo de sua preferência que lhe traga conforto.
Faça isso e depois volte para o texto.
Não leia os parágrafos abaixo antes de pegar a sua bebida; vou inserir uma foto aleatória para quebrar as linhas e não lhe colocar em tentação; antes da foto um emoji.
👹
Não se apresse.
4.
Ok, agora escolha uma trilha sonora; não precisa ser a indicada aqui na newsletter; escolha algo que lhe permita imergir no texto; estamos na era das playlists, mas te desafio a encontrar um bom álbum instrumental; um clássico de jazz, um disco obscuro de post-rock ou algo mais atual como Hermanos Gutiérrez ou Khruangbin.
Escolhida a trilha, o próximo passo para continuar a leitura é colocar o celular em modo avião. Agora. Caso esteja lendo no computador, feche todas as outras abas do navegador (entre 5 e 10, acertei?; mais que isso é preocupante).
Fez tudo isso?
Maravilha.
Seguimos.
5.
Se os brasileiros não leem, por que nós, os escritores brasileiros, continuamos escrevendo?
Por anos tentei achar uma resposta romântica pra isso – nunca foi por grana porque, bem, esse não é o tipo de atividade que nos permite luxos; mal paga as contas do mês (falou o cara que mora em Paris; favor ler esse texto); e, quando encontramos uma plataforma que, supostamente, nos promete ganhos financeiros, encontramos problemas burocráticos e financeiros que absolutamente ninguém sabe explicar; a deixou de ganhar quase R$ 10 mil esse ano por conta da integração de bosta entre Substack e Stripe; eu também; dá uma olhadinha pro Brasil, , ou ? – não é como se não fossemos o segundo maior mercado da plataforma; ainda que metade do nosso povo não leia, temos a outra metade: mais de 100 milhões de pessoas.
Mas ok, dito isso, feito o protesto, por que insistimos nessa “carreira”?
Com aspas mesmo, fazer o quê.
6.
Como as coisas estão por aí?
Sua bebida quente está agradável?
A trilha sonora está aconchegante?
Dado todo o contexto e, agora que você já criou um ambiente relaxado para uma leitura com total atenção, talvez seja a hora de falarmos sério; vamos falar sobre o encontro de ontem do Clube Passageiro.
Ao longo dos anos ensaiei várias respostas para a pergunta “por que escrevo?”; das mais artísticas/mentirosas, “porque preciso colocar para fora o que pulsa aqui dentro”, às mais práticas, “porque é melhor do que trabalhar numa escala 6x1”.
Nunca consegui responder com a verdade porque, a verdade é que eu nunca soube direito porque escrevo; eu escrevo. E, aos 35, ainda que tenha tido o mínimo de reconhecimento com o meu trabalho, sinto que estou muito longe – e sinto que seguirei longe – de qualquer fantasia relacionada à escrita ou ao papel do escritor romantizado por Hollywood; o maior erro de um escritor ou escritora em início de carreira é cair nesse papinho.
O que sei com um pouco mais de certeza é que, nessa busca por uma resposta, costumo colocar a conta – a conta pelo fracasso eminente no sentido de que se o Substack e o Stripe não se entenderem terei que voltar a entregar panfletos na cancela de um shopping – na loteria dos CEPs, no fato de ter nascido no interior de Santa Catarina; o que quero dizer com isso é que, sempre, sempre que tenho a chance de conversar sobre literatura com alguém nascido em São Paulo ou no Rio de Janeiro, que teve acesso ao básico de cultura, bibliotecas e museus, nem falo de escolas particulares, sinto que estou, no mínimo, 10 anos atrasado; tenho no mínimo 10 anos de leitura para recuperar; não fui a criança que lia Machado de Assis ou Dostoiévski na infância; mas aí penso na pesquisa dos Retratos da Leitura do Brasil.
7.
Se você chegou ao item 7 desse texto, obrigado e parabéns; obrigado por continuar aqui ainda que eu não tenha explicado exatamente porque o encontro de ontem do Clube Passageiro foi tão importante; parabéns porque apenas nessa edição você já leu mais do que o brasileiro médio lê num ano com atenção plena.
Mas vamos encerrar essa bagaça. Esse é só mais um texto qualquer no Substack; em menos de 24h um outro texto fará com que você esqueça de cada palavra escrita aqui; fará com que você esqueça de mim.
😞
8.
Você que está há mais tempo por aqui sabe que estou escrevendo meu primeiro romance.
J.P. Cuenca já escreveu quatro; está escrevendo o quinto.
Ao, gentilmente, comentar a minha ideia de romance tailandês, respondeu a pergunta que me assombra há anos: “escreva o livro que você quer ler”. No meu caso, estou escrevendo um romance que se passa na Tailândia porque quero ler um livro que se passa na Tailândia. Simples como 2 + 2 são 4.
É isso.
No final das contas é só isso.
E de tempos em tempos a gente atualiza a resposta de acordo com aquilo que, como dizem os mais artísticos, pulsa aqui dentro.
9.
O Clube Passageiro é fechado para assinantes pagos, mas, acho que o texto de hoje faria mais sentido se vocês assistissem a nossa conversa sobre processo criativo; que sem querer virou um papo sobre porque ainda não desistimos.
10 (e faixa).
Não ligo para legado, mas se todos vamos para o mesmo lugar, que eu tenha deixado algo escrito em meu nome; não confio em quase ninguém.
Talvez por isso eu escreva; para deixar documentado que eu acho um desperdício esses 53% de brasileiros alfabetizados não abrirem a porra de um livro durante um ano.
Um livro, porra. Leia a porra de um livro em 2025.
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Você sabia que a newsletter Passageiro tem uma playlist com todas as músicas indicadas aqui? Ela é atualizada semanalmente.
Em 2005, foi exatamente isso que Johnny Depp fez para homenagear o amigo Hunter S. Thompson. Tem o vídeo do funeral aqui.
“crime ocore nada acontece feijoada” se torna hoje minha frase preferida. obrigada por isso😌 eu acho tristíssimo tudo isso porque sinto que é um projeto de alienação humana ganhando cada vez mais força. me doeu muito quando a prima do Lucas de 17 anos disse que não conseguia assistir um filme porque não pode acelerar. acelerar um filme??? imagina pegar um livro? mas eu amo que ainda existam pessoas como nós e sinto que isso fará muita diferença pros próximos passos da humanidade… mas sou uma romântica otimista, né? enfim… amei o texto. li tomando café e ouvindo os pássaros!
Na sala de aula, como professora, eu vejo os efeitos colaterais deste resultado. Provas com enunciados extensos correm sério risco de ficarem sem resposta. A geração dos vídeos curtos está nas faculdades, tentando cursar Direito e Filosofia sem passar pelas leituras clássicas. Tenho uma turma de criminologia que não leu Beccaria nem sob ameaça de que cairia na prova. É realmente triste ver o quanto isso acaba influenciando na qualidade dos futuros profissionais. Mas, ver as Bienais lotadas, tem aquecido o meu coração, de alguma forma. Talvez ainda tenhamos esperança.